

Quando todos adivinhávamos o dérbi entre o Benfica e o Sporting como o jogo do título, o futebol dentro de campo tratou de adiar todas as decisões para a última jornada, essa sim do festejo. A vantagem conquistada pelos leões foi preciosa e o bicampeonato que escapava há sete décadas foi agarrado com as duas mãos na segunda parte, num jogo que esteve longe de ser uma coroação sem resistência (Sporting 2-0 Vitória SC).
A par da irregularidade na época do Sporting, com múltiplas camadas e vidas dentro da mesma vida, esteve a capacidade de lutar contra as adversidades. Num campeonato sem equipas perfeitas – e longe disso – foram premiadas esta capacidade de resistir a uma onda de lesões sem paralelo na história recente das grandes equipas e o planeamento leonino que conseguiu manter todos os principais destaques da equipa nos mercados de verão e inverno.
Dentro de campo, num Sporting que se agarrou à atitude, como Rui Borges preconizou ainda no início da sua odisseia à Alvalade, quando a qualidade e a consistência faltaram, o último jogo não podia ser um retrato mais fiel desta nova maneira de viver que sucedeu à hegemonia vitoriosa de Ruben Amorim.

O Vitória SC apresentou dificuldades ao Sporting que, apesar de não ter passado grandes sufocos na primeira parte, pouco conseguiu criar. As memórias do jogo com o Gil Vicente são impossíveis de recuperar até pela estratégia adotada pelos vimaranenses. Defensivamente, Luís Freire pegou na base que provocou dificuldades ao Sporting e adaptou-a à sua equipa.
O posicionamento defensivo do Vitória procurava impedir o jogo interior do Sporting num 4-4-2 que bloqueava a ação dos médios por dentro e colocava Beni Mukendi e Tiago Silva a baixar ocasionalmente para a linha defensiva para acompanhar os extremos do Sporting. Com vantagem numérica a controlar Viktor Gyokeres, os defesas do Vitória SC esconderam as suas dificuldades para lidar com situações de campo aberto e conseguiram defender o sueco, pelo menos na primeira etapa.
A solução para o Sporting escapar à teia vitoriana esteve nos corredores onde laterais e extremos dividiam-se no controlo da ação dos alas. Quando o acompanhamento falhou, principalmente porque Gustavo Silva era o responsável pelos saltos na pressão, o Sporting foi capaz de criar situações de 2X1 à largura, mas aí faltou outro acerto na decisão, principalmente a Geny Catamo.

Eduardo Quaresma, pela capacidade de evitar as saídas mais diretas do Vitória SC, foi o destaque dos leões na primeira parte. A equipa de Luís Freire não se inibiu de procurar sair a jogar desde trás, atraindo o Sporting ao meio-campo contrário, para encontrar espaços à frente. Tiago Silva desfilou ações de risco – dos calafrios e erros perigosos à possibilidade de ver o campo aberto é uma ténue linha – e Beni Mukendi, que ainda não se tinha mostrado a este nível em Guimarães, mostrou-se ao melhor nível. Ao longe, parece jogar a uma velocidade inferior e é essa sua maior força, pausando lances, ludibriando adversários e dando conforto a jogar longe da baliza adversária.
Esta estratégia contava muito com Nélson Oliveira para ganhar duelos e Gustavo Silva a explorar as costas do adversário. Nenhum esteve propriamente inspirado – o que explica os poucos lances de perigo do Vitória SC – mas a ressalva a ser feita é a Eduardo Quaresma. Na segunda parte foi mais exuberante na exibição, com conduções a rasgar o campo e aproximações ao ataque, mas a sobriedade defensiva da primeira parte a jogar em antecipação impediu males maiores ao Sporting.

A situação delicada do Sporting ao intervalo podia causar alguma ansiedade inicial, mas o golo relativamente madrugador na segunda etapa deu conforto e, numa altura em que o jogo poderia complicar novamente, o festejo de Viktor Gyokeres colocou as duas mãos sobre a cara e no título. Mais do que uma envolvência coletiva espetacular ou um ajustar da estratégia por parte de Rui Borges, sobressaíram as individualidades (nesse que é o maior mérito do treinador em Alvalade).
Eduardo Quaresma iniciou a jogada de um golo cujo maior construtor não viu qualquer registo pessoal melhorado. A evolução de Zeno Debast a jogar no meio-campo é notória e a qualidade na definição, evitando um remate com o pior pé numa zona com campo de tiro aberto, preferindo temporizar para permitir a Maxi Araújo definir. O belga – melhor em campo, suprindo a ausência de Morten Hjulmand e o baixar de forma de Hidemasa Morita – e o ala uruguaio são, quiçá, os dois jogadores que mais cresceram de influência com Rui Borges.
Não deixa de ter uma grande carga o primeiro golo ter sido de Pedro Gonçalves, a mais dolorosa de todas as lesões pela expectativa criada quanto a um regresso adiado consecutivamente e pela influência do português no jogo leonino. É um dos melhores jogadores em Portugal e só na próxima época se poderá aproximar do nível que mostrou outrora, mas deixou um momento impactante num título que ajudou a construir nas primeiras jornadas, quando era o melhor da Primeira Liga, e que definiu na última. Viktor Gyokeres, num lance com marca de água do sueco, definiu o jogo e lacrimejou. Afinal os extraterrestres, os cyborgs, os sobrenaturais também têm emoções.
