O Bloco de Esquerda e o PCP consideraram esta terça-feira que era inevitável a demissão de Hernâni Dias das funções de secretário de Estado da Administração Local face aos casos suspeitos em que se encontra envolvido. Agora, dizem, falta cair o decreto que altera o regime jurídico dos instrumentos de gestão do território (RJIGT), vulgarmente conhecido como alteração à lei dos solos.
Hernâni Dias “extraiu as consequências do caso que o envolve e que confirma a suspeita de que há algo de errado na alteração do regime jurídico dos instrumentos de gestão do território”, disse o deputado comunista Alfredo Maia, em declarações aos jornalistas no Parlamento. No entanto, na perspetiva do deputado do PCP, a demissão do secretário de Estado "não resolve o problema de fundo, que é a alteração à chamada lei dos solos".
"Há um conjunto de elementos, de circunstâncias que aparentemente colocaram o ex-secretário de Estado numa posição desconfortável. Em todo o caso, saliento que, independentemente das circunstâncias concretas de cada membro do Governo, o que para o PCP é realmente mais relevante são as políticas", frisou.
Por isso, neste caso, segundo Alfredo Maia, a responsabilidade pela vigência do diploma que causou este problema político e que "favorece a especulação imobiliária é do Governo com a cumplicidade do PS".
"Governo e PS querem uma lei para tornar mais fácil a especulação com solos rústicos, possibilitando a sua venda para construção", acrescentou.
Já a deputada bloquista Joana Mortágua considerou que a demissão de Hernâni Dias "não causou surpresa", mas frisou que "continua a precisar de explicações". De acordo com Joana Mortágua, o caso mais complexo relaciona-se com a criação de sociedades imobiliárias na área da construção civil - duas empresas familiares "numa altura em que o secretário de Estado tinha informação privilegiada sobre um decreto que viria a ser publicado em dezembro e que permite a valorização brutal de terrenos rústicos".
"Estamos perante uma alteração à gestão territorial que permite a criação de fortunas imobiliárias, através de um processo de especulação, pela permissão de construir em terrenos onde antes não era possível. Esta suspeita de que o secretário de Estado teria criado estas duas sociedades para (no presente ou no futuro) beneficiar de uma alteração à lei que facilita a valorização dos terrenos - alteração à lei essa que ele próprio ajudou a escrever e a criar -, é uma suspeita legítima", acentuou a dirigente do Bloco de Esquerda.
Tal como o PCP, também Joana Mortágua exigiu que a chamada lei dos solos "seja muito diferente daquela que foi aprovada por PSD, PS e Chega, porque, na verdade, foram estes três partidos que chumbaram a proposta do BE para a cessação de vigência" do decreto sobre a alteração dos instrumentos de gestão territorial. "Chamamos a atenção que esse decreto tem o potencial de criar este tipo de suspeitas, porque também tem o potencial de criar negócios e fortunas imobiliárias", acrescentou.
Na sexta-feira, a RTP noticiou que Hernâni Dias criou duas empresas que podem vir a beneficiar com a nova lei dos solos, sendo que é secretário de Estado do ministério que tutela essas alterações.
Uma semana antes, o mesmo canal de televisão avançou que Hernâni Dias estava a ser investigado pela Procuradoria Europeia e era suspeito de ter recebido contrapartidas quando foi autarca de Bragança.
Numa reação escrita enviada à agência Lusa, o Livre considerou que Hernâni Dias "fez bem em demitir-se" e, na mesma linha de BE e PCP, considerou a decisão "inevitável". "Incompreensível é que tenha demorado tanto tempo", lê-se na nota.
Na opinião do partido, as alterações ao decreto-lei sobre o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, a polémica lei dos solos, "só servem para causar anomalias e prejuízos, pelo que este diploma tem de ser revogado".