Um estudo conduzido em 10 países europeus encontrou quase 200 pesticidas em amostras de pó recolhidas em casas. Os cientistas pedem uma avaliação mais rigorosa dos riscos combinados destes produtos químicos, incluindo os chamados “químicos eternos”.

O estudo, realizado em 2021, envolveu casas de 10 países e revelou a presença de 197 pesticidas no total, o maior do género até à data.

Os cientistas responsáveis pelo estudo defendem que os reguladores devem considerar os “cocktails tóxicos” de substâncias químicas ao decidir sobre proibições ou restrições.

Sublinham que a avaliação de riscos deve ter em conta não só os efeitos individuais dos pesticidas, mas também a forma como interagem entre si. Essa abordagem deve aplicar-se tanto a substâncias já em uso como às que ainda aguardam aprovação.

Katarzyna Grzebyk / 500px

Efeitos tóxicos e exposição elevada em lares de agricultores

Mais de 40% dos pesticidas detetados nas casas europeias estão associados a efeitos tóxicos graves, como cancro e perturbações do sistema endócrino em seres humanos.

O número de pesticidas variou entre 25 e 121 por casa, sendo os níveis mais elevados registados em habitações de agricultores.

“Temos muitos estudos epidemiológicos que demonstram a existência de doenças associadas a misturas de pesticidas”, afirmou ao jornal The Guardian o professor Paul Scheepers, do Instituto Radboud de Ciências Biológicas e Ambientais, nos Países Baixos.

Sapatos, animais e produtos de consumo como fontes de contaminação

Segundo os investigadores, os pesticidas chegam às casas através de várias vias.

“Se não tirarmos os sapatos à porta, acabamos por trazer sujidade do exterior para o interior e ingerimos parte dela. Os animais de estimação também são uma fonte importante de contaminação”, explicou Scheepers.

Além disso, produtos domésticos que contêm pesticidas - como tratamentos contra pulgas e carraças - e frutas, legumes e flores adquiridos em lojas são fontes adicionais de exposição.

Apesar das baixas concentrações individuais encontradas, os cientistas alertam que a combinação de dezenas de produtos químicos pode representar um risco significativo para a saúde.

Pesticidas persistem no ambiente décadas após proibição

O estudo detetou resíduos de DDT, um pesticida proibido em vários países desde 1972. Para Scheepers, este dado reforça a necessidade de avaliar a persistência ambiental das substâncias químicas.

“Muitos produtos, como os PFAS , permanecerão no ambiente durante décadas, mesmo que fossem proibidos agora”, alertou o cientista.

O que são os químicos eternos?

Peter Dazeley

Os poluentes ou químicos eternos, como os PFAS (substância per- e polifluoroalquiladas), são um grupo de compostos químicos sintéticos caracterizados pela sua extrema persistência no ambiente e no organismo humano.

Usados numa vasta gama de produtos de consumo e processos industriais, estão associados a doenças como cancro, disfunções hormonais e problemas no sistema imunitário.

​Alguns exemplos de PFAS e compostos relacionados:

  • Ácido perfluorooctanoico (PFOA) Usado em produtos como tecidos impermeáveis, antiaderentes e espumas de combate a incêndios.
  • Ácido perfluorooctano sulfonico (PFOS) Usado em espumas de combate a incêndios e em produtos de impermeabilização, como carpetes e tecidos.
  • Perfluorohexano sulfonato (PFHxS) Encontrado em produtos de impermeabilização, como roupas e tecidos, além de espumas contra incêndios.
  • Ácido perfluorobutanoico (PFBA) Usado no fabrico de produtos que resistem à água, óleo e manchas.
  • Ácido perfluoropropano sulfonato (PFPS) Utilizado em espumas de combate a incêndios e em produtos de proteção para tecidos.
  • Perfluorotridecano (PFTrDA) Usado em produtos que requerem repelência à água e óleo, como roupas impermeáveis.
  • Ácido perfluorooctanoic (PFNA) Encontrado em espumas de combate a incêndios e em produtos químicos industriais.
  • Perfluorociclohexano (PFCAs) Um grupo de compostos usados em diversos produtos, incluindo antiaderentes e repelentes de manchas.
  • GenX Substituto para o PFOA, utilizado na produção de plásticos e em produtos industriais.
  • Perfluorotetradecano (PFTeDA) Usado em revestimentos industriais e produtos de consumo.
  • Perfluorohexanoico (PFHxA) Usado em espumas de combate a incêndios e também encontrado em produtos de consumo, como roupas impermeáveis.

Além dos PFAS, existem outras substâncias químicas que também são consideradas altamente persistentes e problemáticas, mas o grupo dos PFAS é o mais amplamente discutido como “químico eterno”.

Substâncias químicas perigosas: como a UE as fiscaliza

A União Europeia está a intensificar os esforços para controlar os chamados "químicos eternos", em particular os PFAS, devido à sua persistência ambiental e potenciais riscos para a saúde humana.​

Em fevereiro de 2023, aAgência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), em colaboração com autoridades da Dinamarca, Alemanha, Países Baixos, Noruega e Suécia, apresentou uma proposta para restringir cerca de 10 000 PFAS. Esta proposta visa limitar o fabrico, comercialização e uso dessas substâncias na União Europeia, com o objetivo de reduzir as emissões e a exposição humana e ambiental.

Além disso, a Comissão Europeia adotou medidas específicas ao abrigo doregulamento Reach (Registration, Evaluation, Authorisation and Restriction of Chemicals) para restringir o uso de certos subgrupos de PFAS, como o PFHxA e substâncias relacionadas, devido à sua elevada persistência e mobilidade na água, com riscos inaceitáveis para a saúde humana e o ambiente. ​

No que diz respeito aos pesticidas, a Comissão Europeia implementou programas de controlo coordenado para monitorizar os resíduos de pesticidas em alimentos de origem vegetal e animal, avaliando a exposição dos consumidores a estes resíduos. Estes programas visam garantir o cumprimento dos limites máximos de resíduos estabelecidos e proteger a saúde pública. ​

O que está a fazer a Comissão Europeia

A Comissão Europeia pretendia rever o regulamento Reachem 2022, para o tornar drasticamente mais rígido e reduzir os riscos ambientais e para a saúde.

Mas o executivo europeu já adiou várias vezes esta revisão, nomeadamente em nome da preservação de “regras justas” entre as empresas europeias e a concorrência internacional.

No início do seu segundo mandato, a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, prometeu “simplificar o Reach” e clarificar a legislação sobre os “poluentes eternos”,estas substâncias químicas sintéticas com um longo ciclo de vida, presentes em enorme escala na vida quotidiana.

O processo foi confiado à sueca Jessika Roswall, Comissária Europeia responsável pelo Ambiente, e ao francês Stéphane Séjourné, vice-presidente responsável pela Estratégia Industrial para apresentarem uma proposta legislativa em 2025.