À terceira foi de vez. Se nos ataques de abril e outubro do ano passado Israel alvejou as capacidades militares e o programa nuclear iraniano, numa estratégia essencialmente preventiva, agora o alvo foi, de forma clara, o próprio regime dos Ayatollahs. Só assim se explicam as dezenas de mísseis israelitas que caíram em zonas residenciais de Teerão, sobretudo nos seus subúrbios norte, de classe média, onde residiam muitos dos 20 generais e comandantes da mais alta hierarquia militar iraniana, eliminados numa operação que certamente demorou meses a preparar. Estes ataques terão também provocado mais de 100 vítimas civis.

Entre os mortos estão o todo-poderoso comandante da Guarda Revolucionária Iraniana, Hossein Salami, o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas do país, General Mohammad Bagheri, o comandante da Força al-Quds da Guarda Revolucionária Iraniana, Esmail Qaani, o General-Brigadeiro Amir Ali Hajizadeh, chefe do comando aeroespacial da mesma Guarda, o comandante do Khatam al-Anbiya, a unidade estratégica para a defesa aérea, Major-General Gholam Ali Rashid, o Brigadeiro-General Taher Pour, comandante das unidades de drones da Guarda Revolucionária, e o Brigadeiro-General Davood Sheikhian, comandante da defesa aérea da mesma Guarda Revolucionária.

Só com esses objetivos – o de tentar eliminar a hierarquia de poder iraniana, se compreende que Israel tenha eliminado conselheiros do líder supremo do Irão, Ali Khamenei, tal como Ali Shamkhani, um almirante da Marinha que se tornou secretário do Conselho Supremo de Segurança Nacional durante os últimos dez anos, sendo agora membro de um conselho político que aconselhava o líder supremo, e um dos principais estrategas das negociações sobre o dossier nuclear iraniano.

A operação israelita estaria a ser preparada há muitos meses, porque, para além dos bombardeamentos aéreos mais convencionais – foram usados mais de 200 aviões nas primeiras três vagas de ataque, modelos F-15, F-16 e mesmo os moderníssimos F-35 –, a operação incluiu dezenas de ataques realizados por ativos da Mossad, de nacionalidade incerta, que atuaram perto das bases militares iranianas, enviando drones e ativando explosivos colocados anteriormente para destruir sistemas de defesa antiaérea ou rampas de lançamento de mísseis, num modus operandi muito semelhante ao usado pela Ucrânia nos recentes ataques a cinco bases aéreas russas. Este conflito confirma também uma profunda mudança nas estratégias e métodos de guerra.

EUA sabiam do ataque – e conspiraram?

As primeiras reações americanas desmentiram envolvimento direto, e falavam de uma “operação unilateral de Israel”, como escreveu o Secretário de Estado americano Marco Rubio, logo às primeiras horas da manhã, mas a verdade é que é agora por demais evidente que a administração americana sabia de antemão – provavelmente desde segunda-feira, quando os o presidente americano Donald Trump e o chefe do Executivo israelita Benjamin Netanyahu falaram ao telefone sobre a situação no Irão.

Uma análise atenta ao chamado “índice pizza” da região do Pentágono – uma métrica usada por alguns observadores mais astutos, que mede o número de encomendas de pizzas para o Pentágono num determinado momento, sugere que as equipas americanas estavam à espera e a postos para esta operação: na sexta-feira à noite, o número de encomendas disparou, indicando que havia centenas de olhos nos ecrãs no centro militar americano. “Devia estar mais atento à fast food”, ironizou Ragip Soylu, um analista político turco.

A grande questão é saber se os americanos apenas foram informados – ou conspiraram com os israelitas para apanhar os iranianos de surpresa. “Sim, demos informações antes da operação. O que é que eles farão? Deixo as decisões para o presidente Trump. Ele toma as suas decisões de forma independente”, ironizou Netanyahu.

Há quem diga que a sexta ronda negocial de conversações entre americanos e iranianos, prevista para este domingo no Omã, seria apenas uma cortina de fumo para relaxar os iranianos e permitir a Israel atacar de surpresa. De facto, os sessenta dias dados por Trump a Ali Khamenei, na sua carta enviada no início de abril, propondo um prazo para negociações sob pena de medidas mais severas, terminaram ontem. O timing não poderia ser mais sugestivo. Netanyahu (e Trump) podem agora argumentar que deram espaço à diplomacia e só atuaram quando o prazo tinha acabado, sem que o Irão tivesse concordado em parar o programa de enriquecimento de urânio.

Netanyahu marca a agenda

Com participação mais ou menos passiva, a verdade é que Trump vê-se, de certa forma, ultrapassado pelos acontecimentos, com Netanyahu a marcar a agenda. Gaza passou agora para segundo plano – mesmo a desconfortável cimeira sobre a solução de dois estados para o conflito Israelo-palestiniano, patrocinada pela França e pela Arábia Saudita, planeada para a próxima semana, já foi, entretanto, adiada. “A coligação governamental em Israel ficou ainda mais forte”, escreveu Soylu.

O próprio líder da oposição israelita, Benny Gantz, veio apoiar o governo: “O Estado de Israel começou uma operação estratégica de alto nível. Nesta hora histórica, estamos todos unidos e a apoiar as nossas forças armadas”, escreveu.

E Trump, que prometeu à sua base de apoio MAGA parar com as aventuras bélicas e concentrar-se em resolver os problemas internos, vê expostas as suas fragilidades: prometeu resolver as três grandes guerras que afetam o planeta – Gaza, Ucrânia e o conflito com o Irão. Pelo contrário, as três estão ao rubro, e a última poderá mesmo arrastar os americanos para um conflito regional – caso os iranianos decidam retaliar também contra alvos americanos.

Três grandes interrogações

São três as grandes incógnitas do momento. Conseguirá o regime dos Ayatollahs sobreviver? Israel já disse que não vai parar a ofensiva, e que se podem esperar novas vagas de ataques. Teerão foi lesto a substituir as chefias militares – já confirmou o Major-General Mohammad Pakpour como novo chefe da Guarda Revolucionária, e nomeou um novo chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, depois da morte de Bagheri. Não há, com exceção de algumas milícias separatistas curdas no noroeste do país, e de tribos armadas na fronteira com o Paquistão, uma verdadeira oposição armada ao regime. E em momentos de ataques externos, a população costuma cerrar fileiras em torno de ideias nacionalistas.

Se o regime sobreviver, conseguirá retaliar? O nível de destruição resultante dos ataques israelitas sugere que as capacidades operacionais das forças armadas iranianas foram praticamente dizimadas – o ataque destruiu aeroportos militares, várias bases da Guarda Revolucionária, estações de lançamento de mísseis, sistemas de defesa antiaérea, fábricas de mísseis e de drones. Durante o dia, e agora também ao início da segunda noite de operações, a Força Aérea israelita parece ter atuado sem qualquer limitação. “Se os ataques de abril e outubro de 2024 foram humilhantes para Teerão, o que estamos a ver agora é muito mais do que isso. O Irão é apenas um observador do que está a acontecer no seu próprio país”, escreveu hoje Charles Lister, um especialista da região do Instituto do Médio Oriente, um think-tank americano. “O regime iraniano pode, de facto, estar enterrado numa ameaça existencial à sua sobrevivência.”

Conseguirá o Irão retomar o seu programa de enriquecimento de urânio? Será que este regrediu meses – ou anos? A Organização Iraniana para a Energia Atómica já confirmou alguma contaminação radioativa na base de Natanz, mas afirma que esta não é grave – sinal de que os estragos podem ter sido limitados? Os principais centros nucleares iranianos – com exceção da central de Bushehr, na costa do Golfo Pérsico, foram atacados, por vezes em vagas sucessivas. Mas nas instalações de Fordow (perto de Qom) e de Natanz (perto de Isfahan), ambas no centro do Irão, parte dos laboratórios é subterrânea. Conseguiram os mísseis israelitas penetrar esses bunkers reforçados? Ou procurará agora o Irão, desenvolver a bomba atómica? “O mundo percebe agora a insistência do Irão no enriquecimento, tecnologia nuclear, e poder de mísseis. O inimigo provou que estavamos certos. E começar uma guerra com o Irão é brincar com a cauda do leão. O fim desta história será escrita pelo Irão!”, lia-se num comunicado do Governo iraniano, emitido esta manhã.

E finalmente: a retaliação será apenas contra alvos israelitas, em Israel ou no estrangeiro (pelo sim, pelo não, o Governo israelita já fechou as suas embaixadas no exterior)? Ou incluirá interesses americanos na região – nomeadamente as bases no Iraque ou na Síria, ou mesmo no Golfo Pérsico?

Condenação mundial – apoio europeu

Outra nota a reter é a clivagem evidente nas reações internacionais. A generalidade dos países condenou os ataques israelitas, com quase todos a referirem uma “violação do direito internacional” e apelando a negociações. Pelo contrário, os grandes países europeus, e os EUA, reiteraram o “direito à autodefesa” por parte de Israel e acusaram o Irão de ter prosseguido com o seu programa nuclear, apesar de todos os avisos.

É certo que algumas dessas condenações são lágrimas de crocodilo – países como a Turquia e a Arábia Saudita até beneficiam com o enfraquecimento do Irão, mas ninguém no mundo muçulmano poderá apoiar abertamente as ações do regime de Netanyahu.

Para já, muita preocupação. Os espaços aéreos de Israel, Jordânia, Iraque e Irão estão fechados, e as escolas em Israel encerradas. “Há mais na calha, muito mais”, ameaçou Trump hoje. “Todos os líderes iranianos que conspiraram para evitar um acordo com os EUA estão mortos, e os próximos ataques de Israel serão ainda mais brutais.”

O ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Abbas Aragchi, já enviou uma carta às Nações Unidas, afirmando que a operação israelita “ultrapassou todas as linhas vermelhas” e está a ser considerada “uma declaração de guerra por parte de Israel”.