A recente votação na Assembleia da República sobre a figura do "Visto Humanitário" expôs a fragilidade e a superficialidade do debate político no nosso país. Uma campanha de desinformação, baseada em acusações falsas e apelos ao medo, transformou uma questão humanitária num campo de batalha ideológica. Os detratores da medida alegaram, falsamente, que o visto transformaria imigrantes ilegais em cidadãos portugueses. Na realidade, este tipo de visto tem apenas como objetivo facilitar o processo de pedido de asilo para pessoas em situação de risco, permitindo que o façam de forma segura nas suas próprias regiões de origem ou em países vizinhos.
A manipulação da opinião pública, através de narrativas alarmistas e simplificadas, patrocinadas e repetidas pelos populistas de direita demonstra a necessidade de um debate público mais racional e fundamentado em factos sobre esta e sobre muitas outras matérias do espaço público português.
Acredito que, diante do crescente número de refugiados forçados a fugir de conflitos e violações dos Direitos Humanos, é urgente criar vias legais e seguras de imigração para evitar mortes e a exploração por máfias migratórias. Um mecanismo eficaz que já foi testado em outros países é este visto humanitário, que permitiria uma chegada regulada e segura à União Europeia. Atualmente, a maioria dos que pedem asilo na Europa recorre a meios irregulares, expondo-se a perigos extremos, uma vez que não existem alternativas legais.
Uma proposta no Parlamento Europeu em 2018 sugeriu permitir que refugiados solicitassem um visto humanitário em embaixadas e consulados, mas infelizmente não avançou. Com este sistema, a UE poderia promover a integração e proteção de refugiados, facilitando a documentação e o asilo com apoio de ONG e consulados, evitando a sobrecarga dos países fronteiriços.
Embora a UE continue paralisada neste domínio, em 23 de julho de 2024, a Iniciativa Liberal propôs criar em Portugal a figura do visto humanitário destinado a pessoas que “estejam a fugir da guerra, de perigos graves” ou perseguidas, e que seria emitido na embaixada do país de origem ou num país vizinho. O projeto de lei foi apresentado na Assembleia da República e aprovado juntamente com um regime de transição para a nova Lei de Imigração, encaminhando-os para análise em comissão parlamentar.
O visto humanitário permitirá que pessoas em fuga de conflitos ou perseguição solicitem asilo temporário em Portugal sem ter de entrar no país, podendo fazê-lo em embaixadas. O projeto recebeu apoio de PS, PSD, BE, Livre e CDS-PP, mas a oposição de Chega e PCP. Aguardo agora, com expectativa, o trabalho da Comissão.
Rui Martins é fundador do Movimento Pela Democratização dos Partidos