O Governo entregou hoje no parlamento uma proposta para alterar a Lei da Nacionalidade, que diz contrariar o "efeito de chamada" de imigrantes e a visão de que Portugal tem uma "cidadania fácil" para os estrangeiros.

Nas alterações ao regime jurídico da atribuição e da aquisição da nacionalidade, o Governo alega querer contrariar a "ideia entretanto disseminada externamente de que a nacionalidade portuguesa é uma 'nacionalidade fácil'", que "agravou ainda mais o efeito de chamada, com múltiplas vias de acesso, algumas delas sem precedentes".

Com o diploma atualmente em vigor, "a nacionalidade portuguesa é utilizada como uma nacionalidade de conveniência", muitas vezes com "o propósito principal de aceder à cidadania europeia, fazendo de Portugal um ponto de passagem para outros Estados-Membros da União Europeia, mais prósperos economicamente e com políticas de imigração e de nacionalidade bem mais restritivas", refere a proposta.

"Num contexto político em que as questões das migrações e da cidadania estão na ordem do dia em quase todo o mundo, os regimes de nacionalidade adotados por um Estado-Membro têm consequências em todos os demais", pelo que "é já possível identificar sinais de alguma descredibilização da nacionalidade portuguesa" na Europa, "com muitos titulares de passaporte português, oriundos dos quatro cantos do globo, mas que na realidade nunca tiveram com Portugal uma conexão efetiva e genuína", pode ler-se no diploma, que acrescenta que este "regime de acesso à nacionalidade altamente permissivo e volátil é também danoso para a credibilidade da política externa do Estado português".

O novo diploma cria novos prazos de residência para aceder à nacionalidade portuguesa: quatro anos para apátridas, sete anos para os cidadãos de países lusófonos e dez anos para os cidadãos de outros terceiros.

Sobre a perda de nacionalidade por naturalização, o diploma prevê um período de 10 anos durante o qual o beneficiário pode perder esse direito, "caso quebre ostensivamente esse compromisso, através da prática de determinados crimes graves (e aos quais cabe uma pena relativamente pesada de cinco anos, de acordo com os padrões legais portugueses)".

Contudo, "considerando o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, a perda da nacionalidade (ainda que recentemente outorgada) terá sempre de ser ponderada em concreto e aplicada por um juiz, em conformidade com parâmetros definidos por lei", refere ainda o diploma, que tem sido acusado de inconstitucionalidade por parte dos partidos da oposição.

Em vez de um ano, passa a três o prazo mínimo de residência dos progenitores que queiram naturalizar uma criança nascida em Portugal e o procedimento deixa de ser automático, passando a ser necessária uma "declaração positiva de vontade, naturalmente a cargo do progenitor".

Além dos requisitos de conhecimento de português, passa a ser exigido "conhecimento, por parte do requerente, dos direitos e deveres fundamentais associados à nacionalidade e da organização política da República" e "uma declaração pessoal e solene de adesão aos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático, tal como configurado constitucionalmente".

Além disso, "é elevado o padrão de exigência respeitante ao percurso criminal do requerente, inviabilizando-se a naturalização daqueles que foram condenados a penas efetivas de prisão (em vez dos três anos da versão em vigor)", pode ler-se no diploma.

Na introdução, o Governo recorda as alterações da lei de 1981, incluindo mudanças em 1994 e em 2018, que definiram regras para a naturalização de estrangeiros ou o reconhecimento dos direitos de lusodescendentes.

O diploma evoca a "visão ancestral da nacionalidade, não apenas como a tradução jurídica de um vínculo de pertença efetiva e de identificação cultural entre uma pessoa e um Estado, mas como um vínculo de verdadeira fidelidade e, consequentemente, de natureza exclusiva".

Em 1994, a lei foi alterada para impor um tempo de residência mínimo entre seis e dez anos, "consoante o indivíduo em causa fosse cidadão de um país de língua oficial portuguesa ou de um Estado terceiro" e começou a ser exigida a "necessidade de o requerente da naturalização demonstrar a existência de uma ligação efetiva à comunidade nacional".

Em 2018, foi reduzido para cinco anos o prazo geral de acesso à naturalização e foram multiplicadas as "vias de acesso à nacionalidade com dispensa de parte dos requisitos gerais", provocando "consequências muito negativas em diferentes domínios da vida coletiva", pode ler-se na proposta de lei.

Esta alteração à lei da nacionalidade permitiu "uma subida acentuada do número de nacionalidades concedidas a quem não tinha (e eventualmente nunca terá) uma ligação sólida com a comunidade política, bem como um enorme acréscimo do número de pedidos pendentes de decisão, com grande sobrecarga dos serviços públicos competentes".

Além disso, "produziu um efeito absolutamente desestruturante das já muito frágeis políticas públicas de imigração", acusa o atual governo, sublinhando o "surto migratório abrupto e desregulado" em curto tempo, a que se somou "um acréscimo de registos de nacionalidade originária e de pedidos de naturalização, com frequência não consubstanciados numa residência regular e, menos ainda, numa verdadeira integração do requerente na comunidade nacional".

Segundo o diploma, "a concessão da nacionalidade portuguesa não faz desaparecer por milagre os problemas associados a uma política de imigração permissiva e desacompanhada de medidas concretas de integração a jusante".

Isto porque, "apesar de as pessoas em causa deixarem de ter formalmente a condição de estrangeiros, continuam a enfrentar problemas de exclusão social, de pobreza, de acesso ao mercado de trabalho, à educação e à cultura e até problemas de segregação urbanística", com os "problemas mais complexos de integração" a não serem "resolúveis por decreto", com a atribuição da nacionalidade portuguesa.