Neste ano, dia 28 de fevereiro, último dia do único mês cuja duração se altera a cada quatro anos, assinala-se o Dia das Doenças Raras. Mas ser diagnosticado com uma ou ser pai, mãe, irmão, avô, avó ou até amigo de alguém que o seja é muito mais do que um dia especial. É uma luta diária, com vitórias, alegrias, conquistas, mas sobretudo de muitos momentos difíceis. Que podem ser um pouco menos duros com o apoio de quem sabe o que isto implica. Por ter a experiência de ter um filho diagnosticado com doença rara e viver na pele as dificuldades, as faltas de resposta e de noção, mas também o preconceito e a exclusão social, Isabel Cavaca decidiu facilitar um pouco a vida a outros pais e cuidadores. Ao SAPO, explica como André inspirou o nascimento da Addapters, o que é a Walk For Rare, que acontece na Baía de Cascais, já no dia 8 de março, em homenagem às mulheres cuidadoras, e como se pode ajudar a melhorar a vida destas pessoas. "O essencial é nunca subestimar pequenos gestos ou pequenos passos."

Ter um filho com uma doença ultra-rara, ainda mais com as condicionantes da que afeta o André, obrigará a uma dedicação absoluta. Como é que há tempo e disponibilidade para criar e gerir a Addapters? Como nasceu a organização?
Em Portugal, é muito difícil ter dedicação absoluta a um filho com uma doença rara e multideficiência, como no caso do André, porque há poucos apoios para tal. O custo das terapias, a demora na atribuição de produtos de apoio, a falta de respostas adequadas na escola e no sistema de saúde e a ausência de medidas eficazes para conciliar a vida familiar e profissional criam uma sobrecarga financeira enorme, além do impacto emocional, físico e psicológico.

Foi o que sentiu quando o André nasceu?
Quando o André nasceu e à medida que fomos identificando as suas necessidades específicas, acreditei ingenuamente que os sistemas de saúde, educação e segurança social estariam preparados para apoiar um caso como o nosso. Não podia estar mais errada. Com o tempo e ao conhecer outras famílias percebi que todas enfrentávamos os mesmos desafios, as mesmas barreiras e a necessidade constante de procurar soluções que garantissem o bem-estar, a saúde, o desenvolvimento e até os direitos mais básicos destas crianças. A Addapters Org nasceu desta necessidade. Somos um grupo de pessoas diversas e voluntárias – pais, famílias, amigos e profissionais – que colocam o seu saber, experiência, tempo e, mais importante, o seu coração nesta causa. No meu caso, entre o André, a família e a minha atividade profissional, a disponibilidade cria-se e o tempo inventa-se. Quando acreditamos verdadeiramente numa causa maior do que nós, encontramos forma de fazer acontecer – mesmo que isso signifique muitas noites sem dormir.

Quais são as principais dificuldades com que lida na organização e o que tornaria a gestão mais simples?
Atrevo-me a dizer que os maiores desafios que enfrentamos são os mesmos da maioria das organizações do setor social: a escassez de recursos e a falta de reconhecimento institucional. Acabamos por suprir falhas do Estado, como por exemplo o acesso a terapias essenciais, que frequentemente têm listas de espera intermináveis nos serviços públicos ou estão indisponíveis, enquanto no setor privado os preços são incomportáveis para a maioria das famílias. Tudo isto sem os recursos financeiros adequados ou uma articulação eficaz com os serviços públicos e outros stakeholders.

Exatamente o que faz a Addapters?
A Addapters Org não é uma associação exclusivamente dedicada às doenças raras. Somos uma ONG.PD (Organização Não Governamental para as Pessoas com Deficiência) cujo trabalho incide especialmente em crianças e jovens com deficiência e/ou doença rara, o que traz desafios acrescidos. Independentemente das patologias ou diagnósticos (ou mesmo na ausência deles), trabalhamos pela inclusão em várias dimensões – saúde, acessibilidade, educação, desporto, representatividade, participação e consciencialização para os desafios que enfrentam. Atuamos em rede e cocriamos projetos e soluções inovadoras para promover a equidade e autodeterminação destas crianças e jovens. O nosso maior desafio é manter e expandir os projetos com muito pouco financiamento, dependendo maioritariamente de doações, receitas de eventos como a Walk For Rare e parcerias que nem sempre são estáveis ou garantidas a longo prazo. Uma maior previsibilidade no financiamento e um modelo de cooperação mais estruturado entre as ONG e o Estado tornariam a gestão mais eficiente e ampliariam o impacto. Apoios mais estruturados, uma gestão baseada em objetivos e um reconhecimento mais efetivo do nosso trabalho permitiriam escalar e replicar soluções,que já demonstraram ser eficazes, chegando a mais pessoas com menos esforço.

A Walk For Rare é uma ocasião para consciencializar a sociedade mas também para angariar fundos para poder ajudar quem sofre de doenças raras. Que nível de apoios têm conseguido desde 2019 e onde têm sido usados?
A Walk For Rare é uma iniciativa que tem como principal propósito despertar consciências para os desafios das doenças raras e, com isso, transformar comportamentos e promover uma sociedade mais informada, inclusiva e solidária. Queremos que esta caminhada vá além do evento em si e inspire mudanças reais – desde a forma como se olham para estas doenças e para quem vive com elas até ao envolvimento ativo da comunidade, empresas e decisores na criação de soluções mais justas e acessíveis. Contamos com o apoio da Câmara Municipal de Cascais e temos conseguido angariar alguns fundos, embora ainda de forma bastante limitada. Infelizmente, as doenças raras continuam a ser um "assunto de nicho", com menos atenção mediática e apoio corporativo do que outras causas mais mainstream. Isso impacta diretamente a angariação de fundos e, por consequência, também a nossa capacidade de expandir o impacto.

Todos os fundos angariados são direcionados para reforçar os projetos em curso. Uma das nossas principais prioridades tem sido garantir o acesso a terapias em continuidade diretamente nas escolas, permitindo que a intervenção ocorra no próprio contexto educativo, em articulação com a comunidade escolar e as famílias. Além de tornar o apoio mais eficaz e integrado, esta solução reduz a necessidade de deslocações, poupando tempo e aliviando a sobrecarga dos cuidadores – um fator essencial para que consigam conciliar a vida profissional com as exigências dos cuidados diários.

Walk For Rare
Walk For Rare créditos: DR

E neste ano, há já destino a dar aos fundos angariados?
Este ano, estamos também a angariar fundos para um projeto inovador na área da Comunicação Aumentativa e Alternativa. Um número significativo de crianças e jovens com deficiência e/ou doença rara apresenta dificuldades na comunicação verbal ou é não verbal, o que as impede de expressar desejos, necessidades e emoções, limitando a sua participação ativa na sociedade. Garantir o acesso a soluções eficazes de comunicação não é apenas uma questão de inclusão – é uma ferramenta essencial para a autonomia, a aprendizagem e a qualidade de vida destas crianças sendo por isso  uma necessidade premente.

Porque decidiram também homenagear as mulheres com a caminhada deste ano?
A grande maioria dos cuidadores informais em Portugal são mulheres – mais de 84%. São mães, avós, irmãs que dedicam a sua vida ao bem-estar da sua família, muitas vezes sem qualquer tipo de apoio ou reconhecimento. Escolhemos fazer a caminhada no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, para lhes prestar homenagem e dar-lhes a visibilidade que tantas vezes lhes falta. Queremos que a sociedade reconheça o seu trabalho invisível e que sejam criadas mais políticas de apoio para estas mulheres, que enfrentam uma carga física e emocional gigantesca. É fundamental o desenvolvimento de mecanismos de suporte que aliviem a sobrecarga que recai desproporcionalmente sobre elas, seja através de medidas que facilitem a conciliação entre a vida profissional e os cuidados, do acesso a redes de apoio psicológico e social, ou de políticas que garantam maior proteção financeira e laboral para quem assume este papel essencial na sociedade. Habitualmente, estes temas são tratados de forma isolada, mas não os podemos dissociar. O impacto das doenças raras vai muito além das pessoas diagnosticadas, afetando profundamente as suas famílias, especialmente quem assume o papel de cuidador. É essencial olhar para esta realidade de forma integrada e garantir respostas que apoiem tanto as pessoas com doenças raras como quem lhes presta cuidados diariamente.

Como é que se pode ajudar a Addapters e quem tem uma doença rara?
Há várias formas de ajudar. A primeira é inscrever-se na Walk For Rare em www.walkforrare.com e para quem está longe de Cascais, é sempre possível contribuir com um pequeno donativo. Além disso, cada um pode fazer a diferença através da partilha de informação e da divulgação da iniciativa, ao ajudar a levar a mensagem a mais pessoas. Sensibilizar a sociedade para os desafios das doenças raras é fundamental e todos podemos ter um papel ativo ao pressionar decisores por mais e melhores apoios. Outra forma de gerar impacto real é dentro do próprio local de trabalho. Incentivar as empresas a implementar políticas de diversidade, equidade e inclusão, rever acessibilidades e proporcionar formação sobre estas temáticas pode transformar a forma como as pessoas são acolhidas. Empresas que valorizam a inclusão e a responsabilidade social têm um papel essencial, seja a promover mudanças internas, seja a apoiar iniciativas que garantam um impacto concreto que pode mudar a vida das pessoas – e, muitas vezes, basta um pequeno impulso para que isso aconteça. O essencial é nunca subestimar pequenos gestos ou pequenos passos – muitas vezes, são eles que iniciam verdadeiras transformações.