
Segundo informação da Agência Portuguesa do Ambiente, no passado dia 21 de março, as seis principais albufeiras do Algarve retinham um volume de água correspondente a 80% da capacidade total de armazenamento. Embora o caso da barragem da Bravura e do Arade, no Barlavento algarvio, ainda se encontrasse com níveis inferiores a 60%, a recuperação face ao passado recente é impressionante.
As albufeiras algarvias têm mais 199 hm3 de água do que no ano passado, o que corresponde a mais do dobro da quantidade de água que tinham há um ano (+125%; em março de 2024, estas albufeiras tinham 159 hm3 de água). Trata-se de excelentes notícias para a região e uma oportunidade para refletir seriamente sobre as enormes dificuldades vividas e compreender a urgência de agir para preparar o futuro.
Apesar de Portugal atravessar atualmente um período de forte precipitação, com as barragens perto da sua capacidade máxima (neste momento, não vou comentar aqueles que diziam, e dizem, que as barragens não fazem falta porque não chove…), não nos podemos iludir face a um cenário estrutural de gradual escassez e distribuição desigual, temporal e territorial, da água.
Na nossa geografia, não ter uma estratégia definida para garantir um uso sustentável do recurso "água" é um crime. Por isso, foi com grande entusiasmo que assisti à apresentação da Estratégia "Água que Une", no passado dia 9 de março, em Coimbra.
Esta estratégia partiu de um despacho ministerial conjunto do gabinete da ministra do Ambiente e Energia e do gabinete do ministro da Agricultura e Pescas, que criou um grupo de trabalho constituído por Águas de Portugal, Agência Portuguesa do Ambiente, Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva, por serem as entidades públicas que atuam na área da gestão dos recursos hídricos. Durante seis meses, estas entidades auscultaram diversas entidades e especialistas e promoveram reuniões no país, procurando definir prioridades de atuação que permitam, a médio-longo prazo, gerir a água enquanto recurso estratégico para a preservação dos ecossistemas, para a disponibilidade para consumo urbano, para o desenvolvimento do território através das atividades económicas, para a segurança alimentar, para a fixação de população no mundo rural, para a coesão territorial e para aumentar a nossa capacidade produtiva e, desta forma, contribuir para equilibrar a balança comercial do complexo agroalimentar.
A Estratégia "Água que Une" não só identifica orientações estratégicas, como também cerca de 300 medidas e projetos, bem como 9 programas estruturantes, considerando as necessidades das diversas regiões do país. Está prevista uma despesa global de cerca de 5 mil milhões de euros até 2030, dos quais 2 mil milhões já estão identificados em fontes de financiamento como o PT2030, o PRR e o Fundo Ambiental.
Estão incluídos investimentos estratégicos relacionados com o reforço da capacidade de armazenamento, a redução de perdas na distribuição, a aposta em fontes alternativas de água, a interligação entre bacias hidrográficas e a digitalização e monitorização inteligente da gestão do recurso. No entanto, a execução deste plano depende de decisões políticas céleres e de um compromisso efetivo com a segurança hídrica do país.
Tenho de admitir que o trabalho realizado me surpreendeu, pois pretendia ser simples e realista, baseando-se em dados e estudos há muito conhecidos ou já pensados. No entanto, como sabemos, por vezes, o mais difícil é fazer o que parece ser simples.
A Estratégia "Água que Une" foi elaborada num prazo de seis meses e concluída no final de 2024. Entretanto, por questões de agenda, a sua apresentação pública foi sendo adiada e, apesar de anunciada anteriormente, acabou por coincidir com o período pós-chumbo da moção de confiança apresentada pelo XXIV Governo Constitucional. Ou seja, queiramos ou não, a Estratégia "Água que Une" fica com uma marca indelével de campanha política que não faz sentido face ao seu carácter absolutamente estratégico para o país. Se há temas em que deveriam existir acordos de médio-longo prazo entre os principais partidos da nossa democracia, cujas prioridades não poderiam ser alteradas em ciclos políticos cada vez mais curtos, a água – que, de facto, nos une – deveria ser um desses temas.
A água é um tema que diz respeito a toda a sociedade. A gestão da água deve ser vista como uma questão de soberania nacional.
Como queremos gerir a água do futuro: com prevenção e estratégia ou com soluções reativas e remediativas? A resposta a esta questão definirá a segurança hídrica e o desenvolvimento do país nas próximas décadas. Sem um investimento robusto, Portugal continuará vulnerável às oscilações climáticas, o que comprometerá a produção agroalimentar, a indústria e a qualidade de vida da população. E isso não deve depender do governo A, B ou C.
O tempo para agir é agora e não temos tempo a perder, mesmo que continue a chover.
Engenheiro agrónomo e diretor-geral da Consulai
As Crónicas Rurais são textos de opinião que incidem sobre temas relacionados com o mundo rural, com uma periodicidade semanal. São asseguradas por um grupo de autores relacionados com o setor, que incluem Afonso Bulhão Martins, Cristina Nobre Soares, Filipe Corrêa Figueira, João Madeira, Marisa Costa, Pedro Miguel Santos e Susana Brígido.