No passado dia oito de março, após o triunfo do “seu” SC Braga sobre o “seu” ex-clube, FC Porto, João Moutinho ouviu o seu treinador, Carlos Carvalhal, dizer sobre si: “Não é um caso de estudo, é um jogador que se preserva, que se cuida, que treina sempre muito bem, joga e treina nos limites e a consequência do seu talento mantém-se inalterável. Fez um jogo extraordinário.” Ao longo da sua carreira, Moutinho foi mais consistente do que o motor de um automóvel- por mais esforço que fizesse, nunca gripou.

Formação

Algarvio de gema e influenciado pela família (também com o futebol no sangue), João Moutinho iniciou o seu percurso como aspirante a futebolista no Portimonense, onde se manteve por três épocas até 1999, ano em que se mudou para a capital. Pouco antes, quando estava a disputar o Torneio da Pontinha, o jovem despertou o interesse dos olheiros do Sporting e foi para Alvalade realizar o percurso restante da sua formação.

Cedo se foi tornando numa das maiores promessas do futebol de formação leonino. Um percurso que terminou em beleza, quando em 2004/05, além de ter sido chamado (a meio da época) para a primeira equipa, contribuiu ativamente para a conquista do campeonato nacional de juniores, na equipa orientada por Paulo Bento.

Sporting

João Moutinho fez a sua estreia de leão ao peito a 4 de janeiro de 2005, em Alvalade frente ao Pampilhosa, num encontro a contar para a Taça de Portugal. Mas a contar para a liga portuguesa, a estreia foi em Barcelos, num encontro em que ajudou a sua equipa a vencer os gilistas por três golos sem resposta (Bis de Sá Pinto e cabeçada de Liedson). A sua apresentação oficial às ordens de José Peseiro foi ainda na pré-temporada e aquando da sua estreia, o jovem médio atuou com o número 28 nas costas, que anteriormente era de… Cristiano Ronaldo.

Num balneário recheado de “leões” e de muita qualidade, o jovem médio algarvio conseguiu conquistar um lugar nas preferências do técnico ribatejano, algo muito difícil num meio-campo em que havia Pedro Barbosa, Rochemback, Carlos Martins, Hugo Viana ou Custódio como principais opções. Apesar de ter sido, a par do benfiquista Manuel Fernandes, o jogador revelação do campeonato, terminou essa época sem títulos coletivos, pois a sua equipa perdera a Liga (derrota na Luz) e Taça UEFA (final perdida em Alvalade contra o CSKA Moscovo) na mesma semana.

A verdade é que desde a sua estreia em 2004/05 (a meio da época) até 2006/07, os números que conseguiu e o estatuto que alcançou de leão ao peito foi absolutamente sobrenatural. Além dos primeiros golos (12) e assistências (dez) com a camisola do Sporting, João Moutinho apenas falhou cinco de todos os jogos que os leões realizaram em tal período, particularmente entre 2005/06 e 2006/07, apenas falhou um jogo caseiro com o Beira-Mar a contar para o campeonato (participou em 84 de 85 jogos do Sporting a contar para todas as competições). Um registo do outro mundo para um jovem de 19 e 20 anos, que se tornara o rosto do meio-campo sportinguista e vencera o seu primeiro troféu (Taça de Portugal 2006/07).

O princípio da época 2007/08 marcou o início de numa nova era, não só para o Sporting, mas também para o jovem médio. A Supertaça disputada e vencida frente ao FC Porto, em Leiria, pela margem mínima e com um pontapé no meio da rua de Izmailov, também ficou marcada pela subida na hierarquia na braçadeira dos leões. Com a saída de Custódio e de Ricardo, João Moutinho torna-se primeiro capitão do Sporting a um mês de completar 21 anos. Com este feito, Moutinho tornou-se o mais novo capitão leonino desde Francisco Stromp, desfazendo um recorde que durava há 98 anos. Após toda esta consagração e estatuto alcançado, o jovem capitão leonino alcançara no final da época, a nível coletivo, a sua segunda Taça de Portugal frente ao FC Porto (dois a zero). E foi após todo este princípio de casamento perfeito, que veio a primeira “machadada” na relação entre João Moutinho e o Sporting.

Ainda antes de voltar à titularidade e recuperar a braçadeira leonina na Supertaça 2008/09, que os leões venceram (novamente dois a zero) o FC Porto no Estádio Municipal do Algarve, a pré-época foi conturbada. Assim foi, quando João Moutinho manifestou interesse de abandonar Alvalade e rumar ao estrangeiro. Uma quase provável transferência para o Everton a troco de 14 milhões de euros, tornou-se pública. No entanto, em contrassenso, o negócio entre os leões e os toffees não se concretizou e acaba a renovar com o clube verde e branco até 2014. Embora o desfecho tenha pacificado a situação, a verdade é que a ferida ficou e manifestou-se no Sporting-Sampdoria, em Alvalade para a apresentação da equipa aos associados. João Moutinho não foi titular, mas mal saltou do banco para aquecer, aplausos e assobios (com estes a notarem-se um pouco mais) vieram em simultâneo. O encontro terminou com a vitória do conjunto de Paulo Bento, com dois golos sem qualquer resposta italiana e o (reconciliado) capitão fez o segundo tento, de grande penalidade.

Os tempos que se seguiram à quase transferência e à conquista da Supertaça, foram sendo piores a pouco e pouco e terminaram… em rutura total com os leões. Além da época 2009/10 (e o restante da época 2008/09) ter terminado sem a conquista de qualquer título coletivo, Moutinho perdera Paulo Bento no comando técnico (com quem tinha estado a maioria do seu curto percurso), terminara com os leões num desapontante quarto lugar, a 28 pontos do campeão (Benfica de Jorge Jesus) e não foi chamado por Carlos Queirós para o Mundial 2010.

Após a deceção que foram os últimos dois anos em Alvalade, o então capitão sportinguista teve as suas ações derradeiras para uma mudança na pré-temporada 2010/11. Falou-se em ter forçado a saída do clube e em recusa de treinar com os companheiros, além de um pré-acordo com o rival FC Porto. Toda a novela teve um desfecho, numa conferencia de imprensa realizada pelo então Presidente do Sporting, José Eduardo Bettencourt e diretor desportivo leonino, Costinha. Foram célebres as palavras de Bettencourt: “Não posso ficar indiferente a frases como “Nunca mais quero vestir a camisola do Sporting” e “Estou disponível para comunicar à Comunicação Social que tudo fiz para ir para o FC Porto”” e “Tínhamos um pomar com uma maçã podre”. Terminava uma ligação que durava desde a formação, ao fim de cinco temporadas e meia, o ex-capitão leonino realizou 259 jogos com o verde no corpo, marcou por 32 vezes e assistiu outras 27.

FC Porto

Numa transferência que apanhou o mundo do futebol de surpresa, João Moutinho, então capitão e estrela da equipa, troca o Sporting pelo FC Porto por 11 milhões de euros. Uma transferência das mais polémicas entre clubes portugueses rivais e tal gerou muita expetativa e controvérsia. Mas apesar de tudo, não houve sinais de tal ter afetado o jogador. Moutinho apresentou-se motivado no Olival, às ordens do novo técnico azul e branco, André Villas-Boas. Em julho de 2010, no estádio do Dragão para a apresentação aos sócios, o FC Porto jogou e venceu (por um a zero) o Ajax e o ex-capitão leonino, além de titular, teve direito a novo cântico por parte das claques azuis e brancas: “Tu aqui vais jogaaar, tu aqui vais jogar para ganhar, ser campeão, ser campeão… João Moutinho, João Moutinho, Joãaaaaaoooo Mooouuuutinhoooo!”.

Desde bem cedo e agora no Dragão, que a “maçã podre” mostrou que era especial e muito saborosa. Foi uma pedra vital para os técnicos André Villas-Boas e Vítor Pereira, tanto na contenção como na construção de jogo daquelas equipas dos dragões. Partilhando funções com nomes como Fernando, Guarín, Belluschi, James Rodríguez, Ruben Micael, Defour e mais nomeadamente o “El Comandante” Lucho González, o “maçã podre” formou um dos meios-campos mais recheados de qualidade e produtividade da história do FC Porto e do futebol português.

Ao longo de três épocas na invicta (2010/11 a 2012/13), João Moutinho além de ter sido campeão em todas e ter vencido outros cinco troféus coletivos (uma Liga Europa, uma Taça de Portugal e três Supertaças), somou 140 jogos de camisola azul e branca, marcou por dez vezes e fez 28 assistências. Sendo indiscutível que o melhor conjunto foi a colheita de 2010/11, em que venceu quatro troféus e partilhou balneário com Hulk, Falcao, Álvaro Pereira e companhia, é muito difícil escolher qual das três épocas foi a melhor do médio algarvio com o dragão ao peito.

No seu tempo na invicta, fica mais na memória dos adeptos portistas, o golaço na Luz que iniciou a reviravolta dos dragões na meia-final da Taça de Portugal 2010/11 e o notável tento frente ao Málaga, no estádio do Dragão a contar para a primeira mão dos oitavos de final da Champions League 2012/13. Era difícil aos dragões, naquele período, ter encontrado uma maçã podre mais saborosa do que aquela e que contaminasse mais positivamente o resto do pomar.

AS Mónaco

Após três épocas gloriosas no Dragão, veio o primeiro desafio internacional da carreira. A troco de 25 milhões de euros, João Moutinho troca o FC Porto pelo AS Mónaco. O clube monegasco optara pela construção de uma equipa recheada de “estrelas”, com vista a iniciar um novo ciclo na sua história. Com esse objetivo em mente, além de ter contratado Radamel Falcao, Jérémy Toulalan, Ricardo Carvalho ou James Rodríguez, outra das prioridades era assegurar os serviços do médio internacional português.

Os motivos para o investimento eram mais que óbvios, visto que o médio de 26 anos (à época) além do alto rendimento constante, oferece sempre três coisas à sua equipa: qualidade, resistência e estabilidade na zona do campo onde tudo passa. E claro, se sempre assim tinha sido em Alvalade, no Dragão e com as quinas, não haveria de ser diferente no Stade Louis II.

Além de ter ajudado a sua equipa a qualificar-se sempre para a Champions League do ano seguinte e de ter alcançado uns quartos (2014-15) e umas meias (2016-17) da mesma competição, Moutinho ficou na história dos monegascos principalmente pela conquista da Liga francesa 2016/17. Uma equipa memorável, orientada pelo compatriota Leonardo Jardim, onde além do médio brilhavam outros craques como Bernardo Silva, Falcao, Mbappé, Bakayoko, Lemar, Fabinho, Sidibé, Glik ou Mendy. Como um dos pilares dos Les Rouge et Blanc ao longo de cinco temporadas (2013/14 a 2017/18), João Moutinho realizou 219 jogos, apontou 12 golos e realizou 32 assistências.

Wolves

Apesar do sucesso e estatuto alcançado pelo médio português no Mónaco, uma putativa mudança para Inglaterra e para a Premier é sempre algo aliciante. Um cenário que se tornou realidade no verão de 2018. João Moutinho muda-se para o Wolverhampton por cinco milhões e meio de euros. Num período onde juntamente com quase vinte colegas compatriotas (Rui Patrício, Rúben Neves, Diogo Jota, Nélson Semedo, Ivan Cavaleiro, Pedro Neto, Daniel Podence, José Sá, Fábio Silva, Francisco Trincão, Bruno Jordão, Hélder Costa, Toti Gomes, Rúben Vinagre, Vitinha, Pote, Flávio Cristóvão e Chiquinho) e mais dois técnicos lusos (Nuno Espírito Santo e Bruno Lage), foi dos elementos mais preponderantes da “colónia” portuguesa da Premier League.

Coletivamente, o feito mais memorável terá sido a ida aos quartos de final da Europa League 2019/20, em que a equipa inglesa deixou para trás o Espanyol e o Olympiakos e só caiu os pés do Sevilla (vencedor da prova). Ao serviço dos Wolves durante cinco épocas, o médio realizou 212 jogos, marcou cinco golos e assistiu por 22 vezes.

SC Braga

Terminada a sua estadia no futebol internacional e num quase regresso ao Dragão, que não se realizou, João Moutinho regressou ao futebol português em 2023/24, pela mão do SC Braga. Num meio-campo com a qualidade existente de Zalazar, Vitor Carvalho, Al Musrati ou Pizzi, o já veterano internacional português veio acrescentar qualidade além de experiência ao conjunto bracarense. Um conjunto de atributos que ajudou o SC Braga a conquistar a Taça da Liga 2023/24, em Leiria, numa final ganha nas grandes penalidades (após empate a um golo) frente ao Estoril-Praia e após ter vencido o seu antigo clube (Sporting) quatro dias antes.

Até ao passado jogo de Faro, Moutinho soma 73 encontros pelos arsenalistas, com cinco tentos concretizados e duas assistências para golo.

Seleção portuguesa

Falar do percurso de João Moutinho é algo inacabado, sem falar da sua carreira na seleção nacional. O seu percurso na FPF foi muito preenchido antes da chegada à equipa principal de todos nós. João Moutinho participou num Campeonato da Europa sub-17 (2003 e que venceu), num Campeonato do Mundo sub-17 (2003) e em dois Campeonatos da Europa sub-21 (2006 e 2007).

Estreou-se pelas quinas a 17 de agosto de 2005, num particular frente ao Egito, em São Miguel e que terminou com a vitória por dois a zero. Embora oficialmente tenha sido no Algarve, duas semanas mais tarde e frente à seleção luxemburguesa. Tal como tinha acontecido nos Açores, Luiz Felipe Scolari lançou Moutinho ao intervalo, mas desta vez realizou uma assistência para o segundo golo de Pauleta. O encontro Portugal-Luxemburgo a contar para o apuramento para o Mundial 2006 da Alemanha, terminou com uma goleada de seis a zero. Apesar de não ter ido ao Mundial 2006 (preterido em relação a Deco, Maniche, Tiago e Hugo Viana), a verdade é que, a partir daí, o seu percurso na seleção foi (quase) sempre a subir.

Participou em dois Campeonatos do Mundo (2014 e 2018), em quatro Campeonatos da Europa (2008, 2012, 2016 e 2020) e numa edição da Taça das Confederações (2017). Durante as primeiras três fases finais, o médio foi sempre titular indiscutível, atuando em parceria com nomes como Deco, Petit, Raúl Meireles ou Miguel Veloso. Foi um dos jogadores com mais assistências durante o mesmo período (uma assistência no Euro 2008 e duas no Euro 2012). Enquanto nas últimas quatro atuou mais como “suplente de luxo” num meio-campo muito concorrido, com opções como João Mário, Adrien Silva, Renato Sanches, Bruno Fernandes ou Bernardo Silva. Fica mais memoravelmente aquele passe para Éder na final de França, que terminou no chuto de meia distância do avançado e que deu o primeiro e único Campeonato da Europa para a vitrina portuguesa.

Tendo disputado o seu último encontro pelas quinas em Alvalade, frente à seleção da Chéquia, em junho de 2022 e a contar para a Liga das Nações, João Moutinho conta na sua carreira 188 internacionalizações (146 na Seleção A) e dez golos marcados (sete na Seleção A). Pela equipa principal, só CR7 é mais internacional que João Moutinho.

Perfil de João Moutinho

Os quatro itens principais que melhor caracterizaram o médio ao longo da sua carreira foram: a sua flexibilidade física, a sua inteligência tática, a sua qualidade de passe e a sua interessante técnica.

Sendo um jogador de baixa estatura e pouco forte fisicamente, a sua compensação sempre se verificou pelas suas enormes disponibilidade e agilidade físicas. Foram raras as vezes, durante a sua carreira, em que se viu Moutinho ser substituído. Já para não falar de que raramente esteve inapto para uma convocatória e manteve sempre uma gigantesca entrega ao longo dos 90 minutos (e 120 quando necessário).

Uma entrega que sempre se caracterizou pela sua mobilidade, raça e capacidade de pressão sobre o adversário que porta a bola. Mas Moutinho, sempre se notabilizou mais até pela sua visão de jogo. Um faro tático e capacidade posicional foras do comum, além de uma leitura que lhe permite não só ajudar a construir a partir de trás, como a antecipar-se aos adversários na hora de atacar. Sempre soube jogar em qualquer posição do meio-campo, sempre foi versátil tanto a defender como a atacar e tanto a desarmar como a receber uma bola.

Como qualquer médio centro competente, o algarvio tem uma ótima capacidade de passe. No entanto, como um médio especial que sempre mostrou ser, houve muitas alturas em que chegou a ser sobrenatural a sua organização, distribuição, colocação da bola no colega certo, com passes certeiros e gerência do ritmo de jogo da sua equipa. Quer a cruzar, como a bater bolas paradas ou em jogadas de bola corrida, Moutinho sempre soube tratar bem a bola.

É um criativo não virtuoso, que nunca baixa a cabeça ao desafio. Se costuma dizer-se num avançado ou médio goleador, que a bola sai sempre “redondinha” dos seus pés, sobre João Moutinho pode dizer-se o mesmo no que diz respeito a assistências e último toque na bola. Uma constatação a que se junta outra, a de ser muito difícil tirar-lhe o esférico, de uma condução excelente do mesmo e sempre colado ao pé.

Foi e é, muitas vezes, líder pelo exemplo em campo. Apesar de o remate ter sido sempre o seu defeito e em que sempre foi mais incompleto, a verdade é que nunca lhe faltaram golos bonitos na carreira. Um percurso individual e coletivo que só faz com que tenha lugar cativo na história do futebol português e internacional.