Adelaide tem 72 anos e vive há dois anos sozinha, desde que ficou viúva. Foi casada com um poeta que passava muito tempo fechado a escrever, em silêncio com os seus pensamentos. Agora sente necessidade de barulho, de casa cheia e companhia. Foi através da sua filha que conheceu o projeto “Partilha Casa” e decidiu abrir as portas do cantinho onde viveu toda a sua vida. “Inicialmente estava com receio de me candidatar porque não sabia quem entraria na minha casa”, confessa, “mas a verdade é que tinha curiosidade e, como estava sozinha, decidi arriscar”, revelou ao SAPO.
Quem lhe bateu à porta foi Filipa, de 26 anos, terapeuta e consultora no âmbito do envelhecimento, que se mudou para Lisboa para tirar uma segunda licenciatura em psicologia.
“No momento em que me candidatei só me fazia sentido conciliar o meu propósito de vida profissional com a minha vida pessoal”, começa por contar. “Conheço os relatos dos familiares e a realidade das pessoas institucionalizadas, mas quis conhecer melhor o dia-a-dia de uma pessoa idosa que vive na sua casa, os seus hábitos e quais as eventuais dificuldades com que se depara. Depois, se possível, tinha como expetativas colmatá-las, incrementando mais autonomia, independência e funcionalidade pelo maior período possível”, confessa.
Filipa e Adelaide partilham a mesma casa há três meses e não podiam estar mais satisfeitas com a aventura em que embarcaram. “A Filipa é uma companhia e é muito simpática, tem sido uma experiência muito positiva”, diz-nos a anfitriã de 72 anos. Para além dos problemas sociais que o projeto pretende colmatar, nomeadamente o isolamento sénior e a crise habitacional estudantil, o “Partilha Casa” é também uma oportunidade de aprendizagem intergeracional e de enriquecimento mútuo: “Os benefícios desde projeto são imensos e, no meu caso em particular, sinto que esta sensação de casa e de família me ajudou muito a nível emocional, numa fase em que também eu precisava de colo. Espero um dia poder retribuir na mesma medida o impacto que a Adelaide e a sua família tiveram e têm na minha vida”, conta Filipa.
De modo a promover o match intergeracional, e durante todo o período de convivência entre os pares, existe um acompanhamento constante por parte da associação responsável, seja através de visitas domiciliares mensais ou chamadas telefónicas. “A Une.Idades tem sido muito presente ao longo deste processo, fazendo sempre a ponte entre as partes e facilitando quaisquer constrangimentos que possam surgir. Estão sempre atentos, sensíveis e preocupados com a vida de todos. Tenho de lhes agradecer muito”, garante.
A tecnologia ao serviço das pessoas
A plataforma online “Partilha Casa” foi desenvolvida pelo MEO, em novembro do ano passado, e usufruiu de um investimento de 80% do orçamento de comunicação destinado ao período do Natal. Através do estabelecimento de parcerias com programas que visam a partilha de alojamento entre seniores e estudantes, a empresa de telecomunicações assume-se como promotora e facilitadora da iniciativa.
“Temos atuado em várias áreas com o objetivo de, não só dar a conhecer a plataforma, mas sobretudo incentivar jovens e seniores, através de ações específicas, a candidatarem-se”, relata Carolina Negrão, responsável pelo departamento de Causas e Impacto Social do MEO ao SAPO. Desde a sua criação, foram várias as associações que revelaram interesse em fazer parte do projeto, um resultado que Carolina Negrão considera animador: “Isto é uma iniciativa nacional, quantos mais se juntarem melhor. Só assim iremos conseguir fazer a diferença”, confessa.
De relembrar que, segundo dados de 2023 da Eurostat, Portugal é o país da União Europeia a envelhecer mais rapidamente e, de acordo com um estudo do Observatório da Solidão realizado em 2022, 1.7 milhões de idosos afirmam viver em solidão. Paralelamente, a crise habitacional tem provocado um forte impacto na população jovem, com especial incidência nos estudantes, registando-se uma quebra de 80% na oferta de quartos para este segmento de 2021 para 2022, com cerca de 120 mil alunos deslocados em Portugal. Estima-se, de acordo um com estudo feito pela Cushman & Wakefield, que só em Lisboa e Porto faltem 20.000 camas.
Atualmente, o projeto encontra-se disponível em Lisboa e Coimbra, através das associações Uni.Idades e Abraço de Gerações, respetivamente. Carolina Negrão garante que, em breve, o “Partilha Casa” estará presente em três novos distritos do país.
Para mais informações sobre a iniciativa, visite o site oficial.