Como aprendemos coisas novas? Como é que as tarefas de um novo emprego, as letras de uma música ou as direções para casa de um amigo ficam retidas no nosso cérebro?

Um estudo recente publicado na revista Science mostra que os neurónios não seguem uma única regra durante a aprendizagem e que cada neurónio pode aplicar várias regras diferentes, dependendo da localização da sinapse. Esta descoberta vem desafiar a teoria tradicional e abre portas para avanços na saúde mental e desenvolvimento da inteligência artificial.

Como o cérebro aprende?

A explicação geral é simples: o cérebro adapta-se para acomodar novas informações. Para assimilar um novo comportamento ou memorizar uma nova informação, os circuitos cerebrais sofrem alterações.

Estas mudanças têm lugar nas sinapses - as ligações entre neurónios - onde ocorre a comunicação entre estas células nervosas.

Plasticidade sináptica

Durante o processo de aprendizagem, algumas sinapses tornam-se mais fortes e outras mais fracas, num equilíbrio delicado.

Esta capacidade de adaptação é chamada de plasticidade sináptica e os neurocientistas identificaram vários processos moleculares que permitem essa plasticidade.

Mas as "regras" que determinam quais sinapses que se modificam - e de que forma - permanecem desconhecidas.

Ver sinapses a acontecerem em tempo real

À medida que os ratos aprendiam um novo comportamento, os investigadores monitorizavam as ligações sinápticas (aqui representadas como pequenas saliências) nos dendritos dos neurónios.
À medida que os ratos aprendiam um novo comportamento, os investigadores monitorizavam as ligações sinápticas (aqui representadas como pequenas saliências) nos dendritos dos neurónios. Komiyama Lab, UC San Diego

Um grupo de investigadores da Universidade da Califórnia em San Diego, liderado pelos neurobiólogos William "Jake" Wright, Nathan Hedrick e Takaki Komiyama, descobriu agora pormenores importantes sobre este processo.

Num estudo publicado a 17 de abril na revista Science, os cientistas usaram técnicas avançadas de visualização cerebral, incluindo imagens de dois fotões, para observar em detalhe a atividade de sinapses e neurónios em ratinhos durante processos de aprendizagem.

Pela primeira vez, foi possível ver sinapses individuais em ação com este nível de detalhe.

Neurónios seguem várias regras ao mesmo tempo

As imagens revelaram algo surpreendente: os neurónios não seguem uma única regra ao aprender. Em vez disso, cada neurónio pode aplicar várias regras diferentes, dependendo da região onde a sinapse está localizada.

"Quando se fala em plasticidade sináptica, costuma assumir-se que esta é uniforme no cérebro. A nossa investigação mostra que as sinapses são modificadas de forma mais complexa do que pensávamos, o que pode ter implicações importantes para a saúde, uma vez que muitas doenças no cérebro envolvem alguma forma de disfunção sináptica", explicou William Wright, primeiro autor do estudo e investigador de pós-doutoramento na Escola de Ciências Biológicas.

"Problema da atribuição de crédito"

Um dos maiores desafios na neurociência é o chamado "problema da atribuição de crédito": como é que sinapses que só têm acesso à sua própria informação "local" contribuem para moldar novos comportamentos aprendidos?

É um enigma comparável ao das formigas numa colónia: cada uma executa tarefas isoladas sem conhecer o plano global de toda a colónia - e, mesmo assim, o sistema funciona.

"Esta descoberta muda fundamentalmente a forma como entendemos como o cérebro resolve o problema da atribuição de créditos, com o conceito de que os neurónios individuais realizam cálculos distintos em paralelo em diferentes compartimentos subcelulares", disse Takaki Komiyama, autor sénior do estudo e professor nos departamentos de Neurobiologia e Neurociências.

Implicações para a IA e para a saúde mental

Estas descobertas podem ajudar o desenvolvimento da inteligência artificial. Atualmente, as redes neuronais artificiais funcionam com um conjunto único de regras de plasticidade. Este estudo sugere que usar múltiplas regras em simultâneo pode ser mais eficaz.

Também na saúde mental e neurológica, os resultados abrem novas possibilidades. Doenças como Alzheimer, perturbação de stress pós-traumático, dependência ou autismo envolvem muitas vezes disfunções sinápticas.

"Este trabalho está a estabelecer uma base para percebermos como o cérebro funciona normalmente, o que nos vai permitir compreender melhor o que falha em diferentes doenças", afirmou Wright.

Os investigadores querem agora aprofundar como os neurónios conseguem aplicar regras diferentes ao mesmo tempo e de que forma isso os beneficia.