

A final do Mundial de Clubes entre Paris Saint-Germain e Chelsea, disputada em Nova Jérsia, não foi apenas um choque de ambições ou talentos individuais. Foi, acima de tudo, um manual vivo sobre como a estratégia e o detalhe tático podem anular o génio e a glória acumulada. O Chelsea de Enzo Maresca expôs, com requinte e precisão, as fissuras de um PSG que entrou em campo de salto alto. A goleada por 3-0 explica-se tanto pelos números como pelo posicionamento.
A armadilha de Maresca
Logo desde o apito inicial, o Chelsea assumiu o controlo do jogo com uma organização tática irrepreensível. Defendia num 4-4-2 articulado em bloco médio-alto, onde Enzo Fernández e João Pedro surgiam na primeira linha de pressão. Este encaixe frontal condicionou desde cedo a saída a quatro mais dois do PSG, com Vitinha e João Neves constantemente sufocados. A chave esteve em Reece James, que saltava da linha defensiva para se posicionar como um falso médio, forçando superioridade numérica por dentro e deixando Palmer a formar uma linha de três com João Pedro e Enzo na pressão inicial.
A inteligência dos ‘blues’ na forma como empurravam o PSG para a ala esquerda foi particularmente notável. Pedro Neto descia até à linha defensiva e, com Cucurella a atuar quase como terceiro central, anulavam por completo as tentativas de progressão pela ala de Nuno Mendes. Esta cobertura lateral foi repetidamente eficaz, deixando os parisienses sem solução viável para ligar o jogo. Mesmo as investidas por dentro, onde Dembélé tentou oferecer apoios, foram constantemente bloqueadas por Colwill e Chalobah, atentos e eficazes no momento de saltar à pressão.
Palmer e João Pedro: precisão e destruição
O Chelsea sabia o que queria fazer com bola e executou-o de forma quase clínica. A construção dos ingleses em 3+2 – com Cucurella como terceiro central, Reece James e Caicedo no duplo-pivô e Gusto a dar largura – foi pensada para bater a pressão alta em 4-1-4-1 do PSG. E aqui surgem os detalhes que decidiram o jogo: a qualidade de Robert Sánchez no passe longo, a classe de Colwill na saída e a inteligência posicional de Enzo e Palmer a receber entre linhas.
Foi precisamente nesse espaço entre linhas, explorado com mestria por Palmer, que o Chelsea feriu de morte o PSG. O inglês, depois de uma época discreta, surgiu nas finais como um jogador de decisões: temporizou, rodou, rompeu, definiu. Marcou dois golos praticamente idênticos a partir do corredor direito, sempre explorando o espaço entre Nuno Mendes e Beraldo, e ainda assistiu João Pedro com um passe rasgado que valeu o terceiro. Todos os lances nasciam da mesma origem: recuperação alta ou transição rápida, verticalidade pelo flanco direito e definição sem hesitação.
João Pedro, esse, não foi só golo e assistência. Foi mobilidade, ligação e capacidade para responder aos estímulos de Palmer e Enzo. O brasileiro baralhou completamente a marcação parisiense ao alternar entre falso 9 e apoio, e deixou clara a mais-valia que acrescenta a este Chelsea.
A nulidade parisiense
O PSG, de Luis Enrique, preparava-se para selar uma época histórica. Mas o plano de Maresca colapsou toda a ideia dos franceses. A estrutura assimétrica de saída – com Vitinha como 5 e os centrais a abrirem – foi minada pela marcação individual inglesa: Enzo perseguia Vitinha em todo o campo, Palmer fazia sombra a Nuno Mendes, Pedro Neto cobria Hakimi, e Reece James aparecia como um elemento camaleónico a fechar zonas de criação.
Mesmo as tentativas de bolas longas para fugir à pressão encontraram uma resposta coordenada por Colwill, que se deslocava com coragem para travar Dembélé, e por um Robert Sánchez que assinou talvez o melhor jogo da sua carreira, combinando agilidade entre os postes com uma leitura notável da profundidade.
A primeira parte foi um massacre posicional, físico e psicológico. A defesa do PSG, desprotegida, não soube responder às ruturas constantes. Nuno Mendes foi ultrapassado em dois dos golos, Beraldo expôs-se como um juvenil em contexto sénior. A transição defensiva era inexistente e a equipa parisiense perdeu-se entre a pressa e o desespero.
Segunda parte: contenção e gestão
Ao intervalo, o 3-0 era inequívoco. O PSG tentou reagir, com melhorias posicionais e mais agressividade. Mas cada vez que se aproximava da baliza, Robert Sánchez surgia como uma muralha intransponível. Dembélé, Vitinha e Kvaratskhelia tentaram furar, mas faltava o critério e sobrava nervosismo. João Neves acabaria por ser expulso já perto do fim, num gesto de frustração que simbolizou bem o colapso emocional da formação francesa.
Maresca, por seu lado, geriu os tempos. Fez recuar as linhas, desacelerou, e explorou os duelos, empurrando o jogo para zonas onde o Chelsea era mais confortável. Liam Delap ainda teve duas boas ocasiões, ambas negadas por Donnarumma, mas o essencial já estava feito: vitória selada pela primeira parte e consolidada pela coesão defensiva na segunda.
Epílogo: mais do que um título
Esta não foi apenas uma vitória surpreendente. Foi um triunfo tático, desenhado ao pormenor e executado com rigor. Enzo Maresca mostrou uma elasticidade notável no modelo, adaptando-se ao adversário sem trair a identidade da sua equipa. Cole Palmer confirmou-se como jogador de decisões. João Pedro chegou para conquistar. E Robert Sánchez selou com luva firme um título mundial que ele próprio ajudou a construir.
O PSG, que se preparava para completar uma época histórica com o sétimo troféu, saiu derrotado por um plano que lhe retirou algumas certezas. O futebol, tantas vezes decidido por momentos, foi aqui resolvido por ideias. E o Chelsea, tantas vezes outsider, voltou a mostrar que, em finais, não basta ter a melhor equipa. É preciso saber como a fazer cair.