O campeão não tremeu! A depender apenas de si próprio para assegurar o bicampeonato, o Sporting venceu, no Estádio José Alvalade, o Vitória SC, por 2-0. Os golos dos verdes e brancos foram apontados por Pedro Gonçalves e Viktor Gyokeres, que coroaram, assim, o Sporting como bicampeão nacional, 71 anos depois!

A verdade é que, durante 90 minutos, os leões estiveram sempre na frente da luta pelo título, terminando mesmo com mais dois pontos do que o Benfica depois do empate das águias em Braga.

Não foi uma exibição de encher o olho como se pensava, também convém acrescentar que o Vitória não fez um remate com perigo nem desperdiçou nenhuma oportunidade, mas serviu para resumir toda uma época: um jogo seguro, com momentos em que a ansiedade tomava conta dos pés e da cabeça, com alturas em que a equipa recuava linhas, sabendo que não sofrendo estava sempre mais perto de ganhar, com episódios de inspiração que resolvem jogos.

Pedro Gonçalves, que, nesta fase, é como o Sporting e basta apenas estar mesmo não sendo o que era (e voltará a ser), inaugurou o marcador, o inevitável Gyokeres fechou as contas e a oito minutos do final ouviu-se pela primeira vez o cântico do “Bicampeão”. A festa estava lançada.

O encontro começou com as características esperadas, com um Sporting subido em campo e a tentar chegar rápido à vantagem para serenar ânimos frente a um Vitória que queria sobretudo estancar a previsível cadência ofensiva verde e branca. Não se jogou muito nem propriamente bem.

Toni Borevkovic ficou lesionado num lance que também teve o condão de deixar Gyokeres no chão com queixas, as reposições também não privavam pela velocidade. Zeno Debast, porém, quis furar o rumo dos acontecimentos com um pontapé de longe que saiu muito por cima, e Gonçalo Inácio marcou, mas o golo foi anulado: na sequência de um canto batido por Francisco Trincão na direita, o desvio do central surgiu depois de uma falta de Debast sobre Bruno Varela na pequena área.

O Sporting estava com as mesmas dificuldades que teve contra o Gil Vicente, até porque o Vitória, inteligentemente, apresentava comportamentos semelhantes na pressão (bloco médio-baixo, com linhas muito juntas), o que resultava num jogo interior quase nulo por parte dos leões. Como a equipa de Luís Freire procurava sair curto, arriscou e teve mesmo algumas perdas em zonas perigosas.

Os momentos de paragem continuavam, desta feita depois de um choque a três entre Beni Mukendi (jogador muito parecido com William Carvalho e que, por isso, merece outros voos), Nélson Oliveira e Ousmane Diomande, que deixou o médio dos minhotos em mau estado, e os jogadores do Sporting aproveitavam para falar entre eles e ir ao banco perceber o que podiam fazer para sair da teia vitoriana.

Sem bola, o Sporting foi sempre mostrando que não queria facilitar, mas faltavam sensivelmente 20 metros à equipa para ficar mais perto da baliza de Bruno Varela e chegarem à vantagem que mudaria o cariz da partida.

Lá está, a formação leonina demonstrava domínio territorial, com mais posse de bola e presença constante no último terço do terreno adversário. Faltava, no entanto, transformar esse controlo em mais ocasiões claras de finalização e, acima de tudo, ser eficaz no momento da decisão. Um golo cedo poderia abrir o jogo, libertar os leões e obrigar o adversário a expor-se mais, mas não foi isso que aconteceu.

A maior explosão, aliás, acabou até por vir a 350 quilómetros de distância, quando Alvalade festejou a grande penalidade convertida por Rodrigo Zalazar que adiantou o SC Braga frente ao Benfica que coincidiu com um canto ganho por Maxi Araújo que reacendeu o vulcão verde e branco, em suspenso com a saída por lesão de Diomande após tentar seguir no jogo, à passagem do minuto 25.

O resultado do rival era, apesar de tudo, um conforto dentro de uma exibição que demorava a sair. O meio-campo não carburava, as variações eram lentas, o jogo pelas laterais não fazia diferença (Pedro Gonçalves tentava de tudo, mas nota-se que ainda está a anos luz de chegar a um bom momento), o encaixe contrário ia tirando Gyokeres de ação, mas o maior problema era mesmo a quantidade de passes falhados anormal (principalmente Hidemasa Morita) para o que uma equipa deste calibre costuma produzir.

Notava-se, e de que maneira, a ausência de Morten Hjulmand. A equipa leonina estava visivelmente nervosa, sem um elemento em campo capaz de transmitir a serenidade e o equilíbrio que o dinamarquês tão bem impõe. Era crucial manter a calma. Sem essa tranquilidade, as decisões foram sendo precipitadas e a eficácia perdeu-se.

Por outro lado, os adeptos do Vitória não viram a sua equipa criar qualquer ocasião na primeira parte, mas também gritaram bem alto com a notícia de que o Farense tinha marcado ao rival vitoriano na luta europeia, o Santa Clara (o 1-1, em cima do intervalo, na altura).

Ora, por falar em intervalo, esse era um momento de reflexão.

1 – Apesar de muitíssimo competitivo, este campeonato, seria, sempre, na minha opinião, algo nivelado por baixo, onde venceria o menos mau. Não quero com isto dizer que há demérito da equipa campeã ou das outras, até porque o Sporting do primeiro terço da época, com Ruben Amorim, foi das melhores equipas que vi jogar em Portugal.

Mas, isso sim, que um campeão que faz 82 pontos nunca será um campeão que encante, muito menos com a mesquinhez de Rui Borges, um treinador que, apesar de lhe reconhecer grande caráter, humildade e valor, me parece algo aquém de um clube com a dimensão do Sporting, principalmente na forma como coloca as suas equipas a jogar. E isso foi notório em alguns jogos desta temporada, designadamente na forma como geriu vantagens em algumas segundas partes, apesar de todas as dificuldades que enfrentou, nomeadamente com lesões (foi “obrigado” a fazer de Debast um médio de grande qualidade, chegou a jogar com João Simões, Eduardo Felicíssimo, Alexandre Brito, entre outros).

No fundo, entre Sporting e Benfica, não haveria um campeão brilhante. Mas o ponto mais alto do Sporting (aquela fase inicial com Amorim) não teve comparação com nenhum outro de outra equipa. Rui Borges foi à procura de simplificar e conseguiu-o. Não deixa de ter (muito) mérito, uma vez que o que fez não é para todos.

2 – Para sugerir que a Liga pegue neste modelo (última jornada com tudo à mesma hora, discutindo título, Europa e descida) e o aplique todos os anos, mesmo quando não é obrigatório, visto que me parece ser a melhor forma de fechar e “vender” um campeonato.

Voltando ao encontro em si, quis o Sporting regressar dos balneários com outra voltagem, munido de uma intenção mais agressiva em vez de apressada. Cedo se viu Gyokeres a correr feito louco para trás a recuperar bolas recém-perdidas para, depois, forçar jogadas contra os centrais.

Trincão rematou de longe, com perigo. Morita saltou bem lá acima num canto e com a cabeça enviou uma tentativa a passar perto da trave. Belo jogo, também, de Maxi Araújo e Debast — inconformados, intensos, agressivos na disputa e criteriosos na fase de criação. Parecia haver outra clareza no plano.

Contudo, aos 55 minutos, Alvalade explodiu de vez, sendo que a jogada do primeiro golo leonino foi elucidativa desse clique que se deu ao intervalo: a bola foi trocada sem pressas, Eduardo Quaresma atraiu a pressão a uma das suas conduções de bola para abrir uma cratera ao centro e libertar Debast, para fingir um remate, abrir em Maxi na esquerda para, a um toque, o uruguaio servir a chuteira direita de Pedro Gonçalves, que, igualmente de primeira, inaugurou o marcador, com um dos seus passes colocados à baliza, este a ricochetear no poste antes de nela entrar para ele erguer um dedo e sem loucuras festejar, como se apenas de mais um mero golo se tratasse, enquanto um estádio inteiro vinha abaixo em entusiasmo.

Desde setembro que não marcava, o saudoso Pote, recém-regressado de uma lesão de cinco meses. A subtileza do golo do internacional português não mostra o calvário que viveu até chegar aqui. Por tudo o que fez até ao jogo com o SC Braga (onde se lesionou), por tudo o que passou e pelo que há deu ao clube, merecia esta “pequena” dose de protagonismo no jogo do título. O golo resume o seu futebol, o pensar como médio e aparecer como avançado. A simplicidade no último toque, o facilitador de ataques.

Foi, então, esse o momento que teve o condão de serenar os ânimos em Alvalade entre muita festa que se começou a fazer, com a formação verde e branca a começar a soltar-se mais nas ações ofensivas, com outra dinâmica e a somar oportunidades para fechar o encontro, como aconteceu num remate de pé esquerdo de Geny Catamo que acertou no poste e uma daquelas bolas que Gyokeres não costuma falhar na área, mas que ficou nas mãos de Bruno Varela depois de mais um passe para golo de Pedro Gonçalves.

Com o Benfica empatado em Braga graças a Vangelis Pavlidis e a jogar com um a mais devido à expulsão de João Moutinho, o conjunto leonino continuava a tentar fugir ao ruído fazendo apenas o seu jogo para só depender de si.

Essas tais oportunidades referidas anteriormente poderiam ter acabado de vez com o jogo, mas a vantagem mínima continuava com as características do encontro a mudarem com o passar dos minutos, entre um Sporting que recuava linhas e ia procurando as transições rápidas e um Vitória SC que assumiu o comando da posse, mas nunca chegou sequer com perigo à área de Rui Silva.

Gyokeres, naquela postura muito própria de quem começa a ficar cansado de uma incerteza que era artificial, “fartou-se” desse estado e fez o resto: ganhou uma bola na área com classe a Mikel Villanueva, rodou também sobre um Bruno Varela que ficou no chão e atirou para o 2-0 que fechava as contas, estavam decorridos 82 minutos.

Foi a primeira vez que se ouviu o cântico “Bicampeão” no novo José Alvalade, com o estádio de pé a começar uma festa que se tornara inevitável, tanto que o 3-0 chegou a equacionar-se como real possibilidade. Mas, esse, não chegou.

No final, um estádio inteiro berrou entre lágrimas, uns quantos jogadores deitaram-se na relva, exaustos, a recuperaram algum fôlego agora que podiam. Vão precisar dele. Até porque há uma noite inteira pela frente no Marquês de Pombal e, ainda, uma final de Taça de Portugal por disputar, no próximo dia 25 de maio.

Em suma, não foi com a entrada demolidora que se pensava, não foi com a tranquilidade que se antevia, mas o título estava mais do que entregue a uma equipa persistente, paciente e (bi)campeã.

Dizer que o primeiro título não foi um fruto apenas e só do projeto, mas o bicampeonato reflete bem o posicionamento do Sporting enquanto clube mais estruturado e ambicioso em Portugal – a nível de recrutamento e na manutenção dos principais rostos.

Assim, a estrutura que vinha da época passada e o facto de terem segurado figuras decisivas (Gyokeres, Hjulmand ou Diomande), sendo que não se entende este título sem se falar de Francisco Trincão, deu este campeonato ao Sporting, mesmo com a saída de Ruben Amorim.

Para, finalmente, finalizar, nem sempre foi com o melhor futebol, mas com a mentalidade certa. O Sporting de há uns anos, nesta situação, poderia muito bem escorregar. Mas este nunca o faria. Muita fome de vencer. Muita vontade de festejar. Muito respeito e paixão pela camisola.

O bicampeão é verde e branco!