Durante o seu primeiro mandato, Von der Leyen ocupou a liderança da política europeia, trazendo a Comissão Europeia, em geral, e a Presidente da Comissão muito em particular e muito autonomamente em relação aos serviços da Comissão, para o centro do poder. Foi Von der Leyen que apresentou o Green Deal e a Transição Verde como estratégia geopolítica e geoeconómica; foi Von der Leyen quem negociou as vacinas, manteve a serenidade e deu confiança durante a Pandemia; e foi Von der Leyen quem liderou a posição europeia no apoio à Ucrânia contra Rússia e a favor da adesão. E até foi a presidente da Comissão quem puxou pelo apoio militar à Ucrânia. Se não foi, parece que foi E em política, isso é o que conta. Este mandato, porém, as coisas são diferentes.

O que mais importa na política europeia neste momento tem uma dimensão que não pode ser resolvida sem o centro do debate e decisão estar nos Estados membros da União Europeia. Seja a defesa, que é irremediavelmente de competência nacional; seja o acordo de comércio com os Estados Unidos, que é da competência da Comissão negociar, mas que é demasiado importante para ser feito nas costas dos Estados, como aconteceu com o Mercosul; seja a relação com a China, que tem implicações muito diferentes para a Alemanha, Hungria, Portugal ou França. O que se está a passar na Europa, por causa do que se está a passar no mundo, não pode ser resolvido pela Comissão Europeia como se de um assunto essencialmente europeu se tratasse. Ou pelo Parlamento Europeu que, para o efeito, é igualmente visto como demasiado europeu para o interesse dos Estados membros. O que significa, para tristeza de europeístas em geral e federalistas em particular, que quando o que está em causa é existencial, os Estados recuperam a centralidade. É a sua natureza. Isso, porém, pode ser parte do problema. Ou da solução, se aceitarmos a realidade.

O ataque de Putin à Ucrânia fez os europeus terem uma consciência de si definida por uma ameaça externa. A política desta administração americana fez os europeus duvidarem do aliado de sempre, incluindo muitos daqueles que sempre preferiram Washington a Bruxelas. Essa construção europeia, promovida por Putin e Trump, tem, porém, um limite: o interesse nacional continua a ser o critério pelo qual os políticos nacionais e os eleitores medem a realidade. E o interesse europeu, por oposição ao nacional, continua a ser um conceito distante que só em Bruxelas encontra fiéis. E só deixará de ser assim se houver um interesse europeu reconhecido como interesse nacional.

Ao longo dos últimos anos, Emanuel Macron tem tentado convencer os franceses de que o grande destino da França – uma obsessão nacional – só será cumprido na Europa e pela Europa. A grandeza de uma é a grandeza da outra, argumenta o presidente francês. Mas é caso raro. A maioria dos políticos nacionais tem uma visão mais transacional da Europa: o que ela lhes pode dar. O problema é que a Europa de que os europeus precisam terá de ser uma Europa com mais força global. E para o ser, terá de ser mais Europa. Mas isso, na medida em que é menos Estados membros, é um problema de difícil resolução.

Para se defender da Rússia, dependendo menos da América, os europeus não precisam apenas de “armas” suas. Precisam de se coordenar nas compras e na sua utilização potencial. Para se defender da China, na competição económica, os europeus precisam de definir o que é reduzir o risco, sem pôr completamente em causa uma relação comercial fundamental para a Europa, que é diferente de país para país. Para competir com a China e a América, a economia europeia precisa de escala (seja tendo grandes campeões europeus, seja, mais no espírito da União, tendo mesmo um mercado europeu). Tudo isto implica mais Europa. Mas é demasiado existencial para ser feito contra ou apesar dos Estados membros. A solução passaria por haver liderança e visão europeia nos governos europeus. Sobretudo nos que contam mais. E um “público europeu”, que não se decreta nem se impõe, mas que se pode alimentar politicamente.

O mundo que está a mudar coloca um enorme desafio à Europa. Vista de fora, pode ser um bloco. Vista de dentro, é uma amálgama. Vista da História, dificilmente deixará de o ser (uma amálgama). Vista do futuro, precisa de ser mais do que é. Mas vista de cada Estado membro, a definição de interesse europeu é o seu interesse. E isso dificilmente muda. Não vai ser fácil.