
Agosto de 2012 é de má memória em Gaula, foi o mês do grande incêndio na freguesia e o ano do maior aperto financeiro na Madeira, mas o povo não esquece que Filipe Sousa esteve lá para ajudar e não virou as costas depois de se apagar o fogo. Foi ele, o presidente da junta eleito por um movimento de cidadãos, que esteve com os bombeiros, que levou comida e foi a voz do desânimo ao enfrentar o presidente da Câmara de Santa Cruz, que tinha sido apanhado pelos incêndios durante as férias no Porto Santo e mostrou pouca empatia. “Isto não está certo”, disse e repetiu em público, em frente às câmaras da televisão, sem recuar e sem alterar o tom de voz.
Élia Ascensão, a agora presidente da câmara de Santa Cruz, acredita que foi nesse incêndio e nesse momento que Filipe Sousa ganhou o coração (e o voto) dos eleitores. Um ano depois, nas autárquicas de 2013, uma maré verde (a cor dos Juntos Pelo Povo) varreu o PSD da câmara com uma esmagadora maioria. E o rosto do JPP era aquele homem, que foi para a Força Aérea aos 16 anos, mas que se fez eletricista e sindicalista, que aprecia música e toca vários instrumentos e admite que não gosta de ler, embora o município tenha uma feira do livro lançada durante os seus mandatos.
Filho de um taxista e de uma dona de casa, chegou à política pela mão do PS para deputado no parlamento regional. A experiência durou pouco: os jogos de poder, as cedências, os insultos não encaixam no feitio. O próprio admite que prefere a política autárquica, que lhe valeu três maiorias absolutas na câmara. “O povo reconheceu o trabalho, o lado social e humano.” A actual presidente dá como exemplo o programa municipal de apoio às pequenas cirurgias que permite a quem não pode pagar - e está na lista de espera no serviço regional de saúde - recorrer ao privado. “As pessoas ficam muito agradecidas, ganham qualidade de vida, mas tivemos queixas no Tribunal de Contas por causa disto”. A ideia surgiu das muitas audiências com munícipes e também da folga financeira da câmara, o que é uma conquista dos últimos anos.
Quando chegou, em 2013, a dívida municipal era grande e havia pouco para além do que estava destinado ao pagamento das despesas correntes. E esses foram os anos de maior tensão. “Lembro-me de termos ido visitar pessoas com carências habitacionais graves, em que chovia em cima das camas, e, depois, já no carro, o presidente chorar e de me dizer: eu não tenho dinheiro para ajudar esta gente”, conta Raquel Gonçalves, que foi chefe de gabinete durante dez anos e garante que a mesma pessoa que se comove com as dificuldades também é duro perante os abusos.
“Uma vez foi à câmara um munícipe que estava com dificuldades para pagar as contas. O presidente ouviu-o e, no fim, disse-lhe: 'O senhor de facto precisa de ajuda. É que tem um telemóvel topo de gama, melhor do que o meu e, por isso, deve ir para casa pensar em orientar a sua vida'”. E nem a possibilidade de perder votos o faz mudar de estratégia, seja perante os abusos ou perante as pressões económicas. Quando Santa Cruz decidiu impor taxa turística - foi o primeiro concelho a fazê-lo na Madeira - a pressão veio de todos os lados, houve até ameaças de haveria despedimentos nos hotéis. Filipe Sousa não recuou, a taxa foi aplicada e ninguém foi despedido.
Também não recuou em relação a Miguel Albuquerque que, depois de ter faltado à promessa de resolver um problema de terrenos com a câmara, nunca mais foi convidado para as cerimónias do dia do concelho. Em 12 anos na câmara e em 10 de JPP (o movimento só passou a partido em 2015), o agora deputado da nação enfrentou o PSD, o PS e o próprio partido que, em 2023, decidiu colocá-lo em 5º lugar da lista para assembleia legislativa. Filipe Sousa recusou o lugar e renunciou ao cargo de presidente do partido e é como militante de base que chega à Assembleia da República.
E vai preocupado, pois não quer levar apenas os problemas da Madeira. Até já tem dois em agenda: garantir que madeirenses (e açorianos) deixam de adiantar o valor total das passagens aéreas e assegurar um ferry para transporte marítimo de passageiros e mercadorias entre a região e o continente, mas sabe que lhe é exigido mais e, por isso, diz que quer ser a voz também das outras ilhas que existem no país, as do isolamento no interior, das periferias e não tem linhas vermelhas com partidos, nem com o Chega. Mas, também acrescenta: “Sou só um a meio de 230 e não é sentado na cadeira da Assembleia da República que se conhece o país real."