
Numa altura em que a edição 2024/2025 da Liga Portugal está a chegar ao fim, vale a pena lembrar o constante clima de dança das cadeiras vivido no nosso campeonato, simbolizando a efemeridade dos projetos desportivos portugueses. De um total de 18 clubes, apenas Santa Clara, Casa Pia, Estoril e Nacional não mudaram de treinador no decorrer desta temporada e mantiveram a sua confiança em Vasco Matos, João Pereira, Ian Cathro e Tiago Margarido, respetivamente.
Competitivamente, a nossa liga está cada vez mais fraca. Indo para lá já da fraca qualidade exibicional apresentada semanalmente, os nossos maiores clubes abrem um fosso de qualidade individual cada vez maior entre os demais, mas tal não se traduz em melhores desempenhos nem nacionais, nem europeus. Na verdade, até os três grandes começam a perder capacidade para competir com rivais diretos em ranking, como a Holanda: neste ano, o atual campeão português (Sporting) defrontou o atual campeão holandês (PSV), num jogo que terminou empatado, mas em que o Sporting passou por imensas dificuldades, principalmente na primeira parte do desafio.
Ainda mais, o Benfica, que tinha terminado em segundo lugar na época anterior, defrontou o Feyenoord, que vinha de condições semelhantes, num jogo em que o Feyenoord venceu fora de casa por 3-1. Mesmo que colocássemos nesta equação a partida que decidiu a mais recente edição da Eusébio Cup (Benfica 5-0 Feyenoord), estaríamos a enganar-nos a nós próprios se achássemos que um jogo-treino nos coloca mais perto da Eredivisie.
Não obstante, os clubes ditos grandes têm uma base e estrutura, além de grandes fluxos de dinheiro a entrar e a sair dos seus cofres todos os anos, havendo capacidade para suportar fiascos desportivos e investimentos pesados nos mercados numa tentativa de tornar esses mesmos fiascos um acaso e não um hábito.
No entanto, as equipas da classe média e baixa da Liga Portuguesa são forçadas a vencer no imediato: quando não vencem, projetos são cortados a meio e recomeçados prontamente, no desespero de vencer. Quando vencem, os projetos são igualmente cortados a meio, pois uma equipa com maior poderio financeiro (portuguesa ou não) rompe o projeto, como aconteceu com Armando Evangelista em 2022/ 2023.

No geral, não há uma ideia fixa de como se quer jogar à bola, porque isso é secundário. Importa é ganhar e manter-se no mais alto nível da Liga Portugal, de forma a que se possa continuar a sustentar o clube. Não há tempo a perder com sistemas que demorem tempo para colher frutos, cada ponto importa e por isso privilegiam-se treinadores e métodos que casem à primeira vista com o plantel e devido contexto. É também por isto que Filipe Martins foi despedido tão precocemente do Estrela da Amadora, que César Peixoto saiu depois de ter tornado Moreira de Cónegos numa fortaleza e que Vasco Seabra ainda deambula de clube em clube.
O conceito de jogar bem é relativo e subjetivo por si só. Cada clube terá que dar a sua própria definição a este conceito e fixar as suas fundações em staff, treinadores e jogadores que também acreditem nessa ideia, a partir daqui nasce uma identidade. Ainda assim, pode-se ganhar sem jogar bem, mas ninguém constrói uma casa a começar pelo telhado. Pode-se ganhar sem jogar bem, mas vai-se estar muito mais perto da vitória se se jogar bem.
Se eu for operado ao fémur, decerto que não ficarei satisfeito se o cirurgião, no decorrer da operação, me tornar cego de um olho e me amputar um braço, ainda que consiga operar a perna com sucesso. No entanto, ainda ficamos muito surpreendidos quando a seleção nacional (com Fernando Santos ou com Roberto Martínez) não consegue vencer adversários que se equiparem ao seu calibre. Um jogo de futebol é muito mais do que 90 minutos e a história que o resultado final conta, há sempre todo um contexto e um processo que não podem ser ignorados.
Infelizmente, é raro o clube da classe média ou da classe baixa que apara os golpes ao seu treinador em prol de uma ideia maior. Por isso, devem ser enaltecidos os trabalhos de João Pereira, Tiago Margarido e Ian Cathro, bem como as estruturas que o tornaram possíveis, mesmo depois de inícios atribulados.

No entanto, não é justo vilanizar direções e estruturas por priorizarem vitórias no imediato e os meios para tal quando todo o contexto ao seu redor está assim determinado. Com um sistema feito para os grandes continuarem grandes e para os pequenos sobreviverem como podem, não surpreende que a Holanda nos tenha ultrapassado e que a Bélgica já apareça pelo retrovisor.
Urge fazer o que se diz que se vai fazer há anos: centralizar e distribuir o dinheiro… mas não só. A questão da centralização de direitos é um tema importante e delicado, também faz com que a elite do futebol português perca dinheiro em prol do país, e ninguém gosta de perder dinheiro.
Contudo, nenhum clube tentou assumir as rédeas das conversas e negociações deste tema, muito menos o fez a Liga Portugal, que apenas menciona o tema quando as câmeras estão ligadas e aproveita para deixar provocações que têm tanto de ocas como de desnecessárias. Ainda não se conseguiu desenvolver o fio o suficiente sequer para chegar ao ponto que eu queria frisar: não vale a pena centralizar só para colocar um certo à frente de uma promessa eleitoral.
Há que haver critério e determinação para que o dinheiro, após a sua redistribuição, seja usado numa primeira fase para desenvolver infraestruturas de jogo e treino, elevando os níveis desportivos e corporativos dos clubes da primeira divisão. Copiando o trabalho de casa da Eredivisie, urge desenvolver as camadas jovens de cada clube e tornar os negócios mais complicados para clubes que tentem roubar talentos dos outros. Urge também ser mais flexível em questões de calendário para com clubes que disputem competições europeias.
Com a contínua distribuição e circulação de dinheiro, haverá espaço para os clubes financiarem projetos onde se preze o jogo jogado, como aconteceu com o AZ Alkmaar, que glorificou o atual ponta de lança de uma das equipas portuguesas que luta para ser campeã: Vangelis Pavlidis.

Além do mais, a própria valorização da Liga Portugal também faria com que os clubes de divisões inferiores ficassem extra motivados para chegar à primeira divisão.
O cenário que descrevo pode parecer quase apocalíptico, mas não nos esqueçamos que no ano de 2025 ainda há casos de clubes de primeira liga sem dinheiro para pagar salário aos seus trabalhadores e com dívidas à EDP.
Urge fomentar um contexto propício à prática desportiva. Urge realmente querer praticar futebol.