Publicado este mês pela Suma de Letras, 'Crescer à sombra' é a estreia no romance da compositora, produtora e letrista portuguesa, que já anteriormente fizera incursões na literatura infantil e num livro de sonhos.

A vontade de escrever um romance vem de longe, desde os tempos de adolescência, em que escrevia contos, mas à medida que foi enveredando pela música, esse ímpeto "ficou restrito à escrita de letras de canções, portanto, das histórias mais pequeninas, contadas de uma forma mais breve", relatou a autora, em entrevista à agência Lusa.

No entanto, o sonho do romance não cessou de a acossar e inscreveu-se numa pós-graduação em escrita de ficção, que lhe forneceu as ferramentas necessárias para o tornar realidade, sobretudo depois de ter sido desafiada por um professor a fazê-lo.

O romance tem como protagonista Marta, uma rapariga de nove anos, que é uma espécie de alter ego da escritora, que detesta a escola, mas que cresce livre, no campo, com uma infância marcada pela presença da família, em particular dos avós, e pelas relações difíceis com a irmã, com os miúdos da sua idade e com as transformações do corpo a entrar na puberdade.

'Crescer à sombra' está dividido em 34 capítulos, cada um centrado num episódio da sua vida, e apesar de se perceber o invisível fio condutor que liga todas as histórias, estas funcionam quase de forma independente, como pequenos contos.

A autora conta que quando começou a escrever tinha "rascunhos de uma data de episódios", de histórias que viveu, ou vividas por pessoas perto de si, a que assistiu.

"Há episódios que nos marcam, há histórias, há pessoas que nos marcam, e a memória, pelo menos no meu caso, e acredito que também aconteça com muita gente, aquilo que recordamos da infância, acaba por ser [em] episódios. Portanto, quando comecei a escrever, de repente, fez-me sentido passar também essa sensação. Ou seja, não é uma história com um enredo que vai do início ao fim para chegar a uma grande conclusão, mas, no fundo, crescer é um bocadinho assim, é feito de inúmeros episódios que nos dizem determinado tipo de coisas e nos marcam de uma ou de outra forma".

Para Rita Redshoes, no entanto, mais do que um livro sobre memória, é sobre reviver a infância, através da construção de uma criança de nove anos "a ver o mundo, com toda a perplexidade que pode ter".

"Esta personagem [Marta] é um bocadinho madura demais para a sua idade, e é extremamente sensível, portanto acaba por ter uma ligação às pessoas que estão à volta dela, e às histórias, muito atenta, não é, por isso, simplesmente a criança que procura só brincar, e comer doces. [É uma criança] que se autoquestiona muito e tem esta perplexidade sobre o que é a vida, e lida também com a perda, com a morte".

Apesar de ser o livro ser uma autoficção, Rita Redshoes admite que a maior parte das histórias são reais, apenas "apimentadas" em alguns episódios.

"Eu acho que, por acaso, tive uma infância animada, para o bem e para o mal, portanto passei sempre uma data de peripécias interessantes, com personagens à volta interessantes, que me inspiraram muito, e que fizeram também olhar para a vida de uma forma curiosa", justificou.

O maior desafio que enfrentou "foi como tornar esta história, estes episódios e esta personagem consistentes para dar o tamanho do romance".

"Tinha sempre escrito coisas mais curtas e, portanto, como estender a narrativa de uma forma que não seja propriamente só a preencher e a escrever carateres para fazer número, mas para contar mais alguma coisa, para acrescentar mais alguma coisa, esse talvez tenha sido inicialmente o meu maior desafio", admitiu.

Mas a dada altura, as personagens tornaram-se tão reais para ela, que a ajudaram a superar essa dificuldade, acrescentou.

Sobre a escolha do título, "Crescer à sombra", Rita Redshoes conta que procurou fazer uma "conjugação" entre a personalidade de Marta, com os seus traços mais sombrios, e o seu processo de crescimento ligado à natureza.

"A Marta é uma criança com todos os pontos positivos de ser criança, que são muitos, mas é uma criança que relativamente cedo, para a idade que tem, é atormentada por questões mais adultas, mais existenciais. E depois também há, obviamente, esta analogia à questão do campo, de ela crescer no campo, portanto, da sombra, do descanso, do calor".

Para o futuro, ficou-lhe a vontade de escrever mais, porque além do "prazer de escrever um romance", foi "um processo também de autodescoberta muito grande".

"Depois, sinto que a Marta tem ainda mais coisas para me dizer, se calhar para dizer às pessoas. Portanto, não sei se será na voz da Marta ou não, mas sinto alguma necessidade de contar um bocadinho mais da vida dela, talvez um bocadinho mais crescida".

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