
Uma equipa internacional de arqueólogos está a analisar os terrenos da Penascosa, um dos sítios mais ricos em arte rupestre no Vale Côa, para aprofundar o conhecimento sobre a ocupação humana na região, muito além de 12 mil anos.
A certeza da continuidade da expressão artística no Paleolítico, num ciclo 30 mil anos jamais interrompido, consolida-se com o avanço da investigação, que aborda agora a exploração de pedra de xisto no sítio da Penascosa e verifica a destruição de painéis existentes em épocas posteriores, em particular no início do século XX.
“Os sítios arqueológicos classificados como monumentos nacionais ou património da humanidade são tão clássicos que ninguém lhes quer mexer. Aqui na Penascosa, não se conseguia perceber qual era a extensão ou distribuição das rochas gravadas, devido à extração do xisto para a construção de açudes ou muros nas margens do rio Côa [em épocas mais recentes]”, explicou à agência Lusa o diretor científico da Fundação Côa Parque, Thierry Aubry.
De acordo com o arqueólogo, depois desta intervenção há dados “complemente novos”, porque não se conhecia a extensão e a distribuição originais das rochas, no sítio Penascosa.
“E com estas escavações ficamos com a noção do que foi a exploração de pedra de xisto no sítio da Penascosa. A sequência do percurso, fruto da retirada da pedra não é contínua, o que pode levar a pensar que o Homem do Paleolítico escolheu não gravar de forma sequencial. Mas isso não é verdade, porque a jusante do rio Côa há provas de exploração de pedra que destruíram vários painéis”, vincou Thierry Aubry.
Na Penascosa, no concelho de Vila Nova de Foz Côa, nem o calor afasta a curiosidade de uma equipa multidisciplinar que pretende provar que a extração de pedra de xisto nas margens do rio Côa fez com que muitas gravuras deste santuário da arte rupestre acabassem por desaparecer, emergindo agora evidências de que a ação humana, sobretudo no início do século XX, levou consigo muitas destas gravuras.
A sondagem em curso envolve o trabalho no terreno, a escavação, a análise dos solos, a documentação pormenorizada dos achados, entre outras ações, assim como o apelo a novas tecnologias para identificação das áreas de interesse.
Todo o local das prospeções está aliás a ser passado a “pente fino”, com recurso a novas tecnologias, embora a arqueologia prática e convencional, também se aplique no terreno, com os arqueólogos a limpar, lavar, esfregar e a decalcar em papel todos os pormenores que evidenciam a presença da Arte do Côa, de forma continua, neste local classificado como sendo da Humanidade.
“Toda as sondagens apontam que, na Penascosa, havia muitas mais rochas gravadas durante o período do Paleolítico, face àquilo que atualmente é conhecido. Isto é importante, porque quando vamos interpretar a distribuição da arte neste local do Parque Arqueológico do Vale do Côa [PAVC], chegamos à conclusão de que o que travou [o conhecimento da continuidade das] manifestação artísticas pré-históricas foi a exploração de pedra. Este é um dado novo”, enfatizou Thierry Aubry à Lusa.
Segundo o arqueólogo, este trabalho é importante “para melhor compreender este sítio para memória futura".
“No início do século XX, as pessoas da região ainda não tinham noção deste importante movimento ligado à arte rupestre. Toda esta destruição foi por desconhecimento, o que atualmente não acontece e nem pode acontecer”, vincou o investigador.
Neste local, há outras novas descobertas, como a ocupação humana que remonta há mais de 12 mil anos “com a indústria de pedra lascada”, associada à fase gráfica da picotagem das gravuras.
“Aqui ficamos com a certeza de que os habitantes do Paleolítico Superior na Penascosa tinham outras ocupações, já que eram caçadores e recoletores”, disse.
Outro dos objetivos da investigação é o comportamento aluvial do rio Côa, saber como e por onde passava e conhecer os sedimentos que trazia em tempos de cheias.
O arqueólogo André Santos, da Universidade de Coimbra, explicou à Lusa que estão a ser utilizadas várias técnicas para perceber a volumetria dos painéis desaparecidos, num conhecimento complementado com decalque direto na rocha.
“Depois das superfícies limpas é aplicada uma camada de plástico transparente e depois decalcamos por cima da gravura que está na rocha com canetas de tinta permanente e recurso a luz artificial, para que os traços sejam nítidos e copiados da forma mais rigorosa possível, e outro investigador ou visitante perceba que figura ali está representada e [quais] as suas técnicas”, explicou o arqueólogo.
Este local é dominado por figuras de auroques (boi selvagem), cavalos, cabras montesas, veados, peixes e mesmo ursos.
Segundo o presidente interino da Fundação Côa Parque, Domingos Lopes, no ano de 2024 visitaram o sítio arqueológico da Penascosa, em pleno PAVC, mais de 8.800 pessoas, o que atesta a importância arqueológica da Arte do Côa.
O PAVC, por razões de salvaguarda e conservação do 'santuário' de arte rupestre, está limitado a um máximo 15 mil visitantes por ano, o que tem vindo a acontecer.
Quando da criação do PAVC, em agosto de 1996, foram identificadas 190 rochas com arte rupestre. Atualmente são 1511, das quais 38 são pintadas, o que representa um total de 15.661 motivos identificados, em mais de uma centena de sítios distintos, sendo predominantes as gravuras paleolíticas, executadas há cerca de 30 mil anos, num ciclo artístico que nunca foi interrompido.
A Arte do Côa foi classificada como Monumento Nacional em 1997 e, em 1998, como Património Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
Como uma imensa galeria ao ar livre, o PAVC ocupa 20 mil hectares de terreno que estão distribuídos pelos concelhos Vila Nova de Foz Côa, Mêda, Pinhel e Figueira de Castelo Rodrigo, no distrito da Guarda, a que se junta o concelho de Torre de Moncorvo, no distrito de Bragança, com manifestações de arte rupestre.