
O braço direito quase integralmente tatuado com padrões maori, reminiscentes da cultura ancestral dos povos nativos da Nova Zelândia. A cabeça de onde pendem uma espécie de rastas, com o cabelo rapado nas têmporas, junto às orelhas. O corpanzil não muito ousado em altura (1,82 metros) embora temível no restante, massudo e feito de uma armadura de músculo. Este século, porventura até de sempre, Ma’a Nonu foi um dos melhores centros do râguebi, um brutal camião TIR de força que juntava as suas circunstâncias para ser um dos mais efetivos jogadores a causar dano nos adversários a partir dessa posição.
Referirmo-nos ao neozelandês no passado, no entanto, está errado. Sem o ter dito publicamente, julgava-se que Ma’a Nonu estivesse reformado, por fim alcançado pelo tempo no jogo da apanhada em que os humanos estão condenados a perder: a sua última partida oficial acontecera em julho, pelos San Diego Legion, clube da Major League Rugby dos EUA, periférico campeonato da modalidade hoje capaz de seduzir as estrelas cadentes da oval a levarem para lá as derradeiras páginas do seu livro.
Era o previsível ocaso do bicampeão do mundo (2011 e 2015), cujo suposto último ano já viera por suplicar à esposa, na penúltima época, que “não podia deixar o râguebi agora” quando a sua equipa norte-americana ficou a um ponto no jogo do título de ser campeã. “Mal saí do estádio, ela olhou para mim e disse-lhe logo ‘mais um ano, por favor’”, contou Ma’a Nonu ao “Newshub”, um canal de televisão do seu país. O que terá dito desta feita então à sua mulher após uma quinzena em Toulon que em teoria serviria para o neozelandês aprender a ser treinador.
O clube do sul de França, atual segundo classificado do Top14, o melhor e mais competitivo campeonato na Europa, anunciou na terça-feira que contratou até ao final da temporada o antigo all black para preencher a vaga do centro Antoine Frisch, que estará vários meses. O Toulon confirmou Ma’a Nonu como “joker médico” - as regras no país permitem às equipas inscrever novos jogadores para suprir ausências por lesão -, nada mais dizendo além publicar uma fotografia do neozelandês a segurar uma camisola. E nele a mesma cara de poucos amigos, o mesmo cabelo, o mesmo ar feroz.
Com 103 test matches feitos pela Nova Zelândia e 32 ensaios marcados, Ma’a Nonu provará o sabor da relva aos 42 anos num dos melhores clubes do continente. O neozelandês já representara o Toulon entre 2015 e 2019 quando se retirou do râguebi internacional (a sua seleção só convoca quem jogue no próprio país) e, de novo, durante 2020. Fez um total de 93 partidas pelo clube gaulês que esta época ainda está na luta pela Liga dos Campeões e conta no plantel com nomes de peso: os terceiras linhas Charles Ollivon ou Facundo Isa, o médio de formação Baptiste Serin ou o abertura Dan Biggar.
O neozelandês participara nas últimas duas semanas de trabalho no clube integrado no staff, em teoria a apalpar terreno para transitar de vida. “Quando chegou cá não era para ser jogador. Veio para observar a equipa técnica, mas depois veio a lesão do Antoine e tivemos uma ideia”, explicou Pierre Mignoni, treinador do Toulon, ao “Midi Olympique”, um jornal da região. “Tivemos que ter cuidado, avaliar se estava psicologicamente pronto. Quereria mesmo isto? Consegue estar no dia a dia da equipa? Vi como se integrou em duas semanas e poucos conseguiriam fazê-lo, é raro”, acrescentou, indo à mente primeiro do que ao corpo.
Pois Ma’a Nonu ainda é matulão que chegue para as exigências mais desafiantes do râguebi. “Fizemos alguns testes físicos e avaliámos o que era capaz de fazer. Acho que a equipa será melhor com ele. Se calhar uns 5% ou 10%, não sei”, suspeitou o técnico, rejeitador da ideia de o Toulon ter feito uma manobra de aparências e contratado “um cromo da Panini”, como descreveu à mesma publicação: “Simplesmente perguntámos se este homem, com esta personalidade, poderia levar-nos um pouco mais longe. Após os testes e a quinzena que passou connosco, eu digo que sim, a 100%.”