Em que consiste a Medicina Narrativa, em destaque no evento?

A Medicina Narrativa é uma abordagem que engloba a narrativa e as histórias dos pacientes nos cuidados médicos. Felizmente, a medicina moderna tem beneficiado muito com extraordinários avanços em termos científicos e tecnológicos, permitindo diagnósticos cada vez mais precoces e o aparecimento de novas terapêuticas. O papel da inteligência artificial é cada vez maior e não podemos esquecer o papel do médico, mas colocam-se cada vez mais desafios éticos e morais e é necessário promover uma maior ligação entre os profissionais de saúde e os seus pacientes.

A medicina narrativa foca-se na importância da comunicação e na necessidade de existir uma maior disponibilidade para ouvir a história do paciente. Para proporcionar os melhores cuidados, os profissionais de saúde devem valorizar as histórias dos seus pacientes, considerando as múltiplas experiências, sentimentos, contextos socioeconómicos e pessoais. Só assim é que será possível garantir um atendimento mais humano e personalizado.

“Um paciente que se sente ouvido e que percebe que está a ser visto de uma forma holística e personalizada, terá uma maior sensação de bem-estar emocional e, ao mesmo tempo, uma melhor adesão”

Quais as suas mais-valias na relação médico-doente?

A Medicina Narrativa e, de uma forma mais lata, a incorporação das humanidades na educação médica baseia-se na premissa de que a prática da medicina não é apenas técnica e científica, mas também humanística e moral. A arte, a literatura, a música e o teatro, nas suas múltiplas formas, são produtos da criatividade humana e podem refletir várias emoções humanas, alegria, tristeza, medo e raiva. São vários os benefícios do contacto com narrativas e diversas formas de arte. Ao ouvir as histórias dos pacientes, os médicos conseguem compreender melhor as suas preocupações, valores e emoções, garantindo uma abordagem mais empática. O médico passa a ver o paciente não só como um conjunto de sinais e sintomas, mas sim como um todo. A existência de empatia é a base de uma relação de confiança entre o médico e o paciente.

A Medicina Narrativa fomenta a comunicação e isso é essencial em qualquer encontro clínico. Um paciente que se sente ouvido e que percebe que está a ser visto de uma forma holística e personalizada, terá uma maior sensação de bem-estar emocional e, ao mesmo tempo, uma melhor adesão e participação nas decisões relacionadas com a sua saúde. A inclusão das Humanidades na prática da medicina ajuda a compreender realidades muito diversas, reduzindo o estigma, provendo a tolerância e a diversidade, algo cada vez mais importante nos dias de hoje. Um dos maiores propósitos da Narrativa e das Humanidades médicas é de fortalecer a relação médico-paciente, mas também servem em benefício dos clínicos. O contacto com a literatura e as artes desenvolve técnicas de observação, pensamento e momentos de prazer, minimizando o burnout.

“A Medicina Narrativa e a inclusão das Humanidades na prática clínica é cada vez mais um gold standard e será o futuro”

Que tipo de formação se deve ter?

A Medicina Narrativa está cada vez mais divulgada, não só noutros países como também em Portugal, em termos de cursos intensivos, pós-graduações e jornadas. Existe o “Projeto de Humanidades Médicas” da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que tem um curso com vários módulos que não de limitam à literatura e medicina mas também arte, cinema e música. No curso de Medicina da Universidade da Beira Interior, o curso intensivo de Medicina Narrativa, realizado no 1.º ano, tem sido um sucesso nos últimos anos.

O que ainda é necessário para que a Medicina Narrativa seja prática corrente?

A Medicina Narrativa e a inclusão das Humanidades na prática clínica é cada vez mais um gold standard e será o futuro. Há muitos anos para cá, que os alunos de Medicina do Johns Hopkins, e não só, passam tarde nos museus para treinar skills de observação e pensamento crítico. As vantagens da arte para os doentes e a presença de arte nos hospitais são achados incontornáveis. A música, quer no internamento quer em hospital de dia, traz muitos benefícios. Ler e contar uma história, um gesto tão simples, para trazer tanta alegria para uma criança internada. A recente criação da Sociedade Portuguesa de Humanidades Médicas, da qual sou sócia fundadora, pretende promover todas as formas de arte no contexto clínico para beneficiar quer os doentes, quer os profissionais de saúde.

Maria João Garcia

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