A Fundação Mendes Gonçalves nasceu hoje, na Golegã, pela mão do fundador da Casa Mendes Gonçalves, a empresa dona de marcas como a Paladin. Carlos Mendes Gonçalves doou as suas ações na empresa da família à fundação que criou para cumprir o seu sonho de desenvolver um modelo inovador de filantropia comunitária ou de proximidade.

A nova fundação será independente da atividade da empresa, mas ainda assim, inicialmente, irá retirar boa parte do seu financiamento da mesma. A instituição vai atuar em três áreas: na educação, na regeneração e na relação entre nutrição, estilos de vida e bem-estar. Na inauguração oficial, hoje ao final do dia, serão celebrados dois acordos de colaboração com outras fundações, numa cerimónia que contará com uma mensagem do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. O encerramento do evento será feito pelo ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre.

Tiago Pereira foi o gestor escolhido para CEO e tem a seu cargo a missão de levar a cabo o programa da fundação. Em entrevista à Forbes Portugal, o responsável explica melhor qual o modelo de atuação da instituição.

A Fundação Mendes Gonçalves nasceu com a missão de criar um modelo inovador em Portugal. Qual é esse modelo, e quem pretendem apoiar?

Penso que a base mais inovadora advém, exatamente, da procura da concretização da intenção e sonho do fundador. A Fundação Mendes Gonçalves nasce da vontade de Carlos Mendes Gonçalves manter o legado do grupo empresarial e o seu impacto na comunidade da Golegã e da região ao redor. Nesse sentido, o fundador vai doar a sua quota à Fundação, que passa a ser detentora da empresa, um modelo de fundação pouco comum em Portugal.

“É pela via da co-criação e da inspiração que queremos impactar outros territórios a fazer o mesmo. A nossa matriz passa por promover mudanças em todo o mundo”, diz Tiago Pereira.

Outra dimensão inovadora tem que ver com o facto de surgir com a visão e intenção de revitalizar o conceito de filantropia de proximidade ou comunitária. É uma Fundação que surge para realizar ação e não apenas para apoiar outros para realizarem ações. Evidentemente, uma parte do trabalho resultará, também, do apoio a outras entidades e organizações, mas queremos dinamizar ações dentro da comunidade, na Golegã e na região. Tentaremos sempre fazê-lo em co-criação e colaboração com outras regiões e outras comunidades, procurando expandir o impacto. Quando não possível, tentaremos documentar o que está a ser feito, no sentido de poder ser transferido, adaptado, escalado para outros territórios, no futuro. Deste modo, estamos a afirmar a ideia “Da Golegã para o mundo”.

Teremos três programas, com foco prioritário, mas transversais a todas as pessoas de todas as idades. O programa “Educar” está centrado na educação de qualidade nos primeiros mil dias e primeira infância, e integra o projeto do Centro Educativo que vamos construir. O programa “Nutrir” cruza nutrição com estilos de vida e bem-estar. O programa “Regenerar” surge focado na agricultura e nos modos de produção e consumo regenerativos, e em todas as etapas do processo, desde a produção até ao consumo. É pela via da co-criação e da inspiração que queremos impactar outros territórios a fazer o mesmo. A nossa matriz passa por promover mudanças em todo o mundo.

Como enfrentou este desafio de liderar a nova fundação? No fundo, de que forma se identificou com o projeto?

Foi um daqueles acasos felizes da vida. Eu nasci e cresci muito perto da Golegã, numa aldeia – Lapas – do concelho vizinho, Torres Novas. Há esta dimensão pessoal de um certo regressar a um território que não me é desconhecido, de pessoas e relações de um outro momento da minha vida. Mas como é que eu cheguei aqui? Conheci o fundador, que se identificou comigo, com os meus valores, pensamento, reflexão e ambição na forma de olhar e pensar a sociedade. Numa primeira fase, convidou-me para contribuir e colaborar no desenho do que poderia ser a Fundação. Nesse processo, falei e falámos, em equipa, com muitas pessoas: com ele, várias vezes, com quem estava à volta na Casa Mendes Gonçalves e com parceiros, amigos e pessoas da comunidade. Em conjunto com outras pessoas, contribuí para o plano estratégico da fundação e acabei por apaixonar-me pelo projeto.

“Sou um apaixonado pela psicologia, enquanto ciência que estuda a forma como nos comportamos, como tomamos decisões e, de certa forma, como aquilo que está ao nosso redor influencia a forma como nos desenvolvemos”, afirma o CEO.

Depois, veio o convite para ser CEO e para esta mudança que acabo por fazer na minha vida profissional quando comecei em janeiro último. Hoje, olhando com alguma distância para a decisão tomada no final do ano passado, é algo que me faz muito sentido num caminho de desenvolvimento pessoal e profissional, pois tem um alinhamento muito grande com aquilo que são os valores com que me identifico, procuro defender e em que me revejo. A fundação vai contribuir para um conjunto de mudanças e transformações, que só se podem conseguir generalizar através da mudança nas próprias políticas públicas e esse é, também, um foco de interesse muito grande.

Sendo Psicólogo e especialista nas áreas de liderança, comunicação, gestão organizacional e políticas públicas, de que forma vai pôr ao serviço público esta sua experiência?

Sou um apaixonado pela psicologia, enquanto ciência que estuda a forma como nos comportamos, como tomamos decisões e, de certa forma, como aquilo que está ao nosso redor influencia a forma como nos desenvolvemos. Isto vem muito da minha história, de ter crescido numa pequena aldeia, entre um grupo de pessoas expostas mais ou menos aos mesmos estímulos, às mesmas realidades, mas que, apesar de tudo, tinham gostos e interesses diferentes. Sempre quis compreender essa dimensão e utilizar este conhecimento como uma ferramenta para a construção de contextos mais promotores de desenvolvimento e possibilidades de bem-estar para todos.

“No fundo, procurarei, com empenho, compromisso, sentido de responsabilidade, mas também paixão, trazer tudo isto para a fundação, mas sobretudo «intencionalizar» as dimensões da advocacia, transferência de conhecimento e da literacia, refere Tiago Pereira.

Este é o meu interesse na psicologia e foi assim que, no princípio da minha atividade profissional, além do trabalho enquanto docente do Ensino Superior, desenhei e coordenei projetos de intervenção social e comunitária. Depois, na Ordem dos Psicólogos Portugueses, trilhei um caminho de alguma liderança, como COO, primeiro, e diretor com funções executivas – um lado mais institucional, com muito contacto com decisores políticos, ao nível ministerial, fundações e associações, e também de representação a nível internacional. No fundo, procurarei, com empenho, compromisso, sentido de responsabilidade, mas também paixão, trazer tudo isto para a fundação, mas sobretudo “intencionalizar” as dimensões da advocacia, transferência de conhecimento e da literacia.

E que aprendizagem pensa que poderá retirar neste novo cargo, em termos pessoais? Ou seja, de que forma este cargo o enriquecerá enquanto pessoa?

Vou aprender muito, num contexto e enquadramento novo e através do relacionamento com pessoas que estão nestes contextos há muitos anos. Mas tenho também a ambição de contribuir com uma visão nova, fresca, a partir de uma fundação também ela nova, que vai contribuir para o ecossistema das próprias fundações, particularmente na linha da filantropia de proximidade, que é uma ideia menos desenvolvida do que poderia (e eventualmente deveria estar). As grandes fundações estão, essencialmente, nas grandes cidades e no litoral. Perdeu-se um pouco esta filantropia de proximidade, que nós queremos recuperar, promovendo novas formas de inovar e de co-construir a partir de uma comunidade.

Quais são os objetivos mais imediatos da fundação?

No programa “Educar”, vamos avançar com o projeto do Centro Educativo. Neste momento, estamos em projeto de especialidades e vamos iniciar os processos de licenciamento, estando já a trabalhar com Ministério da Educação, Ciência e Inovação e Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Vamos também desenvolver um projeto com a Fundação Aga Khan e com a Fundação Jerónimo Martins para testar aquilo que pode ser uma política pública de apoio ao trabalho de amas. O objetivo é formar e acompanhar um conjunto de pessoas, que se pode inscrever para se tornarem amas formais, para reforçar uma oferta de cuidado e educação de qualidade dos 0 aos três anos.

“Vamos também desenvolver um projeto com a Fundação Aga Khan e com a Fundação Jerónimo Martins para testar aquilo que pode ser uma política pública de apoio ao trabalho de amas”, diz o CEO da nova fundação.

No programa “Regenerar”, está em curso um ciclo de debates a partir de um acordo que temos para passar o documentário Common Ground, em Portugal, que fala sobre a cultura regenerativa. Estamos a criar um ecossistema por via desse trabalho, com um conjunto de instituições, particularmente com a Nova Medical School e o INIAV, IP. Teremos ainda um projeto específico de literacia ecológica e de criação de hortas regenerativas que queremos testar em escolas públicas.

No programa “Nutrir”, estamos a desenhar um projeto de investigação que vai estudar o aporte nutricional do que vai ser produzido nesta proposta de agricultura regenerativa. Além disso, temos em curso um projeto que vai apoiar a conceção de espaços alimentares, particularmente dos zero aos três anos, porque sabemos que a relação com a alimentação começa e tem um peso importante nessas idades e forma-se a partir destas idades. Muitas vezes, esses espaços são descuidados e pode haver aí uma melhoria com impacto significativo e para toda a vida.

Qual é o seu modelo de financiamento? Será apenas através da atividade empresarial da Mendes Gonçalves, ou tem outras formas previstas de obter fundos?

A fundação foi capitalizada pelo fundador, que doou a verba inicial. Temos um primeiro orçamento para este ano – um ano zero – que emana do que a Casa Mendes Gonçalves atribuiu à fundação. Mas, a partir de 2026, o orçamento vai ser constituído por três partes: uma que resulta daquilo que é o retorno que a Casa Mendes Gonçalves consegue atingir no ano anterior e, portanto, da quota da fundação, que pode ser complementada por mais uma verba proveniente da Casa Mendes Gonçalves e, por último, a atividade da própria fundação, que estará em consórcios e projetos com outras fundações e associações. Ao liderar ou participar algumas candidaturas, será ainda possível ter mais músculo financeiro para termos mais ação. No futuro, com a construção do Centro Educativo e a ambicionada integração na rede pública, há também recursos que vão resultar dessa resposta que vamos proporcionar. Não quero chamar receitas próprias, mas verbas que advêm dessa dimensão.

Ainda este ano, vamos integrar a fundação na rede nacional e europeia de fundações. Além disso, iremos definir o regulamento de apoios para estarmos envolvidos em mais projetos e financiarmos outros, com regra claras e para todos compreensíveis e rastreáveis.

Como vê o crescimento desta fundação nos próximos cinco anos e qual a sua ambição para este projecto a longo prazo?

A Fundação vai ter um crescimento muito significativo, creio, porque aparece como uma novidade no quadro das fundações, com um plano um pouco diferente do habitual e isso está a gerar um enorme interesse e várias oportunidades de colaboração. Aspiramos a que este modelo se torne um modelo possível para outros grupos e empresas, nomeadamente familiares, quando pensam o futuro e a continuidade e vamos iniciar imediatamente o nosso trabalho. Ou seja, isto não é apenas um lançamento. Já estamos a trabalhar em várias frentes, de forma sustentada e com toda a capacidade de no fim de 2025 apresentarmos um primeiro relatório de atividades. No próximo ano, organizaremos a primeira edição de um evento no âmbito da regeneração, previsto de dois em dois anos por altura do aniversário da fundação, com projetos de todo o mundo. Queremos começar a agir pelo futuro de todos e a cumprir a nossa missão de “Nutrir Futuros, Regenerar Legados”, da Golegã para o mundo.