Uma técnica de uma organização não-governamental (ONG), que presta assistência a toxicodependentes, considerou ontem que o consumo na cidade de Lisboa está a aumentar e de forma desorganizada, com situações de recaída de pessoas que já tinham alguma estabilidade.

"Daquilo que são as nossas intervenções e do nosso dia-a-dia há, de facto, um aumento de consumos na cidade de Lisboa. Estes consumos tendem a ser mais desorganizados, ou seja, as pessoas não estão a ter os cuidados necessários que deveriam ter", apesar da existência de equipas de proximidade, afirmou Elsa Lucas Belo, da Ares do Pinhal.

A técnica, que falava na Assembleia Municipal de Lisboa, no debate "A Toxicodependência na Atualidade - Do Diagnóstico para a Terapêutica na Cidade de Lisboa", requerido pelo PCP, acrescentou que, neste caso, a associação tem de "estar numa vigilância ainda maior e a tentar chegar atempadamente às situações" onde não consegue "por falta de presença de equipas no terreno".

"Há claramente um aumento de pessoas que recaíram nos consumos, pessoas que já estavam numa situação de estabilidade, mas que é uma estabilidade que nestas populações vulneráveis são sempre presas por arames", explicou, resultado de empregos precários e "relações familiares de muita fragilidade".

Existe "um desinvestimento público nas políticas de drogas em Portugal", não tanto na cidade de Lisboa, mas a nível nacional", apontou Elsa Belo, notando que a situação "está identificada pelo ICAD [Instituto para os Comportamentos Aditivos e Dependências]" e todos os intervenientes no setor.

Para a técnica, além da falta de "políticas mais consistentes", existe "uma grande instabilidade" das ONG, que "estão a viver períodos de muita dificuldade", cada vez mais fragilizadas, "com muita perda de capital humano e de capital financeiro".

A responsável salientou que se tem assistido "destruição do modelo" criado há 20 anos, "que funcionava, que estava muito bem oleado e que conseguia, de facto, fazer um cerco a este problema", na "redução de riscos e minimização de danos, mas também na parte do tratamento".

Nesse sentido, referiu a burocracia para pessoas sem-abrigo, com algum distúrbio mental, que agora precisam de requerimentos para avaliação num hospital, ou um ano para entrar numa comunidade terapêutica, depois de várias consultas.

Em relação aos programas de metadona, antes desenvolvido com as juntas de freguesia, a Polícia Municipal e a PSP, Elsa Belo lamentou que algumas juntas não expliquem "às suas comunidades qual é a importância deste trabalho" e destas "medidas de saúde pública", que ajudam a cuidar da cidade ao nível da criminalidade e das doenças infetocontagiosas.

"Lisboa, tal como para o VIH [sida], para as hepatites e para uma série de outras maletas de saúde pública, é a cidade com maior prevalência de consumos problemáticos de droga. É a cidade com maior prevalência de pessoas em situação de sem-abrigo, e é também um dos destinos primeiros para o aumento quase exponencial do fluxo migratório", destacou Luís Mendão, do GAT - Grupo de Ativistas em Tratamentos.

Isto quando, enumerou, "unidades de saúde mental e consultas com dependência têm longas listas de espera", os "internamentos específicos para álcool e drogas estão encerrados" e as "vagas em centros de acolhimento temporário" continuam "muito aquém das necessidades".

O técnico salientou que "a Câmara do Lisboa não pode funcionar sem uma resposta adequada por parte do Ministério da Saúde e das outras instituições" e aproveitou para reivindicar apoio para a sua organização, que presta serviço a "cerca de 500 pessoas" na Mouraria, num espaço de 15 m2, com equipas em 'burnout' completo.

O diretor do ICAD, João Goulão, recuou ao tempo da intervenção da 'Troika', quando foi extinto o Instituto da Droga e Toxicodependências (IDT), "com provas dadas", e se mudou para um modelo "que claramente conduziu a uma perda de eficácia" e "diminuição da atenção e do carinho" político dedicado a estas matérias.

Após "muita reivindicação", o ICAD, com o âmbito nacional, possui um "mandato alargado", não só para a droga, mas também o álcool e comportamentos aditivos sem substância, como o jogo.

Além do recrutamento de profissionais, João Goulão reconheceu também a importância das várias entidades falarem mais e da criação em cidades limítrofes de respostas que permitam reduzir a pressão sobre Lisboa.

A Câmara de Lisboa "será sempre parte de soluções nesta matéria, em conjunto com todos os que estão no terreno", afirmou a vereadora dos Direitos Humanos, Sociais e Saúde, Sofia Athayde, que agradeceu o trabalho dos parceiros, das equipas municipais e do ICAD, assegurando que o município está a fazer tudo "para dar as melhores respostas".