“Uma pessoa a querer ver o Benfica e agora isto?”, desabafa Paulo Raimundo a brincar. Ao intervalo do jogo, tanto no Parlamento como em Barcelona se percebia que a não ser que um milagre acontecesse, o desfecho em ambos os campos era inevitável. Em Espanha, o Benfica perdia 3-1. Em Lisboa, o Governo tentava levar o jogo para prolongamento. Paulo Núncio fazia a vontade ao líder comunista e pediu uma suspensão potestativa do debate da moção de confiança, a tempo da segunda parte da Champions, atrasando uma hora a votação da moção sem dizer qual o argumento. Esse ficaria só evidente quando Montenegro apareceu à hora certa, às 20h00, a responsabilizar o PS pela crise, depois de ter visto a moção de censura ser chumbada por toda a esquerda e pelo Chega. Ao fundo, uns aplausos de uns visitantes que, cumprida a tarefa, revelavam a intenção: “O nosso apoio está feito”.


Foi com uma sensação de peça em vários atos, com dramatização, ameaças de plot twist que o ambiente nesta tarde no Parlamento se foi vivendo, a reboque das propostas do Governo para tentar virar o tabuleiro. A mensagem do Governo foi repetida à exaustão: “Tentámos tudo até à última”, disse Luís Montenegro. Pedro Nuno Santos entraria minutos depois também com o seu “tudo”. “Fizemos tudo para que este Governo tivesse condições para governar”, disse o socialista. Já os corredores do Parlamento começavam a ficar vazios, sem câmaras apontadas, só com jornalistas nos sofás a escreverem os últimos textos quando o socialista saiu da sala, para uma entrevista à CNN. “A rir?”, pergunta um jornalista. “Mas havia de chorar?”, contrapõe o socialista.

Neste dia - 50 anos depois de uma tentativa de golpe no período revolucionário e um ano e um dia depois de o PSD ter vencido as eleições legislativas por muito curta margem- , Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos começaram a jogar o seu futuro político. Daqui por dois meses saberão qual dos dois permanece em cena e a guerra de narrativas, que cruzará a campanha eleitoral que se avizinha, não se fez esperar. A do Governo foi construída ao longo do debate, em vários atos.

1º Ato - Montenegro disponível para suspensão

Luís Montenegro abriu o debate da moção de confiança a mostrar-se disponível para mais esclarecimentos e sugere a suspensão da sessão para que o secretário-geral do PS possa dizer quais as dúvidas que ainda tem. Vários telefonemas, de Hugo Soares para Pedro Nuno Santos, para Alexandra Leitão, para José Pedro Aguiar-Branco, mas em nenhum destes telefonemas surgiu a proposta que acabaria por ser a final. Mas já lá vamos. Por ora, ainda não eram quatro da tarde e da bancada do PS ouviam-se ruidosos “não” quando o primeiro-ministro dizia que era preciso saber se o Governo tinha condições para governar. Durante a primeira hora de debate, entre as 15h e as 16h, não se ouviu um socialista a falar. E Ventura teve dificuldades em fazer-se ouvir: o líder do Chega, manifestamente rouco, esteve notoriamente contido.

2º Ato - A resposta de Pedro Nuno

Pedro Nuno Santos toma a palavra já com mais de uma hora de debate decorrido, a lançar dúvidas sobre a situação do primeiro-ministro e a desafiá-lo a aceitar a comissão de inquérito e a retirar a moção de confiança.. Luís Montenegro responde a Pedro Nuno Santos e diz que lhe concede uma “última oportunidade” para definir o método, enviar as perguntas que ainda quer fazer porque, na ótica de Montenegro, a verdadeira intenção do socialista está “por trás” do requerimento da Comissão Parlamentar de Inquérito. O ambiente nos corredores é de suspense. Irá Montenegro retirar a moção de confiança para permitir o tal escrutínio a que diz estar disposto?

3º Ato - A proposta de Hugo Soares

Antes da hora certa, a poucos minutos das 17h, Hugo Soares interpela a mesa a pedir uma suspensão da sessão por meia-hora para que Luís Montenegro possam ter uma conversa privada. O líder socialista recusa a iniciativa e diz que não aceita uma “reunião à porta fechada”. “Os esclarecimentos têm de ser em público. Os esclarecimentos que pedi foi para o país e não ao PS”, insistiu Pedro Nuno. Começava aqui a guerra regimental, com Ventura a resumir esta tentativa do Governo: “É um ato de teatro desesperado”.

Nos corredores, uma deputada compara o que se está a passar no plenário com uma “assembleia geral do Sporting no tempo do Bruno de Carvalho”. “Não está a ser bonito”, dizia outro parlamentar visivelmente agastado com o tom que estava a levar o debate. Mas a procissão ainda ia no adro. Nos corredores do Parlamento, o frenesim jornalístico não parava. As televisões instaladas nas escadarias de acesso ao plenário e nos corredores, chegaram a apontar as câmaras quando Luís Montenegro saiu do hemiciclo… para ir à casa de banho. Por duas vezes. Os passos estavam a ser seguidos ao milímetro, as jogadas políticas também.

4º Ato - A CPI-expresso

Uma hora depois, novamente quase pela hora certa, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, tenta novamente virar o jogo e sugere uma CPI-expresso por 15 dias. A resposta da oposição foi em uníssono (menos da Iniciativa Liberal que esteve praticamente desaparecida do debate e terminou a votar a favor, como anunciado): a proposta do Governo significava uma tentativa de “condicionar” a Comissão Parlamentar de Inquérito. “Primeiro queria uma comissão privada de inquérito”, e depois uma CPI curta, “devolvo-lhe o desafio para retirar a moção para que haja CPI”, respondeu Pedro Nuno. Como num jogo de futebol, a cada jogada, uma reação

5º Ato - O tempo a esgotar-se

Pedro Duarte dá um retoque na proposta inicial e diz que se o PS aceitar a tal CPI-relâmpago, o governo retira a moção de confiança. Sem efeito. O debate seguiu sobre esta proposta e as visões sobre ela. O Governo a falar em “intransigência” do PS e os socialistas a dizerem que o “escrutinado” não pode definir as regras do escrutínio.

Neste momento, já nenhum dos intervenientes tinha tempo para falar, mas também não o quiseram. Pedro Duarte chegou a fazer sinal ao socialista para que atendesse o telefone interno no plenário. Pedro Nuno fez-lhe sinal que não. A resposta no PS era a de que não se estava a debater uma comissão de inquérito, mas uma moção de confiança, logo, não havia “negociação” a fazer. O Governo mandou mão a todo o tempo que conseguia recolher e até o Chega lhe deu dez segundos - provocando a risota da líder parlamentar da Iniciativa Liberal, Mariana Leitão - para que Hugo Soares insistisse mais um pouco na ideia.

6º Ato - Intervalo à beira do fim e Nuno Melo em reflexão à parte

O jogo parecia encaminhar-se para o fim. Mas antes disso, Pedro Duarte liga a Paulo Núncio. O conteúdo da conversa percebia-se minutos depois. O CDS pedia a suspensão dos trabalhos, de forma potestativa, por uma hora. Parou tudo. Mas o CDS serviria apenas para este pedido.

Já Luís Montenegro estava a meio dos Passos Perdidos, ladeado por Margarida Balseiro Lopes e Ana Paula Martins, quando Nuno Melo acaba de subir a escadaria que o leva à porta de entrada. Esbaforido, desabafa que subiu a correr as escadas. A micro pausa evitou que aparecesse nas fotografias que podem ficar para a história como as fotografias do dia em que o Governo caiu.

Durante o debate, o centrista esteve discreto, muitas vezes com a mão na cara. Acabaria no entanto por ser o CDS, pela voz de Paulo Núncio, líder parlamentar, a pedir para que a sessão na Assembleia da República fosse suspensa por uma hora antes da votação, obrigatoriamente. Sem explicar os argumentos e também sem estarem em reflexão conjunta. Nuno Melo não esteve na sala do Governo, onde os ministros e o primeiro-ministro estiveram reunidos durante a pausa, foi para o gabinete do CDS e de lá apenas saiu quando a campainha tocou para a votação. Entrou sozinho no plenário e sentou-se ainda antes de o resto do Governo acompanhar Montenegro para ver o Governo cair com os votos de toda a esquerda e do Chega.

7º Ato - Resultado final

Durante a hora de pausa da sessão, o Governo faz uma derradeira proposta ao PS, de aumentar o tempo de duração da Comissão Parlamentar de Inquérito para poder ir até ao final de maio. A resposta dos socialistas foi que não aceitavam negociar, Pedro Nuno diria que o governo tentou “mercadejar” o fim do inquérito parlamentar.

No fim da noite, o líder socialista saía descontraído de uma entrevista de 50 minutos na TVI. De ambos os lados, apostam que vão ganhar a guerra das narrativas. A campanha começou.