Rui Garrido Pereira tem 49 anos, é advogado de profissão, e nos últimos dois anos foi uma voz ativa do Boavista no programa do zerozero, '4ª à Grande'. É candidato à presidência do Boavista FC, encabeçando o projeto 'Um Boavista, para todos' às eleições agendadas para 18 de janeiro.
zerozero: Qual foi o principal motivo que o fez o candidatar-se à presidência do Boavista?
Rui Garrido Pereira: O que me motivou a candidatar à presidência do Boavista esteve relacionado com o ‘4ª à Grande’. O Boavista tem vindo a ter bastantes dificuldades e, à medida que fui fazendo os meus comentários, foram aparecendo vários boavisteiros a enviarem-me mensagens e a desafiarem-me. Até que houve um que me disse que eu falava bem, mas não fazia nada e foi nessa altura que comecei a pensar em ajudar o Boavista. A minha carreira de advogado de 20 anos e a rede de contactos que fui criando ajudaram-me. Já nessa altura pensei no projeto-Boavista como um todo, tal como agora. Identifiquei a SAD como a entidade que gere a parte financeira e económica e pensei na forma de trazer retorno para a própria SAD, assim como em alavancar o clube.
RGP: No início confesso que a ideia era encontrar soluções para o Boavista. Mas, a partir do momento em que falei com um primeiro potencial investidor, com quem estive a falar e que me perguntou se eu aceitava ser presidente - se avançassem com a aposta no projeto que eu tinha apresentado -, pensei que era naquilo que me estava a tornar, sem me aperceber: num candidato a presidente do Boavista.
zz: E isso foi há quanto tempo?
RGP: Há ano e meio. Desde aí fui falando com diversas pessoas. Não sei o que vai acontecer no dia 18, mas tem sido extraordinário o caminho até aqui. Conheci pessoas que nunca pensei conhecer, fui a fundo em dossiers que estava longe de conhecer, pela minha função de simples adepto, como sempre fui. A partir desse momento comecei a perceber os problemas que o Boavista tinha e também os ativos. De uma forma mais objetiva. E, fundamentalmente, a conhecer as pessoas.
zz: No meio do olhar para a frente das soluções, qual a maior preocupação que tem no Boavista atual?
RGP: Há várias, mas há duas que me preocupam de forma substancial. O Boavista, acima de tudo, precisa de dinheiro. O Boavista não precisa de um sponsor, precisa de muitos. Não precisa de um financiador, porque o financiador só traz dívida, não acrescenta nada. Precisa de investimento, de pessoas que se interessem pelo projeto, que olhem para o projeto do Boavista, aquele que eu desenvolvi há mais de um ano e que teve um desenvolvimento maior quando passou a ter o envolvimento do Reinaldo Ferreira [candidato a vice-presidente], altura em que o projeto ganhou outra dimensão. O aspeto financeiro é o mais preocupante, ao olhar para o Boavista como um todo. Seja clube, seja SAD.
«As dívidas estão na ordem dos 110 milhões de euros»
zz: Tinha noção das dívidas que clube e SAD teriam?
RGP: Fui ganhando noção.
zz: Estamos a falar de que dimensão?
RGP: Na ordem dos 110 milhões de euros. A SAD tem a dívida global, tem a dívida que já vem de trás, e que tem mais de 20 anos, e acumula com o financiamento, que pensávamos que era investimento do Gerard López. O segundo receio é esta tentativa de separação da SAD e do clube. Incomoda-me muito. A minha candidatura olha para o Boavista como um todo. Sabemos que há diferenças, mas não queremos destacar a SAD do clube.
zz: O cenário de separar clube e SAD, e ter uma nova SAD a começar do zero não é um cenário na sua candidatura? A SAD detida pela empresa 'Jogo Bonito' é que tem o direito desportivo de disputar as provas de futebol profissional.
RGP: Há sempre vários cenários, mas não é essa a nossa ideia. A prioridade, se chegarmos à presidência do clube, é exercer o direito do clube e chegar junto da sua participada e usar o direito dos 10% que o clube tem na SAD, que é ter os dois administradores junto da SAD. É um direito que nunca vai desaparecer.
zz: Mesmo sendo administradores não executivos.
RGP: Sim, mas mantenho inabalável a minha vontade de chegar a presidente da SAD do Boavista, tal como disse na apresentação da minha candidatura. Sei que para atingir esse objetivo tenho de falar com o senhor Gerard López, que é o titular das ações, e falar com o presidente do Conselho de Administração, que é o Fary...
zz: Como vai ser feito esse processo, para chegar a esse patamar?
RGP: De forma natural. É evidente que neste momento quem manda na SAD, por ter 67 por cento das ações, é o senhor Gerard López. Nomeou um Conselho de Administração que é presidido pelo Fary Faye e pretendo falar com o senhor Gerard para perceber quais as necessidades da SAD e de que forma, enquanto presidente do clube, posso ajudar e potenciar a SAD. Se isso passa pela negociação das próprias ações? Sim. Estamos abertos e interessados a falar sobre isso.
«Já estive numa negociação com o Gerard López»
zz: O objetivo da sua candidatura é arranjar investidores que ocupem a posição da 'Jogo Bonito'?
RGP: Seria precipitado da minha parte dizer isso. Por uma razão. Preciso falar primeiro com o senhor Gerard López e perceber as suas intenções.
zz: Já tiveram alguma conversa?
RGP: Já estive numa negociação com o senhor Gerard López. A conversa com ele correu muito bem. O negócio até acabou por não avançar por razões estranhas ao senhor Gerard López. Não foi por vontade dele que as coisas não correram bem. O negócio não se concretizou, apesar de todo o respeito entre as pessoas envolvidas. O que tenho a fazer é voltar a conversar com ele. Quando falámos da primeira vez, eu nem sequer era candidato à presidência. Agora sou candidato.
zz: Neste período de pré-eleições não existiu nenhuma conversa?
RGP: Algumas coisas não posso revelar, faz parte da nossa estratégia. O que estivemos a preparar até agora é a operação e a aproximação que pretendemos fazer ao senhor Gerard López. Estamos a falar da SAD, mas o que mais me preocupa, e onde está o meu foco, é o clube. Sem nunca esquecer a SAD.
zz: É um lado fundamental do clube.
RGP: Como é óbvio. A maior parte dos adeptos, dos sócios, quer saber notícias da SAD.
zz: É o motor do futebol profissional. É através da SAD que o Boavista poderá tentar voltar a inscrever jogadores.
RGP: Obviamente. E é a SAD que tem o slot na I Liga. É por isso que vemos o projeto-Boavista como um todo. É inseparável. A situação é tão séria e tão grave... o clube tem uma dimensão enorme. Às vezes incomoda-me falar tanto tempo da SAD, sem prejuízo de ser o motor - e a palavra é mesmo essa - do projeto. É o que move as pessoas. É o futebol profissional que move os adeptos, semana atrás de semana. É por isso que nas entrevistas falamos sempre da SAD. Mas eu entrei neste projeto a redescobrir a importância e a dimensão do clube. Foi quase como me voltar a apaixonar pelo Boavista, por todas as particularidades do Boavista. Quando avaliamos o que é o Boavista, vemos que a dimensão é brutal. Sou candidato ao Boavista com muito orgulho, sabendo que a SAD é uma parte desse Boavista.
«Estive com nove investidores corporate»
zz: É difícil projetar o futuro do Boavista quando há tantos problemas no presente?
RGP: É desafiante. Não sou insensível aos comentários, às redes sociais, às notícias dos media. Para ser muito claro, reerguer o Boavista é o desafio da minha vida. E acredito que cada pessoa que faz parte da minha candidatura não vê o projeto de outra forma. Dizemos isso pelo privilégio de merecer a confiança dos sócios, mas também pelos problemas graves que o Boavista tem. Numa das reuniões que tive com um dos investidores com quem temos trabalhado, houve uma expressão que não mais me saiu da cabeça: heavy lifting. Significa que é difícil, pesado.
O Boavista vive com muitas dificuldades, muitas cordas, muitas amarras a limitar esse levantamento. Estamos cá para trabalhar. Aproveito para apelar à participação dos sócios. Peço que votem, que participem. É o Boavista que convoca os sócios, não este candidato. Demonstrem o amor, o carinho e a preocupação que sentem pelo Boavista no dia 18 de janeiro. O simples ato de votar prova a preocupação efetiva que têm pelo clube. Não é só andar nas redes sociais e a fazer textos muito bonitos. A criticar ou a elogiar. O sócio demonstra a preocupação e a paixão ao exercer o direito de voto na pessoa que entende.
zz: Falemos mais sobre os investidores: é nesta entrevista que vai revelar os nomes? Quando é que os boavisteiros vão saber quem são os investidores?
RGP: Não vou dizer hoje esses nomes. Hoje vou revelar as parcerias que temos com três entidades internacionais, com as quais vamos ter uma ligação profunda ao longo deste mandato.
zz: Qual é a estratégia para não revelar ainda qual é esse grupo de investidores? Presumimos que são várias pessoas.
RGP: São várias pessoas. Há um ano e meio procurei respostas para viabilizar financeiramente o Boavista. Nunca procurei sponsors, nunca procurei financiadores, procurei sempre investidores. Já disse que estive com nove investidores corporate, investidores que passam nas avaliações que são feitas. A FIFA está a lançar legislação para apertar a fiscalização, e muito bem, e perceber a viabilidade, a seriedade e o compromisso de quem quer investir numa relação com um clube. A minha preocupação foi sempre procurar entidades credíveis. Estive com várias. Várias desistiram dada a montanha dos tais 110 milhões. Ouvi muitos 'nãos', ouvi muita gente interessada e a pedir para saber mais.
zz: Foi procurar e não o contrário.
RGP: Ninguém me procurou. Fui à procura de todos eles. Desenvolvi um projeto financeiro, um projeto desportivo, fiz várias apresentações, várias reuniões, investi muito do meu tempo pessoal. Não apareço nas eleições a dizer que tenho soluções financeiras e depois não digo o nome porque estou a fazer bluff ou a fazer de conta... há pessoas nas redes sociais a dizerem que tenho de dizer o nome, quanto vai investir, quando vai investir e isso não existe. As pessoas não entendem que isto não funciona assim. Temos de procurar os investidores, depois identificar os que estão dispostos a investir rapidamente - 200 milhões, 300 milhões - e avaliar.
Muitas vezes percebemos que estes não são credíveis, vêm com outras ideias. Passei por essas fases todas. Estive com nove investidores sérios e sei disso porque tive o apoio de consultores. É a pessoa que me ajuda em tudo, sem ele não conseguiria chegar a lado nenhum. Refiro-me ao dr. Pedro Laureano, um consultor que tem muita experiência na banca, que não é do Boavista. Esteve ligado em tempos ao Vitória de Setúbal, ao Sporting, até acho que é sportinguista. Falo com ele quase todos os dias e diz-me que agora vê os jogos do Boavista. Foi ele que me abriu estas portas.
«O projeto tem um investimento de 120/140 milhões»
zz: Que tipo de investidores conheceu?
RGP: Um deles era um banco de fomento norte-americano e falei com o sr. Gerard López sobre isso. Foi o dr. Laureano que me trouxe esse conhecimento. É o meu conselheiro financeiro e não fazemos nada sem falar com ele. A primeira conversa não funcionou e agora há um grupo de investidores interessado, já passámos por todas as fases. Documentação, enfim, tudo. O clube tinha metido um PER que foi rejeitado, entretanto foi um PER levantado pela SAD, e construímos um projeto à volta de tudo isto.
zz: Investimento é diferente de financiamento. Estamos a falar de um projeto de investimento global.
RGP: O nosso projeto global cifra-se num investimento de 120/140 milhões de euros.
zz: E abrange que áreas? Clube e SAD?
RGP: Toda a estrutura do clube. Quando falamos de uma verba de 120/140 milhões, as pessoas podem duvidar. Eu falei com vários investidores portugueses, mas não se mostraram seduzidos. Mas os estrangeiros demonstram uma paixão e um apego ao Boavista, à camisola do Boavista, à história do Boavista, que é surpreendente a todos os níveis. Fomos das poucas equipas fundadas por britânicos e esse é um património histórico fantástico.
zz: E foi esse lado que seduziu os investidores estrangeiros?
RGP: Também. O que seduziu os investidores foi a construção de um projeto global. Desenvolvemos um projeto global, onde pretendemos que todas as pessoas tenham um lugar no Boavista e onde o centro seja o Estádio do Bessa. É um estádio com particularidades únicas: está no centro da cidade, está na terceira maior avenida da Europa, temos a sede da Liga muito perto, o centro de formação perto. Depois, no âmbito cultural, temos Serralves e a Casa da Música, temos o Parque da Cidade, temos o Circuito da Boavista...
Quando convidámos este parceiro para visitar o Estádio do Bessa, rapidamente perceberam que era um local que ficava no centro de qualquer ponto de interesse, entre estes que enumerei. Analisaram o estádio por dentro e por fora, traçaram uma conferência e surgiu a expressão que me seduziu muito. Não estamos a falar do Estádio do Bessa, ou do todo que está à volta, mas sim de um Boavista Sports District. A parceria que vamos trazer para o Boavista é só a maior empresa de arquitetura do Mundo, que esteve presente nos últimos Jogos Olímpicos, que é a Gensler. É uma marca de classe e notoriedade mundial e que, para nosso gáudio, quando veio ao Bessa ficou entusiasmadíssima.
zz: É para uma empresa para reformular o estádio?
RGP: Tudo o que está à volta do estádio.
zz: Mas da parte do clube é apenas o estádio. A parte exterior terá de ser a câmara.
RGP: Certo, era isso que ia dizer. Só o facto da Gensler estar neste projeto, faz com que vários players queiram juntar-se. Há várias marcas que vão aparecer a seu tempo e investir. O conceito, propriamente dito, é manter o estádio fechado para dentro, mas com uma zona comercial aberta para fora, em redor de todo o estádio. O conceito passa por transformar o Estádio do Bessa numa arena.
RGP: Sim. A ideia é torná-lo numa arena e não apenas fazer obras. Fazer obras requer financiamento e mais financiamento implica mais dívidas e deixaria de ser um ativo, para ser mais uma dor de cabeça.
zz: No fundo, este investimento da Gensler seria para reformular a parte exterior do estádio, espaços que seriam explorados por essa empresa e o Boavista teria uma parte residual desses lucros, pois a empresa é quem está a fazer o investimento.
RGP: Claro, como é óbvio. O modelo de negócio ainda vai ser definido e apresentado, mas a ideia é mudar a face do Estádio do Bessa e trazer faculdades ao estádio, faculdades que ainda não tem. Nós não tiramos qualquer benefício do estádio. Transformá-lo numa arena com áreas comerciais vai torná-lo num investimento e o investimento tem uma consequência direta que é o retorno. Nós não queremos ter ali um elefante branco.
Vamos potenciar aquilo que é único. Acho que é o estádio onde se vê melhor o futebol em Portugal. A frente de estádio vai ter diferenças, vamos trazer pessoas para a frente do Bessa. A zona traseira vai ser completamente redefinida, a Rua Tenente Valadim. Aí vai surgir uma arena multifunções e por aí vai ser possível circundar para a frente do estádio. É um projeto extraordinário e com certeza vai ser bastante caro... Claro que vamos estudá-lo, apresentar aos sócios. Tem os seus prazos.
zz: Tem mais parceiros em mãos?
RGP: Sim, são duas áreas distintas. O Boavista foi fundado para prestar serviços à comunidade e desde a sua fundação tem cumprido essa função. Nós queremos um Boavista aberto a toda a gente que se relacione com o Boavista. Quero que os sócios voltem ao Bessa e voltem ao Boavista. Vamos ter campanhas de novos sócios, de recuperar antigos sócios. Vamos criar um Conselho Consultivo, que tem por objetivo desafiar sócios a refletirem sobre temas do clube, criando grupos de trabalho para isso. É uma forma clara dos sócios poderem influenciar os destinos do clube.
Queremos criar a Boavista TV. É importante para os sócios acompanharem o dia-a-dia do clube e vamos ainda criar uma aplicação, onde os sócios possam comprar bilhetes, pagar as quotas e vamos fazer isso em parceria com a Blocksport. É uma empresa especializada nesta área de negócio. Outro ponto que é essencial para nós é ter profissionais altamente qualificados. O nosso objetivo não é despedir pessoas, mas sim trazer mais pessoas para trabalhar nas várias modalidades que o Boavista tem, particularmente na nossa formação, não apenas no futebol, mas em todas as modalidades, incluindo no futebol feminino, onde temos um projeto muito ambicioso.
Fizemos uma parceria com um consultor estrangeiro, que é a BAI Capital, e que é uma empresa especialista em estruturas desportivas, traçando o perfil do tipo de pessoas que o Boavista precisa. Outra novidade que posso anunciar é que o meu mandatário, o Litos, será o responsável de toda a formação do Boavista, se nós formos eleitos como direção do Boavista.
zz: Se for eleito presidente do Boavista, qual vai ser a primeira medida que vai querer implementar?
RGP: As primeiras medidas passam por estancar o problema financeiro. Há compromissos em falta, necessidades que são precisas de acautelar e não é apenas dinheiro. A primeira medida é mudar a gestão e entrarmos nós, com a nossa maneira de gerir o clube. Os primeiros meses serão de reestruturação do clube, de forma a torná-lo o mais depressa possível viável. Uma das medidas é ir ter com a Câmara Municipal do Porto, para nos apresentarmos, darmos conta do nosso projeto e ir buscar novamente o Campo do Inatel, que é muito importante, vital para a formação.