Onde estás tu, velha Juventus? Onde estás, velha senhora dos recordes, imperatriz do Calcio? Senhora de Trapattoni, de Lippi, de Platini, de Baggio, de Buffon e Del Piero, onde estás?
72 títulos oficiais. O clube italiano mais titulado da história e nem é por pequena margem. 36 campeonatos, 15 taças, nove Supertaças. Ninguém em Itália ousou ganhar tanto. A prateleira ainda tem espaço e resistência para aguentar com o peso de duas Champions, uma Taça das Taças, três Taça UEFA ou duas Supertaças Europeias. Mas a Juventus que o Benfica reencontra, esta quarta-feira, já não é a mesma.
A concorrência encurtou distâncias, más decisões foram tomadas e a vecchia signora caiu num mar de problemas, sem braçadeiras e ainda a aprender a nadar. Reerguer-se-á, diz-nos a história. Os tempos atuais são, contudo, difíceis: a Juve não conquista o Scudetto desde 2019/20 e muito dificilmente - para não dizer que é impossível - o fará esta temporada.
Também a Europa lhe perdeu o respeito e desde 2018/19 que a equipa bianconeri não passa dos oitavos de final da Liga dos Campeões. Na época passada, imagine-se, nem sequer participou nas provas europeias.
«A operação Cristiano Ronaldo levou a perdas económicas e de referências técnicas»
Agora com Thiago Motta ao leme, a Juventus teve um arranque promissor na presente temporada, mas os últimos meses têm sido difíceis. Embora a equipa só tenha perdido por três vezes, na Champions com o Stuttgart, na Supertaça com o Milan e, no último fim de semana, com o Napoli para o campeonato, também só ganhou em 12 dos 31 jogos disputados em todas as competições. São 16 empates, o que iguala - segundo o nosso Playmaker - o recorde estabelecido em 1955/56 para o maior número de igualdades nos primeiros 30 jogos da temporada.
Era a única equipa que ainda não tinha perdido na Serie A, antes de tombar em Nápoles. Ainda assim, com apenas um desaire, está no quinto lugar e com 16 pontos de desvantagem para os napolitanos.
«Embora os resultados só tenham piorado mais tarde, parece-me que o momento-chave [para a crise] foi a lesão de Bremer, em Leipzig», disse ao nosso portal o jornalista Nicola Balice, que faz o acompanhamento diário da Juve no emblemático La Stampa, jornal da cidade. «Ainda que esse jogo tenha sido ganho com uma boa exibição, sem ele a Juventus perdeu a peça fundamental para se manter equilibrada. Mas a época é longa e acredito que ainda vão conseguir o objetivo de se apurarem para a Liga dos Campeões», acrescentou.
Os problemas físicos do imponente defesa central brasileiro são apenas uma gota no oceano. Podem até ajudar a explicar as dificuldades de 2024/25, mas nunca as dificuldades de todos os anos recentes. Para essa crise que já leva praticamente metade de uma década, Balice justificou com «um pouco de tudo que tem acontecido à Juventus nos últimos anos» e incluiu... Cristiano Ronaldo.
«A operação Cristiano Ronaldo levou a perdas económicas e de referências técnicas», argumentou. Não sendo diretamente culpa da magnânima contratação do craque português, a realidade é que a Juventus falhou redondamente na capitalização do ativo. «O impacto da Covid-19 impediu o clube de tirar o melhor proveito da era de CR7», disse.
Instabilidade que mata
Os efeitos nefastos provocados pela falta de aproveitamento do fenómeno CR7 e pelo aparecimento de uma pandemia acentuaram-se - acentuam-se? - por uma instabilidade generalizada no projeto transalpino. Vejamos: entre 2011 e 2019, apenas Antonio Conte e Massimiliano Allegri passaram pelo banco de suplentes da vecchia signora. Daí para a frente, nas últimas seis temporadas, Thiago Motta é já o quinto treinador a sentar-se no banco.
«Já existiram três equipas técnicas diferentes desde que Marotta saiu», afirmou Balice, em referência à saída de Giuseppe Marotta do cargo de CEO, em outubro de 2018, para assumir a mesma função no Internazionale. «E desde que Allegri saiu pela primeira vez, a Juventus já está no quarto novo projeto. A temporada sem competições europeias também deixou problemas que ainda são difíceis de resolver», acrescentou o nosso convidado.
At the end of the storm, there's a golden sky, canta a banda Gerry and the Pacemakers. Bem sabemos que esta banda sonora está ligada a um outro colosso do futebol mundial, mas também Balice acredita que depois da tempestade, o céu que aguarda pela Zebre é azul.
«A Juventus está a mudar e vai voltar, aos poucos, a vencer. É bom lembrar que a história do futebol é feita de longos períodos de crise e reconstrução após ciclos vitoriosos. Ninguém venceu por dez anos consecutivos como a Juventus e, dentro de campo, sempre ficaram pelo menos nos quatro melhores. Quando o Inter e o Milan tiveram de reconstruir após ciclos vitoriosos, tiveram crises mais agudas e duradouras», opinou.
«Ronaldo foi um all-in sem efeito»
Antes de mergulhar nas trevas, a Juventus vivia tempos felizes. Finalista da Liga dos Campeões por duas vezes no espaço de três épocas (2014/15 e 2016/17), a formação de Turim em ambos os momentos falhou a conquista do troféu que permanece como a única mancha no legado de Andrea Agnelli como presidente.
O líder bianconeri, que se demitiu em novembro de 2022 na sequência de um escândalo de fraude fiscal, deu o que considerava ser o derradeiro passo para alcançar a orelhuda e investiu na contratação astronómica de Cristiano Ronaldo. Um tudo ou nada que falhou.
«A Liga dos Campeões representa o único objetivo falhado para aquela geração e para a presidência de Andrea Agnelli. A compra de Ronaldo representou um all-in que não teve efeito», disse-nos Balice, que ainda assim não considerou que tenham sido as finais europeias perdidas o gatilho para a queda: «A Juventus ainda tinha de crescer, sim, e as finais foram perdidas, mas aquele grupo ainda ganhou troféus por mais alguns anos.»
De facto, nos primeiros dois anos de Ronaldo, a Juve venceu o Scudetto (2018/19 e 2019/20). Foi também no primeiro ano que mais perto esteve de voltar à final da Champions, mas caiu nos quartos de final. «No primeiro ano foi construída uma super equipa que podia facilmente ter ganho, mas tiveram muitas lesões. Com o Scudetto praticamente ganho no fim da primeira volta, a Juventus chegou aos quartos de final com o Ajax sem força física e quiçá mental», foi-nos dito.
O impacto de quatro épocas de seca
Quartos lugares em 2020/21 e 2021/22, um impensável sétimo posto - fora do apuramento para a Europa - em 2022/23 e uma terceira posição em 2023/24. A Juventus já há muito que não sabe o que é erguer o Scudetto pelas ruas de Turim e, com uma desvantagem de 13 pontos para a liderança, não parece que vá redescobrir a sensação esta época.
Nessas quatro épocas nas quais a vecchia signora venceu apenas duas Coppa Italia e uma Supercoppa, foram gastos cerca de 520 milhões de euros em reforços. Para além da crise interna, em nenhuma dessas temporadas a Juventus conseguiu ir mais longe do que os oitavos de final na Liga dos Campeões e até falhou a edição de 2023/24.
Embora também tenha realizado vendas, naturalmente, é certo que todo este investimento sem o respetivo retorno desportivo desfere o seu golpe nas contas do clube. «O impacto económico não se encontra só no mercado, também porque a Juventus vendeu muito e gerou capitais, para além de ter iniciado um longo processo de redução de custos», disse-nos Nicola Balice.
«Nos anos recentes, o clube pagou pelo efeito da pandemia, que apareceu exatamente quando os gastos estavam no máximo. Depois, quando tentavam retificar a situação, chega outro golpe na forma do apuramento falhado para a Europa. Tudo isto levou a uma série de novos planos que começaram sempre - ou quase sempre - do zero», finalizou.
A Juventus foi vítima de decisões, porventura, erradas e até da Lei de Murphy («se algo pode dar errado, dará»), julgando pelo retrato que Balice nos fez dos últimos anos do clube. O reencontro desta quarta-feira com o Benfica é algo que pode, naturalmente, dar errado para a Juve. Veremos se a lei se confirma.