Futebol, um desporto reconhecido como rei no panorama mundial e que parece agora ter encontrado uma competição global e representativa disso mesmo para os mais apaixonados, com todos os continentes presentes nesta edição inaugural.

Findada a primeira jornada do renovado Mundial de Clubes, o torneio tem gerado bastante interesse e debate sobre os participantes envolvidos, resultados e expetativas. Entre as várias surpresas e elementos, o zerozero contactou David Yoo, atleta do Auckland City e próximo adversário do Benfica na fase de grupos.

Com um contexto muito próprio de futebol na Oceânia e na formação neozelandesa, o nosso portal convida-o, caro leitor, a conhecer melhor a realidade deste jovem que se encontra a realizar «um sonho» e que representou vários emblemas lusos num passado recente.

«O meu pai saía do trabalho para jogar comigo»

David Yoo foi titular na Primeira Jornada do Mundial de Clubes @Instagram - David Yoo

Num país onde o futebol ainda está em desenvolvimento, David Yoo encontra-se a viver o sonho de qualquer atleta ao disputar uma das maiores competições do mundo, contra alguns dos seus ídolos de infância. O râguebi e o críquete ainda são dominantes, mas o jovem de 25 anos revelou que a sua preferência ficou desde cedo definida.

«Penso que já andava com uma bola nos pés por casa quando tinha apenas cinco ou seis anos e desde então adoro jogar. A maioria das crianças cresce com râguebi ou críquete, mas sempre houve futebol na minha casa, o meu pai também adora, então tenho esta paixão desde muito cedo», começou por dizer.

«O meu pai fez todos os possíveis para me ajudar na carreira e recordo-me que, quando eu era mais novo, ele saía mais cedo do trabalho para jogar comigo. Esses são momentos que me marcaram e obviamente são muito especiais», confidenciou.

Nascido na Coreia do Sul, mas com dupla nacionalidade neozelandesa, onde viveu praticamente toda a sua vida em Christchurch, o jovem tentou desde cedo dar início à sua carreira futebolística e não permitiu que a falta de condições ou emblemas fossem um entrave ao sonho de infância.

«O futebol neste momento é um desporto muito importante na Nova Zelândia e está a crescer bastante. Antigamente não existiam tantos clubes, então apenas joguei em equipas locais para me desenvolver», referiu.

Com passagens em várias formações locais, tais como Nomads, Burnside ou Phoenix Academy, foi no plantel Sub-20 dos Easterm Suburbs que o avançado chamou a atenção. Com os holofotes apontados ao seu talento, David Yoo viu aberta uma porta para prosseguir carreira em Portugal, com apenas 18 anos.

«É uma história até engraçada. A minha irmã tinha um amigo português que estava na Nova Zelândia, nessa altura. Estávamos a conversar e, de alguma forma, surgiu o meu interesse no futebol. Esse amigo viu um vídeo meu a jogar e perguntou-me se queria fazer uns testes em Portugal», recordou.

«Mudei-me para Portugal demasiado cedo»

A viver a primeira experiência no estrangeiro, a uma distância de, sensivelmente, 30 horas de viagem, o neozelandês conviveu com uma realidade totalmente diferente da sua. Rio Ave (B), Padroense, Oliveira do Douro e Leça FC foram as formações lusas que acolheram o jovem talento do outro lado do mundo e que marcam, até hoje, o imaginário do jogador.

qAssim que aterrei, percebi de imediato que os portugueses são loucos por futebol. É quase como se fosse uma religião
David Yoo, jogador do Auckland City

«Foi uma diferença enorme, sobretudo em termos táticos e técnicos, tal como a forma de pensar o futebol. Vivem este desporto e os seus clubes de uma forma tão apaixonada e intensa. Foi realmente uma experiência incrível», afirmou.

«Aprendi muito com a minha passagem em Portugal e ajudou-me muito no jogador que sou hoje. Defrontei adversários muito bons, a mentalidade é muito ofensiva e encontrei atletas com uma grande inteligência e visão dentro de campo», referiu, elogiando também o sucesso de Portugal no desenvolvimento e formação de jovens no desporto.

Depois de cinco temporadas e quatro emblemas representados em território lusitano, David Yoo parou, refletiu e optou por regressar a casa, junto dos seus, e a um «ambiente diferente».

«Estive em Portugal durante cinco anos e queria uma mudança. Já não morava com os meus pais há algum tempo e queria voltar a casa. Foi o momento certo. Apenas queria retornar, durante algum tempo, e ver o que acontecia depois», contou.

Com poucas visitas de familiares, por questões de logística, e «completamente sozinho» num país totalmente diferente do seu, o neozelandês admitiu que mesmo tendo sido uma experiência marcante na carreira, pode ter sido uma mudança demasiado precoce.

«Penso que foi um pouco cedo, mas ajudou-me a amadurecer rapidamente. Vivia sozinho com 18 anos e fazia tudo sozinho. Ainda que me tenha ajudado no meu desenvolvimento como pessoa, se olhar para trás, agora, diria que fui para Portugal demasiado cedo. Penso que o principal fator foi viver num país no ponto oposto do globo», explicou.

«Precisas de fazer um voo com duas ou três escalas da Europa para a Nova Zelândia e os meus pais apenas me visitavam nos feriados com vários meses de intervalo, mas na maioria do tempo eu estava só. Foi também um grande choque cultural, mas no final do dia, gostei da experiência», completou.

«O nosso capitão faltou à Champions para estar no Mundial»

Numa realidade completamente antagónica do futebol europeu, o Auckland City é o único clube amador e do seu continente a marcar presença no Mundial de Clubes. Atualmente a representar o conjunto mais forte da Oceânia e campeão de 13 Ligas dos Campeões da região - clubes australianos participam na confederação asiática - David Yoo falou do entusiasmo sentido no plantel.

Formação da Nova Zelândia é a maior vencedora da competição @Instagram - David Yoo

«Há alguns meses viajámos até às Ilhas Salomão e vencemos a Liga dos Campeões. Foi incrível, pois permitiu estar agora nesta competição a competir contra as melhores equipas do mundo. Sabemos que a nossa realidade é muito diferente de qualquer outro clube, pois temos empregos a tempo inteiro e não ganhamos muito dinheiro a jogar futebol» começou por dizer.

Graças à qualificação, a turma da Oceânia prepara-se para receber um autêntico jackpot monetário, a rondar os três milhões de euros, apenas pela participação. Uma verba que parece irrisória quando comparada com as restantes confederações, mas que simboliza uma receita vital para os auckland city boys.

«Muitos somos treinadores em escolas, outros fazem entregas, corretores imobiliários e assim vai. Eu sou professor de futebol numa escola local. Este ano, por exemplo, o nosso capitão Mario Ilich não fez a viagem até às Ilhas Salomão porque não conseguiu folgas suficientes. Só alcançou uma certa quantidade e usou-a para vir aos Estados Unidos participar no Mundial de Clubes da FIFA. Essa é a realidade, não podemos viver apenas do futebol», vincou.

David Yoo segura troféu @Instagram - David Yoo

Ainda assim, estes atletas não são movidos pelo dinheiro ou prémios monetários da competição, mas pelo «sonho de uma vida», em jogar ao lado das estrelas e astros que tanto ouvem falar, mas que agora têm oportunidade de conhecer, mesmo que sejam necessários alguns sacrifícios para estar presente no torneio.

O adjunto Ivan Vicelich confidenciou que sofrerá com as despesas por faltar ao trabalho, tal como Dylan Connolly. De acordo com David Yoo, o defesa trabalha como fisioterapeuta e não receberá qualquer tipo de salário enquanto estiver em competição, uma vez que não terá clientes durante este período.

Esta é a realidade da maioria dos elementos deste grupo. Todavia, o avançado de 25 anos mostrou-se convicto que viver este momento é «um sonho tornado realidade para todos, por defrontar os melhores jogadores do mundo.»

«Di María é uma grande estrela e estou ansioso por jogar com ele»

Com presença regular na competição, o melhor desempenho dos neozelandeses num Mundial de Clubes ocorreu em 2014, com o terceiro lugar alcançado após derrotar o Cruz Azul, nas grandes penalidades, numa partida curiosamente arbitrada pelo português Pedro Proença.

David Yoo e Harry Kane, depois do jogo @Instagram - David Yoo

Ainda que tenha entrado com o pé esquerdo na renovada prova, após uma derrota pesada (10-0) frente ao todo-poderoso Bayern München, David Yoo esclareceu ter total noção das dificuldades em competir no torneio, mas não desvalorizou a presença da sua equipa em campo.

«Perdemos com um resultado pesado, é verdade. Mas a realidade é que esses jogadores treinam todos os dias, são profissionais e ganham muito dinheiro. Nós demos o nosso melhor, estamos a tentar aproveitar cada segundo e merecemos estar aqui também», apontou.

«Obviamente temos algumas emoções mistas com a estreia, mas jogar contra atletas como Harry Kane ou Joshua Kimmich é uma oportunidade única na vida. Chega a ser uma bênção, de certa forma. Temos mais dois jogos pela frente e vamos preparar-nos da melhor forma possível», asseverou.

Com Benfica e Boca Juniors como próximos adversários, o jogador que passou por Portugal não prevê facilidades e deixou rasgados elogios aos encarnados: «O Benfica é um dos melhores clubes da Europa e será um grande desafio. Têm grandes jogadores, tais como Otamendi e Di María, que é uma das grandes estrelas do futebol mundial, que já ganhou tudo. Estou ansioso por jogar com ele.»

Atleta jogou em vários emblemas portugueses @Instagram - David Yoo

Antes de desligar a chamada, David Yoo abordou um possível regresso a Portugal: «Acho que se a oportunidade certa aparecer, pensarei sobre isso. Ainda sigo as equipas que representei e por vezes assisto aos jogos entre as melhores equipas portuguesas. Vivi no Porto, então sigo um pouco mais o clube.»

Ainda que as expetativas não sejam as mais positivas, em termos de resultados desportivos, para a formação orientada por Paul Posa, há algo que ninguém pode roubar à equipa da Nova Zelândia: o sonho de representar o seu continente num torneio mundial e a realidade de jogar lado a lado com estrelas deste apaixonante desporto.

E porque tudo tem o seu começo, David Yoo acredita que com o «holofote apontado não só à Nova Zelândia, mas a toda a Oceânia», esta prova poderá ter «aberto a porta a novas oportunidades» no crescimento do futebol na região.

* por Jorge Ricardo