O conceito de “cidadão do mundo” é usado por muitos, mas nem sempre se aplica na totalidade. No caso de Ricardo Pereira é exatamente essa a descrição mais correta. Ou talvez: ator do mundo.

“Se me perguntares onde eu moro, não sei dizer se moro em Espanha, em Portugal ou no Brasil. Hoje em dia estou mais a circular. Diria entre estes tês mercados, mas podem ser quatro ou cinco se de repente surgir uma oportunidade em Londres ou nos Estados Unidos”, conta o ator à Forbes.

A vontade de viajar a trabalho surgiu muito cedo na sua carreira. Começou na moda, onde fez uma carreira internacional. “Deu-me a oportunidade de perceber que este mundo é gigante. Uma característica muito importante que ficou para sempre na minha vida e reflete muito da minha carreira como ator, é o querer estar sempre a trabalhar com pessoas diferentes e em lugares diferentes, estar sempre disponível para novas experiências”, afirma.

Mas a influência da moda continua. Com a experiência, acabou por perceber não se podia limitar apenas a um tipo de trabalho e quando começou a focar as atenções nas campanhas publicitárias, entendeu que precisaria de mais recursos. Foi aí que optou pelos seus primeiros cursos de representação. “Comecei a andar com um grupo de amigos que eram atores e atrizes e levaram-me para cursos em vários teatros, com professores que eram do conservatório, e foi aí que começou a nascer e a amadurecer esta paixão pela representação”, diz.

Acabou por se estrear num dos maiores palcos do país, o Teatro Nacional Dona Maria II. O teatro que, na verdade, é onde pretende regressar sempre, assumindo mesmo o compromisso de não passar mais de um ano em meio sem fazer uma peça, ainda que neste momento esteja há cerca de três anos sem trabalhar em teatro. “É um lugar onde eu preciso voltar, onde me sinto pleno, onde é importante exercitar e que serve para desconstruir também alguns vícios que nós vamos criando. A plenitude, o exercício teatral, a intuição, o resultado imediato pela observação do público, é fundamental na minha criação artística”, afirma Ricardo.

Depois do teatro? “Depois seguiu-se muito cinema autoral, televisão, séries e por aí fora”, diz.

Destino: Brasil

Na área da representação, e depois de criar raízes em Portugal em várias vertentes, as primeiras viagens de Ricardo Pereira foram pelo cinema autoral francês. Mas a mais impactante, foi a que fez em direção à América do Sul.

O Brasil foi coisa do destino. “Foi quase como se o destino se cruzasse na minha vida. Eu tinha que mesmo viver a experiência que vivo até hoje, porque é um lugar que eu amo, mas apareceu, eu diria mesmo, do destino. Como ator, via as novelas brasileiras e lembro-me de muitas novelas dessa época, sempre disse que um dia gostaria de fazer uma novela, mas o convite e o casting surgiram de uma forma que eu não estava à espera”, conta o ator.

Estava no Brasil para um trabalho em São Paulo, mas decidiu visitar o Rio de Janeiro e os estúdios da Globo antes do fim da viagem. Na mesma altura, a Globo estava à procura de um ator português para ser protagonista de uma novela. “Fiz um casting, fui escolhido e é assim que começa a carreira no Brasil”, diz. Ricardo Pereira tornou-se o primeiro ator estrangeiro a protagonizar uma novela da produtora, o que aumentou ainda mais a pressão associada a este novo passo na carreira.

Para se ter uma ideia, se, em média, os programas mais vistos em Portugal têm uma audiência de cerca de 1,5 milhões de espetadores, no Brasil esse número sobe para mais ou menos 90 milhões. A pressão aumenta logo aí, na dimensão do mercado. Depois há toda a importância que o formato novela tem no país. “As novelas já são culturais em Portugal, porque nós crescemos a ver novelas, mas o Brasil é o país das novelas. Toda a gente para para ver as novelas nas variadíssimas faixas horárias”, conta o ator, realçando que, no seu caso, o acolhimento do público brasileiro foi o mais positivo possível.

“Eu fui escolhido para fazer um projeto que nunca ninguém tinha feito, com esta responsabilidade e esta dimensão de ser o primeiro protagonista estrangeiro, mas ao mesmo tempo senti-me completamente em casa desde o primeiro dia, pela equipa técnica, pelos meus realizadores, pelo elenco. Foi um apoio total, havia uma geração muito nova a começar e foi fundamental para tudo correr bem. Tinha muitos medos pela minha idade, pela minha inexperiência, por ser num outro país, o que queria era que funcionasse, queria corresponder à expetativa que criaram e isso fez de mim ser completamente comprometido, exigente comigo mesmo e focar-me muito nesse trabalho”, afirma.

Para um ator que vinha da indústria portuguesa e estava a entrar na brasileira, a maior diferença entre as duas só poderia ser uma: a escala. “A grande diferença não é no jeito de representar, não é na forma de fazer, eu acho que é muito na dimensão e a escala. O projeto é assistido por mais não sei quantas pessoas e isso reflete o quê? O investimento que um projeto pode ter ou não. Os orçamentos praticados são diretamente proporcionais com a escala de quem vê e da dimensão dos países.”, explica Ricardo.

Destino: Espanha

Se com o Brasil foi o destino que encontrou Ricardo, no caso de Espanha foi o processo contrário. Depois de fazer um filme em Barcelona e conhecer melhor o mercado espanhol, o ator ficou sempre com a ideia de que gostaria de passar uma temporada no país vizinho.

A forma como prepara a incursão num novo país repete-se qualquer que seja o destino. O idioma é uma prioridade para o ator, que procura trabalhar com professores. No caso de Espanha, praticou bastante antes mesmo de a oportunidade surgir porque sabia que queria lá chegar, mas quando a oportunidade surgiu teve também o acompanhamento de um profissional para trabalhar o guião. Depois, contrata uma equipa em cada país para que o ajudem a chegar aos personagens. “Em Espanha tenho um coach, no Brasil tenho um coach, em Portugal tenho um coach, que me ajudam a trabalhar fora das horas de filmagem”, diz.

O regresso a Espanha deu-se através da Netflix. Em 2023, o ator foi anunciado como produtor criativo da plataforma de streaming. Desta forma, começou a desenvolver projetos que envolvem Portugal, Espanha e Brasil. “Espanha surgiu por eu ter a oportunidade de estar ligado à Netflix durante aquele tempo, de aprender muito deste trabalho de produtor, de conectar, de estar também muito ligado ao mercado audiovisual entre os três países”, conta.

O resultado do projeto chegou ao público em 2024. Ricardo deu vida a Omar na série Eva & Nicole, um projeto da produtora Good Mood e da cadeia de televisão Antena 3, que chegou também ao streaming. “Foi a oportunidade de trabalhar num mercado muito grande, com um elenco fantástico, que me fez querer também investir mais no mercado espanhol. Portanto, eu acho que, entre este ano e o próximo, teremos novas incursões e mais tempo também passado em Espanha”, diz.

Destino: Streaming

Ainda que esteja presente em diversos mercados internacionais, o português nunca deixou de trabalhar no seu país de origem. Neste momento, por exemplo, está a fazer a novela A Herança, da SIC.

Ao mesmo tempo que se divide entre países, procurou acompanhar as tendências da própria indústria e, hoje em dia, todos os caminhos vão dar ao streaming. O que, na verdade, vai de encontro ao que Ricardo sempre procurou: a partir de um projeto consegue chegar aos quatro cantos do mundo. Exemplo disso é a série portuguesa onde poderemos ver o ator em breve: Rabo de Peixe, em 2023, chegou ao top da Netflix em 33 países.

“Esta possibilidade de ter trabalhado para vários streamings diferentes [Netflix, Max, Opto, entre outros] fez-me compreender também o que é que o mercado está a produzir, as necessidades, fez-me ter experiências diferentes, aprendizagens diferentes. Isto faz com que hoje em dia, quando eu olho para um projeto, tenha de perceber que projeto é, onde é que ele se vai situar, que parceiro será o ideal desse projeto”, afirma.

Continuará todo este trabalhado como ator, mas é como produtor que se vê nas cenas dos próximos capítulos. Ou até mesmo como realizador, uma vez que já começa a desenhar os planos para aos poucos dar também passos nessa direção.

“Da mesma forma que na carreira como ator fui avançado com passos muito seguros, estes meus primeiros passos quando eu trabalho como produtor também quero dá-los de uma forma muito segura, rodeado de pessoas que naturalmente têm uma base, uma experiência maior do que a minha, e com as quais eu quero trabalhar associadamente para poder crescer, aprender com eles. E que sejam projetos, obviamente, que depois sejam vistos não só nos mercados onde eles são criados, mas que possam também viajar para outros lugares, é isso que eu pretendo”, conta Ricardo.

Em Portugal, porque é aqui que regressa sempre, apela a uma maior atenção por parte das plataformas de streaming. “Gostaria que fossem mais projetos feitos e produzidos em Portugal”, defende. O que significaria um apoio maior aos projetos portugueses, mais recursos, a divulgação de histórias nacionais e do próprio país, e, obviamente, a oportunidade de quebrar qualquer fronteira na carreira dos atores. O resultado será um efeito bola de neve que só poderá beneficiar a indústria.

“Quanto mais apoio e mais investimento neste setor, mais ele vai girar, mais ele vai formar pessoas, mais ele vai dar oportunidade de múltiplas histórias aparecerem. Isso vai-nos dar um fluxo, uma dimensão, vai-nos dar uma visibilidade extraordinária. Nos últimos tempos tenho tentado conectar o maior número de pessoas de fora com tudo o que são artistas e talentos portugueses, para tentar ao máximo que os projetos possam surgir”, conclui.

(Artigo publicado na edição de abril/maio 2025 da Forbes Portugal)