
As fotos de imigrantes a combater a incêndios em Portugal são reais e não foram criadas por Inteligência Artificial, contrariamente ao que foi alegado em várias publicações nas redes sociais. No entanto, é verdade que um jornal do Bangladesh publicou versões destas imagens que foram melhoradas numa ferramenta de IA.
Nos últimos dias, as redes sociais portuguesas encheram-se de denúncias sobre a alegada encenação de algumas fotos de imigrantes a apagar fogos em Portugal, bem como da utilização de fotos falsas ou geradas por IA por parte de vários órgãos de comunicação social nacionais, incluindo a agência Lusa.
As primeiras críticas surgiram na tarde de domingo, dia 24, com várias publicações no X (antigo Twitter), algumas em tom xenófobo, a apontar o dedo ao site “Notícias ao Minuto”, por ter publicado uma fotografia de um "muçulmano de fato limpinho" (exemplos: https://archive.is/bDxiP, https://archive.ph/5djXW).
Ao final da tarde, as críticas visavam também uma publicação do Expresso com a mesma foto (https://archive.ph/e5AM1) e passaram a questionar a sua autenticidade, com vários utilizadores a considerarem tratar-se de uma foto gerada por IA (exemplo: https://archive.ph/BBxmy).
Estas críticas alargaram-se a outras fotos também em circulação, nomeadamente à de um grupo de sapadores florestais sentados numa mesa corrida, com alegados indícios de ter sido manipulada por IA: https://archive.ph/Cbv6n.
Na segunda-feira, já havia quem insinuasse que as duas fotos tinham sido geradas pela própria agência Lusa, para acompanhar um artigo sobre os imigrantes que combatem fogos em Portugal, e posteriormente replicadas por vários órgãos de comunicação social.
Factos: são fotos de locais e pessoas reais mas circulam versões "melhoradas" com IA
A Agência Lusa não criou, difundiu ou publicou as fotografias em causa. Os órgãos de comunicação que as publicaram em artigos próprios ou associadas a um texto da Lusa, como o Notícias ao Minuto (https://archive.ph/T3HAW) e o Expresso (https://archive.ph/leuYN), encontraram-nas nas redes sociais ou na página de um jornal do Bangladesh.
O artigo da Lusa sobre a integração de migrantes no combate a incêndios no centro do país (https://archive.is/1r3aq), que foi reproduzido em vários media, foi ilustrado por uma fotografia recente do fotojornalista Paulo Novais, de um incêndio na Pampilhosa da Serra (https://archive.is/tZAoW).
Uma simples pesquisa reversa permite encontrar a origem das fotos polémicas num artigo publicado na quarta-feira, dia 20, no jornal Dhaka Post, sobre um grupo de cidadãos daquele país que estava a ajudar no combate aos fogos em Portugal, nomeadamente em Oliveira do Hospital: https://archive.ph/gp6Fr.
Pesquisas adicionais identificaram também versões dessas três fotografias em publicações no X (https://archive.ph/jictE), Facebook (https://archive.ph/dzswi e https://archive.ph/orvpN) e TikTok (https://archive.ph/f5ZpF), embora uma análise mais atenta às versões publicadas no Dhaka Post haja indícios de que houve de facto algum tipo de edição.
Para esclarecer essa dúvida, a Lusa Verifica falou com alguns dos sapadores florestais retratados e contactou o jornalista que escreveu o artigo, Farid Ahmed Patwary, um cidadão bengali que vive em Portugal e que colabora com esse jornal, e que admitiu que utilizou uma ferramenta da IA para melhorar a qualidade das imagens.
"Como a resolução das imagens não era boa, apenas aumentei a resolução usando o Picsart e só fiz o 'crop' (recorte). Não fiz qualquer edição adicional nas imagens que são reais e foram-me enviadas por dois sapadores florestais", afirma Farid.
No entanto, a comparação das várias versões em circulação e com outras imagens originais ainda não publicadas, a que a Lusa Verifica teve acesso, permite constatar que a tentativa de melhoramento feita no Picsart resultou de facto na alteração de alguns pormenores em algumas imagens, mais notórios na foto em que o grupo está à mesa.
Imagem mostra pessoas reais num local real: a praia fluvial de Alvoco das Várzeas
Na versão do Dhaka Post é evidente a desfiguração dos logotipos da marca de cerveja dos copos de plástico e da garrafa de refrigerante em segundo plano, entre outros pormenores (https://archive.ph/6AKUj).
Mas isso não significa que a foto não mostre pessoas reais, como demonstra a comparação com uma das versões não editadas dessa imagem (https://archive.is/SCmOy), que também permite geolocalizar o local na praia fluvial de Alvoco das Várzeas: https://maps.app.goo.gl/azVqFwSawwhfPNcX6.
É também isso que garante o presidente da Caule - Associação Florestal da Beira Serra, à qual pertencem aqueles sapadores florestais. “As fotos são verdadeiras, foram tiradas pelos nossos engenheiros e sapadores, e partilhadas num grupo interno de WhatsApp que temos na associação”, afirma Vasco Campos.
Este responsável diz lamentar a polémica em torno das fotos e assegura que não há nada de falso no trabalho que a Caule faz há 25 anos. “Sempre tivemos trabalhadores estrangeiros. Neste momento são 20 dos 30 que integram as nossas equipas. São pessoas do Bangladesh, Paquistão, Índia, Angola e Marrocos, todos integrados e alguns já com famílias a trabalhar e a viver também em Portugal.”
Quanto às dúvidas sobre o fardamento, assume que um dos sapadores surge com a farda de silvicultura e não com o equipamento de combate a incêndios, mas não considera o caso relevante. “Essa é uma falsa questão. O que havíamos de fazer, mandá-lo embora num momento em que estávamos em guerra, como estivemos durante dez dias?”, desabafa.
Avaliação Lusa Verifica: Falso. É falso que a Agência Lusa criou, difundiu ou publicou fotografias encenadas ou geradas por IA para ilustrar um artigo sobre o papel dos imigrantes no combate aos fogos no interior do país.
As imagens publicadas em vários órgãos de comunicação social foram copiadas das redes sociais dos próprios sapadores florestais e de um jornal do Banglasdesh que publicou versões dessas fotografias reais "melhoradas" por uma ferramenta de IA.