Oceanos, mares, rios – sabemos que a água é uma fonte de vida, mas conhecemos realmente o que se passa no mundo subaquático?

O MARE vai instalar uma sonda multiparamétrica, numa bóia perto de Tróia, para monitorizar o estuário do Sado continuamente, com dados atualizados de 15 em 15 minutos, através do projeto CoastNet 2030.

No auditório do ICNF, em Setúbal, cerca de 30 pessoas reuniram-se para conhecer a nova fase de um projeto que observa e escuta o estuário do Tejo: CoastNet 2030. Uma parceria científica entre o MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, das Universidades de Lisboa e Évora, com o objetivo de conhecer, monitorizar e proteger os ecossistemas costeiros e marinhos portugueses com informação acessivel a todos.

“Estes dados não podem ficar em gavetas. São um bem público”, frisou Helena Adão, da Universidade de Évora, representando a direção do MARE.

O CoastNet veio mudar a forma como se investiga. Sondas que recolhem dados a cada 15 minutos, é algo inédito e “raro”, ao contrário do que acontece em terra onde é mais fácil ter uma recolha de dados contínua, explica José Lino Costa, investigador do MARE.

O evento contou com a presença do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), Agência do Ambiente, Instituto Hidrográfico, Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS) e Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

CoastNet – Dados a tempo inteiro

Apresentado por José Lino Costa e Ana Brito, investigadores do MARE-ULisboa, o CoastNet é uma infraestrutura de monitorização marinha iniciada em 2017. Com o novo financiamento do programa MAR2030, entra agora numa fase de expansão tecnológica e territorial.

Um dos objetivos do projeto é “realizar na costa portuguesa observações e medições, quer de forma remota, quer no terreno, e predominantemente contínuo” com recurso a sensores em bóias, recetores acústicos em animais e no meio subaquatico e medições por satélite. O dados que resultam destas observações são públicos e acessíveis através do Geoportal, a plataforma digital do projeto.

Através dos sensores é possível recolher dados contínuos sobre a temperatura, oxigénio, pH, clorofila e salinidade. Isto permite “criar índices ambientais como o índice de upwelling que mede a “ação dos ventos e das correntes”. Esta ação faz as “águas do fundo acederem à superficie e, por causa disso, vai provocar maior produtividade”. “Essa produtividade é boa para alimentar os animais, os peixes”, explica José Lino Costa.

Outra inovação do projeto é a Rede Portuguesa de Recetores de Biotelemetria Aquática. “Nós queremos saber o que acontece com os animais, sobretudo os peixes. Queremos saber se o peixe está num ponto do estuário e se vai para o rio ou para o mar. E agora conseguimos finalmente saber isso”, explicou Costa. “Sabemos se migram, para onde vão, se voltam. Para fazer isto é instalado um recetor acustico “dentro ou fora dos peixes” e recetores no meio aquático que vão indicar os locais de passagem dos peixes.

A utilização de hidrofones (microfones subaquáticos) é outra forma para seguir os movimentos de espécies marinhas. “É extraordinário juntar isto com os dados dos paramentros ambientais. Conseguimos perceber onde o animal está a passar e se a temperatura mudou, se a salinidade mudou.”, explicou Costa. “Sabemos se migram, para onde vão, se voltam”.

CoastNet 2030: uma nova fase, novos desafios

A nova fase do projeto amplia a rede de monitorização do Tejo, Mondego e Mira até ao estuário do Sado. O plano? Instalar até 2026 três boias com sondas. A primeira será colocada pelo MARE, perto de Tróia, e equipada com uma sonda. Esta nova fase significa estudar e caracterizar mais áreas marinhas protegidas, emitir alertas de ondas de calor subaquáticas, e ter acesso a toda a informação atualizada em qualquer momento e ao longo do tempo.

Uma nova aquisição destacada foi a de um radiómetro, instrumento que permite validar os ambientais dos satélites com medições diretas à saída da água — um passo essencial para garantir a veracidade das observações.

O estuário do Sado mais próximo

Do auditório para a embarcação “Maravilha do Sado”, a demonstração prática mostrou como a tecnologia desvenda segredos subaquáticos. Enquanto a embarcação se equilibrava nas águas, a equipa do MARE mergulhou a sonda (que será instalada na bóia) na corrente. Em segundos, o computador a bordo começou a mostrar “gráficos em tempo real”: temperatura, salinidade, oxigénio, pH, clorofila e turbidez – números que contam a história invisível da água.

Caso o investigador esteja debaixo de água, pode usar o logger, para aceder aos dados da sonda. Os dados são transmitidos via rede telemóvel para o Geoportal do projeto, disponibilizando-se quase instantaneamente.

“O estuário do Sado é muito salgado”, destacou Ana Brito, enquanto os gráficos no computador mostravam flutuações na temperatura e salinidade. “Tem uma influência muito grande da zona costeira, e uma influência pequenina do rio”.

Uma única medição é como uma fotografia, um fluxo contínuo de dados é um filme. E o enredo é crucial, Ana Brito dá o exemplo das ondas de calor e “ as subidas de temperatura” que “altera bastante o ciclo de reprodução dos animais”.

Ligação entre ciência e sociedade

“Estas iniciativas ajudam-nos a medir o nosso impacto e a criar soluções equilibradas entre desenvolvimento e conservação”, reforçou Isabel Moura Ramos, da APSS.

O CoastNet também apoia diretivas nacionais e europeias, como a Diretiva Quadro da Água e a Estratégia Marinha. Representantes do IPMA mencionam a importância destes dados para ambas as diretivas, “em que Portugal tem de avaliar o bom estado ambiental das águas” e que vai permitir que o país “responda melhor”.

“Atualmente só fazemos seis amostragens por ano (no terreno) para avaliar a qualidade da água. Isso não é nada. Agora, com dados contínuos, percebemos a variação temporal real”, explicou Ana Brito.

A equipa destacou ainda que, se os dados servirem propósitos de defesa nacional, o financiamento poderá ser reforçado.

Várias das entidades afirmam que, apesar de realizarem monitorizações pontuais, não existia esta capacidade de receber dados contínuos, e reveleram como lhes podem ser uteis na prática. Do setor das energias renováveis “são dados base que conseguimos cruzar com os de mamiferos marinhos, comunidades de peixes, e perceber o que está a acontecer no ecossistema”.

Para o ICNF os dados são esenciais para a toma a de decisões já a APA, destacou como a monitorização contínua “ajuda a fundamentar estudos, novas política e caracterizar o estado ambiente”.

O Instituto Hidrográfico e a APSS (Portos de Setúbal e Sesimbra) enalteceram a parceria e partilha destes dados: “Só conseguimos comprender e falar sobre alterações climáticas se tivermos esta série de dados”. “Medimos o nosso impacto e agimos em consequência.”

Os peixes cantam – e os pescadores sabem disso

Se há algo que distingue este projeto, é a capacidade de ouvir o oceano — literalmente. O CoastNet recorre a hidrofones (microfones subaquáticos) para captar sons subaquáticos, desde o tráfego marítimo ao canto de peixes como a corvina real ou o Charroco, cada espécie com um som específico. “O som pode ser uma ótima forma para nos dizer que temos ali peixes.”, diz José Lino Costa.

Ouvir os peixes, uma prática bem conhecida dos pescadores. Em barcos tradicionais “feitos de madeira”, se encostarmos o ouvido “conseguimos ouvir o que está debaixo de água”. “O som é transmitido pelo barco” incluindo “o som do peixe que está lá em baixo a cantar, a Corvinata Real”.

“Todos os dias, ao por do sol, agregam-se e começam a fazer um coro. Neste caso em especifico quase que parece um helicoptero”. É dos sons mais poderosos (da corvina) que existem na natureza, podendo sobrepor-se ao ruido dos barcos”.

Segundo Ana Brito os pescadores “são potênciais utilizadores” dos dados e infrastuturas de monitorização”. “Há sempre diálogo a ser promovido”.

Esta “música” não é apenas curiosidade: é sinal de presença e atividade. Em estudos com charrocos, a equipa verificou que machos incapazes de cantar não se reproduzem.

Os dados recolhidos através do hidrofone também vai ajudar a criar índices de ruído submarino, essenciais para avaliar o impacto da atividade humana – como tráfego marítimo – nos ecossistemas.

O futuro da investigação

De volta ao cais, a mensagem era clara: Com sensores, boias, hidrofones e dados, o Coast Net aproxima-nos de um oceano vivo, dinâmico e sensível. Um oceano onde cada peixe tem um percurso, cada som conta uma história, e cada dado pode fazer a diferença entre o risco e a proteção.