
O compromisso assumido com a NATO para o investimento em Defesa, de 2% do PIB este ano e 5% até 2035, vai colocar pressão sobre as contas públicas e pode comprometer o excedente, alertam economistas e instituições nacionais.
Antes do Governo ter decidido antecipar a meta, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) estimava que se se atingisse o gasto de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em Defesa, em 2029, esse esforço poderia agravar o défice orçamental para 1,2% do PIB.
Numa projeção elaborada tendo em conta uma convergência linear em quatro anos, considerando um acréscimo anual de 0,125 pontos percentuais (p.p.) do PIB até serem atingidos os 2% de despesa com Defesa em 2029, "chegar-se-ia nesse ano a um défice orçamental 0,6 p.p. do PIB mais elevado do que projetado em políticas invariantes e o rácio da dívida pública agravar-se-ia em 1,3 p.p. do PIB".
Segundo as estimativas do CFP divulgadas em abril, num cenário em políticas invariantes, ou seja, se não forem tomadas novas medidas, o défice estimado é de 0,6% do PIB, enquanto que se fosse incluído o aumento do gasto na Defesa para 2% do PIB nas contas, o défice seria de 1,2%.
Já o rácio da dívida pública é projetado em 85,4% do PIB em políticas invariantes, em 2029, e em 86,6% caso a meta de despesa fosse atingida nesse ano.
"Em termos de efeito direto nas finanças públicas este acréscimo reflete-se inteiramente em despesa primária agravando o saldo orçamental e a dívida pública", conclui o CFP.
Já mais recentemente, no relatório sobre as Contas das Administrações Públicas: janeiro a março de 2025, a UTAO alertou que se adensam, "predominantemente, riscos orçamentais descendentes sobre a execução orçamental".
Entre estes riscos encontra-se "o reforço da despesa com a Defesa, destinada a assegurar o cumprimento, já em 2025, do objetivo de alocação de 2% do PIB à Defesa de acordo com o 'critério NATO', que terão impacto no resto do ano", indicou a UTAO.
O Fórum para a Competitividade também salientou que "Portugal poderá atingir os 2% do PIB em 2025, o que deve significar um aumento médio de 0,3% do PIB por ano até 2035, cerca de 900 milhões de euros adicionais por ano, a preços de 2025".
"Insistimos que, se não forem realizadas reformas de aumento do potencial de crescimento da economia, isto colocará uma pressão orçamental muito forte sobre a restante despesa pública, em particular a despesa com pensões, saúde, educação e restantes sectores nos próximos dez anos", lê-se no boletim.
O alerta também foi feito pelo BPI Research, que escreveu numa nota de análise que alguns fatores apontam para um ligeiro défice orçamental em 2025, incluindo "a antecipação do cumprimento do objetivo de gastos com defesa no âmbito da NATO", que deverá "colocar pressão adicional".
Nelson de Souza, ex-ministro, também alertou na conferência Economia da Defesa, no final de junho, que "a despesa tem de ir para o Orçamento do Estado mais cedo ou mais tarde", sendo que "se não for na altura do empréstimo, tem de ir".
"É o que esta a suceder com o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], que não foi na altura que devia e em 2026 vai aterrar como despesa e até vai aumentar défice", alertou.
Desta forma, apesar da medida ser positiva para Portugal não ser penalizado em termos do procedimento por défice excessivo, para a imagem externa, os valores do rácio da dívida continuam a contar, salientou.
Apesar destes avisos, o Governo mantém a expectativa de um excedente de 0,3% do PIB. Na segunda-feira, o primeiro-ministro manteve a convicção de que o país terá excedente orçamental no final do ano e salientou que, no futuro, o Governo "terá de ter uma gestão orçamental que vá alocar para a área da defesa maior investimento do que aquilo que é a tradição dos últimos anos".
Portugal ativou a cláusula que permite que o aumento nos gastos em defesa até 1,5% do PIB entre 2025 e 2028 não seja contabilizado nos défices públicos, pelo que terá de ter isso em conta no orçamento este ano.
Sector da Defesa conta com mais de 400 empresas e AIP quer apoiar acesso a financiamento
O número de empresas no setor da Defesa já supera as 400, segundo a IdD Portugal Defence, e com o crescimento de instrumentos de financiamento, a AIP tem um projeto para apoiar cerca de 40 empresas nas candidaturas.
À agência Lusa, o presidente do Conselho de Administração da IdD Portugal Defence, a 'holding' estatal que gere as participações públicas nas empresas do setor, Ricardo Pinheiro Alves, adiantou que o universo de empresas portuguesas com atividade na área da Defesa já ascende a "mais de 400".
Questionado sobre se a burocracia ainda é um problema neste setor, Ricardo Pinheiro Alves respondeu que "a burocracia é um problema em todas as áreas".
Para ajudar com estas questões burocráticas e o acesso a mais instrumentos de financiamento, a Associação Industrial Portuguesa (AIP) tem um projeto para apoiar cerca de 40 empresas na submissão de candidaturas, disse à Lusa.
O investimento em Defesa tem sido um dos temas em destaque nos últimos tempos, nomeadamente devido aos conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente, com a Comissão Europeia e a NATO a incentivarem a despesa nesta área e desenvolverem programas de financiamento.
Além do Fundo Europeu de Defesa, o presidente da AIP, José Eduardo Carvalho, diz que a associação está também atenta a "programas e instrumentos diretamente geridos pela NATO, como é o caso do programa DIANA e o Fundo de Capital de Risco (FIN -- Nato Innovation Fund) que está fortemente capitalizado".
Para poder apoiar este processo, a AIP tem um projeto que "permite identificar as potenciais empresas candidatas a estes programas e instrumentos, assegurar assistência técnica no cumprimento dos requisitos prévios de elegibilidade e apoiar a preparação de candidaturas e acompanhamento das mesmas junto das entidades financiadoras", segundo indicou o responsável à Lusa.
O projeto tem também uma vertente de licenciamento de normas e requisitos aplicáveis ao setor da defesa e a AIP conta "apoiar e envolver 40 empresas na submissão de candidaturas a este programa".
José Eduardo Carvalho sinaliza ainda que este é um setor onde "o peso das grandes empresas é significativamente maior do que o peso que elas têm na economia nacional".
O presidente da AIP destaca que o aumento do investimento na defesa "está a despertar uma crescente expectativa não só sobre a estratégia, como nas áreas em que Portugal irá concentrar o seu investimento e respetivos programas de financiamento".
Numa conferência sobre a economia da Defesa, organizada no final de junho, o responsável também tinha alertado que existe "pouca informação estatística sobre o contributo da indústria da Defesa na economia nacional" e que os dados divulgados por algumas instituições estão desatualizados.
Interrogado sobre o facto de apenas serem conhecidos dados sobre o setor de 2023 ou parciais de 2024, e vários especialistas alertarem para esta dificuldade, Ricardo Pinheiro Alves salientou que a "Informação Empresarial Simplificada de 2024, que reporta as contas individuais das empresas, ainda não está disponível".
"Há dados que são conhecidos, como o número de empresas que atuam na Defesa ou os que resultam da Conta Geral do Estado e da atividade do Ministério da Defesa e dos Ramos", acrescentou.
Esta semana, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou que o Governo pretende apresentar alterações legislativas para "acelerar procedimentos" na área da Defesa.
"Quisemos, propositadamente, inscrever o investimento na área da Defesa como um dos elementos da reforma da administração que está em curso. É também aqui que nós queremos ter um Estado mais expedito, que resolve mais rápido. Para isso, muito brevemente, apresentaremos um conjunto de alterações legislativas que vão ser também relevantes para acelerar os procedimentos", anunciou Luís Montenegro.