João Almeida já soma nove vitórias esta temporada, mais três do que na anterior mais vitoriosa da sua carreira, em 2021, quando ergueu os braços seis vezes. Em 2025, em 39 dias de competição, o português da UAE Emirates enfileirou as conquistas das Voltas ao País Basco (o seu segundo triunfo em corridas por etapas do WorldTour, depois da estreia na Polónia, em 2021), Romandia, e no último domingo, à Suíça. O corredor, de 26 anos, juntou-se ao irlandês Sean Kelly e ao britânico Bradley Wiggins, como os únicos na história da modalidade a ganharem três provas por etapas do principal escalão mundial consecutivamente na mesma temporada. De permeio, venceu ainda seis etapas: uma no Paris-Nice, duas no País Basco e três na Suíça.

- Já tem mais vitórias esta temporada do que em quaisquer das anteriores cinco completas em que competiu no WorldTour. O que é que poderá conquistar mais em 2025?

- Pois, não sei... Boa pergunta. Para já, no Tour terei como objetivo ajudar o Tadej [Pogacar] a vencer. Então, não levo nenhum objetivo de resultado em mente ou será sempre secundário. Depois, na Vuelta, em princípio também vou fazâ-la com o Tadej, mas será uma corrida, se calhar, um pouquinho mais aberta. Então, diria que... um pódio seria um grande resultado. Numa temporada já com muitos dias de competição e com duas grandes Voltas a seguirem-se, creio que um pódio seria um grande resultado.

- Para ambicionar o pódio no Tour, que desde logo seria melhor resultado do que na sua estreia em 2024 [4.º lugar], as circunstâncias de corrida terem lhe ser favoráveis. Ou seja, não podia estar mais exposto do que na edição do ano passado, ao desgaste no apoio a Pogacar. Concorda?

- Sim, exato. Estarei mais ao seu [de Pogacar] trabalho nas montanhas, onde irá necessitar de mim, onde poderei ser-lhe mais útil, e claro, depende das situações de corrida em que terei de protegê-lo e trabalhar para ele. Por isso, é que creio que não faz sentido levar nenhum resultado em mente. O objetivo é ele, é ajudá-lo a vencer outra vez o Tour. Mas com isso até posso projetar-me para vencer uma etapa, até pode ser que consiga fazer um resultado, mas obviamente, é bastante relativo.

- Sendo o Tour a maior corrida do mundo, o facto de competir liberto dessa pressão de resultados agrada-lhe mais, sente-se mais à vontade?

- Creio que é igual. O ano passado já fui com esse objetivo, de ajudar o Tadej. Fui supertranquilo. Obviamente, é essencial apresentar-me na minha melhor forma e depois, em competição, dar tudo pelo Tadej na alta montanha como um dos últimos homens em seu apoio. Mas não vou com pressão de fazer nenhum resultado. Vou relativamente tranquilo e sem pressão.

«A minha forma? É normal...»

- E sente-se na melhor forma? Não só a da temporada, mas a de sempre? Os resultados demonstram-no...

- Para ser sincero, sinto-me normal. Não sinto que esteja num pico de forma... super ou imbatível. Sinto-me bem, como me tenho sentido desde o início da temporada, com boas pernas. Todos temos dias menos bons, mas sinto-me bastante bem.

- Bom, que é que, em si, é um pico de forma imbatível?

- São as alturas em que nos sentimos super, quando tudo o que vier, a gente aguenta. Há dias assim, mas agora sinto-me normal, bem, e esperemos que ainda com bastante margem de progressão. Continuo a evoluir todo os anos. Ou tenho essa pretensão...

- ‘Bastante margem de progressão’, é o que diz?

- Sim, claro, é para isso que trabalho todos os anos, durante toda a temporada. Há sempre o que evoluir.

- Como é que analisa o percurso do Tour e a concorrência? A expectativa é que a Visma esteja mais forte do que em 2024?

- A primeira semana é bastante mais plana do que o habitual. Mas, sinceramente, é uma das piores parte do Tour, porque há muita frescura e bastante atividade no pelotão, muito nervosismo que aumenta os riscos. No geral, eu diria que o primeiro contrarrelógio [n.d.r.: longo, de 33 km, logo à quinta etapa] vai ser importante, certamente fará boas diferenças, mas há muita montanha, muitas etapas duras. Diria que não haverá nada que a montanha não decida mais. De resto, como sempre em todos os Tour.

«Posicionamento? Com boas pernas, é tudo mais fácil»

-Esta temporada temo-lo visto um corredor mais ofensivo, mais presente na frente da corrida nos momentos decisivos. Concorda?

-Sim, mas tudo começa na capacidade física, e quando se tem boas pernas é sempre mais fácil... Acima de tudo, é uma questão de capacidade física no final das corridas. As corridas hoje em dia são muito rápidas, muito duras, e não se está bem-posicionado só por acaso...

- Creio que há sentimento de angústia que oprime o adepto português de ciclismo nos momentos em que a corrida se lança e vê João Almeida demorar a reagir. O que é lhe passa pela cabeça nesses momentos?

- Depende um bocadinho da situação de corrida. Há corridas em que o ritmo vai claramente elevadíssimo, que é complicado estar à frente e responder de pronto. Então, analiso a situação, meto o passo com que acho que consigo apanhá-los. E normalmente o que acontece é que os adversários acabam sempre por explodir e ficar sem pernas antes da meta. Alcanço-os e tento ultrapassá-los. Mas depende um bocadinho da situação de corrida, da subida, do momento da etapa. Mas tentamos sempre fazer as coisas da forma mais eficiente, e melhor. Também depende, obviamente, das pernas que temos, não é?

- Na Volta à Comunidade Valenciana, em que houve um momento em que não conseguiu acompanhar a movimentação do Santiago Buitrago na descida, que foi decisivo para  perder a prova para o colombiano. Retira ensinamentos desses momentos em que as coisas correm mal?

- Há corridas mais táticas do que outras, e às vezes a forma física não é tudo. Às vezes, há situações de corrida que taticamente também são difíceis. E às vezes estamos do outro lado da moeda, nem sempre corre à nossa maneira...

- Conversa com alguma frequência com Tadej Pogacar. Aproveia o privilégio de poder colher ensinamentos daquele que é quase unanimemente considerado o melhor corredor do mundo? E dá-los aos companheiros de equipa mais jovens?

- Sim, é até bastante frequente. Conversamos com os colegas de equipa, o normal. Pessoalmente, também tento sempre ajudar os mais novos, ele [Pogacar] também. Mas, no geral, não há nada de especial. Ele é uma pessoa bastante normal, bastante simpática e disponível.

«António Morgado tem muito futuro»

- O António é um corredor ainda jovem, tem muito para aprender, muito para evoluir, tem muita margem de progressão. Será uma evolução natural e a seu tempo, mas claramente tem mesmo muito potencial e pode ganhar corridas muito boas. Clássicas, até mesmo algumas corridas de uma semana, acho que adequam bastante às suas capacidades. Tem tudo para ter um grande corredor da nova geração. Obviamente ainda há trabalho a fazer, mas como disse, ele também é muito jovem, tem 20 anos ou algo desse género [n.d.r.: tem 21, completados a 28 de janeiro]. Portanto tem muitos, muitos anos à sua frente para aprender e para progredir. É um caminho de longo prazo que tem que ser feito, uma escadaria que se vai subindo aos poucos.

- No início desta entrevista referia-se à participação na Vuelta este ano. Pareceu-me, pelo seu discurso, que já está confirmado internamente na equipa que Tadej Pogacar também lá estará. Confirma essa informação, ainda não oficial?

- Não confirmo. O plano de competições dele [Pogacar] para o resto da temporada ainda estava por confirmar. Também não sei ao certo... Depende de como é que ele se sentiu depois da Volta a França. Mas, independentemente de ele participar ou não na Vuelta, creio que estamos em boa posição de fazer um bom resultado. Essa é a única coisa que está certa, por agora. Portanto, ambas as opções são boas.

«A Vuelta será mais aberta»

- Quando disse, também no início desta entrevista, que a Volta a Espanha seria uma corrida mais aberta, a que é que se referia? Que mesmo com Pogacar na equipa, teria mais liberdade do que, por exemplo, no Tour?

-Suponho que sim, mas ainda estamos muito longe da Vuelta e ainda não pensei nisso, há um Tour para fazer antes. Mas a Vuelta é obviamente uma corrida um bocadinho mais aberta. Mas o que interessa é que seja um corredor da nossa equipa a vencer. Portanto, se for ele, está tudo bem. Estamos sempre a dar a prioridade a quem for mais forte, e ele [Pogacar] é o mais forte.

«Renovação? Sou feliz na equipa»

- Sim, há sempre conversas que são feitas, mas tenho um contrato que vai durar mais este ano e o próximo, mais um ano e meio, portanto, e tudo são ainda possibilidades. O meu foco agora é a Volta a França, portanto não é bem uma altura para ponderar sobre esses assuntos, mas de estar 100% concentrado no Tour... Contudo, sim, posso dizer que sou feliz na equipa e que gosto de estar cá.

- Era a isso que queria chegar. Nesta altura, a sua vontade é de prolongar o contrato?

- Sim, sim, sem dúvida.