Foi com uma vitória que José Faria, solução interina, se estreou no comando técnico do Estrela da Amadora. Mais do que os três pontos, os primeiros da temporada, a mudança viu-se dentro de campo com o conjunto agora treinado pelo técnico de 38 anos a corrigir os erros que explicam o arranque em falso do tricolor da Reboleira.

Filipe Martins à quarta jornada, após a derrota diante do Casa Pia, fez um diagnóstico do Estrela da Amadora.

«Na primeira e segunda fase de construção conseguimos chegar muitas vezes ao meio-campo ofensivo, só que em vez de continuarmos a forçar, muitas vezes rodámos o jogo quando não havia essa necessidade».

Filipe Martins, 31 de agosto de 2024

Não eram propriamente desconhecidos os problemas do Estrela da Amadora em ferir o adversário. A equipa orientada pelo técnico que regressou a casa e ao sítio onde cresceu para orientar o clube do coração tinha princípios de jogo bem assimilados e conseguia, com alguma facilidade, sequências longas com a bola, e superar a primeira pressão dos adversários.

O problema não era ter bola, ao contrário do que se sucedia no passado, mas o que se fazia com esta no meio-campo contrário. A tendência vertiginosa e muito vertical de 2023/24 dissipou-se e o Estrela da Amadora mostrava-se incapaz de criar grande perigo e de converter o volume ofensivo em chances de golo.

O perfil dos jogadores de um ataque que conjugou em muitos momentos nomes como Rodrigo Pinho, Nani e Abel Ruiz, jogadores mais fortes com a bola no pé do que a atacar o espaço ajuda a explicar as dificuldades do Estrela da Amadora em agredir a baliza adversária. Não havendo movimentos de rutura e ataques à profundidade, a linha defensiva adversária estava confortável mantendo a posição e encurtando o espaço para jogar, tornando o jogo do Estrela da Amadora um círculo vicioso onde a bola circulava pelos três corredores, mas não entrava na área para finalizar.

Filipe Martins estava consciente desta situação e Kikas ganhou importância como um avançado capaz de cair pelos corredores e que compensa os recursos técnicos menos evoluídos em comparação com alguns companheiros, com a agressividade nos duelos e no ataque à profundidade. Não é uma mera coincidência que, mesmo sem tantos holofotes, o avançado de 26 anos esteja a ser o melhor jogador do Estrela da Amadora nesta temporada.

Apesar da melhoria exibicional com as chamadas de Kikas ao onze, coletivamente o Estrela da Amadora continuava a mastigar e enrolar demasiado o jogo. Filipe Martins sabia-o e, por esse motivo, um despedimento após seis jogos (com Braga e Benfica no registo), coloca em causa o projeto desportivo. À quarta jornada o Estrela da Amadora não tinha vários reforços e, mesmo após o fecho da janela de transferências, foi incapaz de fazer bate a um plantel algo desequilibrado, principalmente no setor mais recuado. Tendo a noção do que era preciso para dar o próximo passo, a saída de Filipe Martins ganha contornos inexplicáveis, mas com explicação clara: resultados. E a verdade é que estes apareceram.

José Faria identificou o mesmo problema e fez alterações profundas no sistema de jogo do Estrela da Amadora. O onze indiciava estas mudanças com o 4-4-2 a dar lugar a um 4-3-3 que trouxe vantagens ao tricolor da Reboleira, especialmente nos primeiros minutos. A entrada desatenta e desordeira do Moreirense, que viu reduzida a base de avaliação e análise ao adversário, foi terreno fértil para o Estrela da Amadora atacar.

A presença de um médio mais posicional à frente da defesa permitiu maior liberdade aos interiores do Estrela da Amadora para se projetarem e atacar o espaço entre o lateral e o central do Moreirense com movimentos de ataque ao espaço. Leonel Bucca, médio com grande capacidade ofensiva e de definição dentro da área, identificou o espaço livre, projetou-se e, depois de um trabalho sublime, fez o primeiro golo aos dois minutos. Estava aberto o ketchup e encontrada a fórmula.

Com corredores assimétricos, o Estrela da Amadora conseguiu criar por fora e gerar situações de perigo. À esquerda, Nilton Varela ficava mais baixo e permitia a Jovane Cabral, novidade no onze, partir de posições mais avançadas e recuadas. À direita, Diogo Travassos, que pode ser um dos nomes desta edição da Primeira Liga, projetava-se e dava liberdade a Alan Ruiz para flutuar por dentro e destacar-se no passe. Jogando a pé trocado e com capacidade para abrir o campo com o pé trocado, o argentino deixou bolas de qualidade e provou ainda ser um dos passadores com mais recursos do futebol português. Foi uma destas bolas, aproveitando uma perda comprometedora do Moreirense, a gerar o 2-0 aos 20 minutos. Marcou Kikas.

Kikas está como um peixe mergulhado num vasto oceano neste modelo de jogo. O avançado cai sobre os dois corredores, ganha duelos na velocidade e consegue ganhar metros ao adversário. Não sendo naturalmente capacitado para ganhar pelo ar – tem 1,77m – batalha por todas as bolas, incomodando defesas e aproximando a equipa de vencer a segunda bola. Já era destaque do Estrela da Amadora por ser disruptivo e agora, apostando na continuidade do modelo de jogo, continuará a ser destaque por ser a peça ideal para liderar o ataque.

Depois de vencer o primeiro jogo e de, principalmente, ver encontrado o caminho certo para prosseguir o trabalho, o Estrela da Amadora pode iniciar um crescimento que será, ainda assim, irregular. O plantel tem limitações claras que se estendem do setor defensivo instável, à presença reduzida de criativos no meio-campo e às opções de ataque que precisam de ser enquadradas. O próximo passo é conseguir continuar a trabalhar a objetividade e capacidade de chegar rapidamente à baliza sem esquecer que, a forma como o Estrela da Amadora constrói e supera pressões, é um dos passos para ver o jogo de frente e acelerar. Conjugar as duas vertentes do jogo será a solução para uma temporada que, na Reboleira, se quer melhor que a anterior.

BnR na Conferência de Imprensa

Bola na Rede: Com Filipe Martins, e o próprio treinador reconhecia, o Estrela da Amadora tinha algumas dificuldades em chegar rapidamente à área contrária e em criar perigo, mastigando muito os ataques. O que procurou trazer de novo à equipa em busca de maior vertigem e ameaça?

José Faria: Se não soubesse que não era possível diria que esteve a ver os nossos treinos durante a semana. Efetivamente a análise está corretíssima e eu fiz a mesma leitura. Éramos uma equipa com qualidade na saída, no primeiro terço. Construíamos bem, mas faltava ferir o adversário e ser mais verticais, como falou. Foi isso que tentámos com a entrada do Jovane Cabral, principalmente, pedimos ao [Diogo] Travassos para nos dar jogo exterior e permitir ao Alan Ruiz jogar por dentro. Sabíamos das dificuldades do Moreirense na proteção do espaço lateral-central e procurámos atacar esse espaço com os nossos médios em ruturas. Foi um bocadinho por aí. Sabemos que temos três homens da frente com características todas elas muito diferentes. O Rodrigo Pinho não tem nada a ver com o Kikas e quando o temos em campo somos uma equipa capaz de ferir o adversário em profundidade. Foi isso que aconteceu e marcámos dois golos e ainda tivemos uma bola do Kikas que podia ter feito o 3-0 na primeira parte. Correu como pretendíamos.

Bola na Rede: O Estrela da Amadora conseguiu criar perigo através de bolas na profundidade procurando diagonais mais curtas, como no primeiro golo, ou mais longas, como no segundo. O que falhou na estratégia do Moreirense neste parâmetro?

César Peixoto: Sim, o Estrela da Amadora com um jogo mais direto num 4-3-3 com um médio sempre a atacar as costas e o avançado a fazer a diagonal nas nossas costas. Faltou cobrir a bola, controlar melhor a profundidade, mas sobretudo faltou entrarmos focados e competitivos. Sabíamos que isto ia acontecer e não conseguimos entrar com a intensidade de jogo que era preciso e acabámos por sofrer dois golos. O segundo golo acaba por ser mais um erro na perda de bola. Uma perda de bola por dentro, nós queríamos ir por fora e não por dentro, estávamos avisados em relação a isso. Mas foi uma perda de bola que nos dá uma transição quando a equipa estava a abrir para jogar e não estava preparada para a perda de bola e estava segura. Perdemos a bola na zona central e o Estrela da Amadora aproveitou numa transição ofensiva. Mais uma vez um erro individual nosso acaba por custar caro. São erros que estão a acontecer demasiadas vezes e temos de corrigir. Temos de ser mais maduros no momento de ter bola, mais seguros, mais competitivos e mais intensos. Acabámos por pôr em causa um jogo que sabíamos ser difícil. O Estrela da Amadora acaba por se bater bem, ser forte nos duelos e gerir o resultado à sua maneira. Respeito, embora com muitas paragens que quebraram muitas vezes o jogo e a nossa equipa acabou por não conseguir bem e o jogo foi decidido pelos primeiros 20 minutos.