Ainda se contam votos, mas uma coisa é certa: Trump regressa em grande à Casa Branca. Assim, com uma vitória inequívoca sobre a atual Vice-Presidente, Kamala Harris, e com uma maioria no Congresso à vista, Trump tornar-se-á no Presidente mais velho da história dos Estados Unidos da América (EUA), no primeiro a assumir o cargo enquanto criminoso condenado e, sobretudo, numa grande dor de cabeça para a Europa. Saberemos como lidar?
Com base nas reações deste lado do Atlântico, não. Parece mesmo verificar-se uma certa incompreensão dos europeus face às escolhas dos americanos (e não me refiro apenas ao tamanho do café). A grandeza americana fascina-nos – é certo –, mas não compreendemos o seu estilo de vida, nem como organizam as suas cidades, ou o seu sistema social. E, não sendo certo que Trump vencesse a eleição presidencial da passada terça-feira – as sondagens e estudos de opinião indicavam que qualquer um poderia vencer –, claramente não compreendemos como possa ter ganho, apesar de expectável. Talvez não ganhasse na Europa, mas os EUA não são a Europa – por muito que nos custe entender.
Existem valores partilhados entre os dois lados do Atlântico, no entanto, nem por sermos aliados somos idênticos. Custa-nos verdadeiramente perceber que assim seja – e, em parte, é compreensível, pois é uma realidade distante. Todavia, efetivamente, temos identidades culturais e formas de pensar distintas. Por um lado, os americanos são bastante pragmáticos – e assertivos, é claro. Por outro, nós, europeus, eternos sonhadores, vemo-nos frequentemente atarantados no nosso intelectualismo e ingenuidade. Sonhemos, até porque a promoção da paz, dos valores europeus e do bem-estar dos cidadãos deve ser prioridade na nossa agenda, sempre. Mas que não o façamos de olhos fechados.
Recordo-me de um diálogo intrigante que tive quando cheguei a Washington, no início do mandato do Presidente Biden. Então, perante uma certa estupefação da minha parte, o diplomata sénior que acabara de conhecer declarou: “Bem-vindo à América. Aqui, ‘money talks and bullshit walks’”. No momento, chocou-me, confesso, mas aprendi uma valiosa lição: podem até existir pontos em comum, mas as prioridades são outras e as regras do jogo totalmente diferentes. Ora, é fundamental que interiorizemos bem esta ideia e que não nos deixemos levar por narrativas fantasiosas, particularmente por aquela que surgiu logo após ser conhecido o vencedor desta eleição presidencial (que não é inovadora e que persistirá nos próximos tempos), segundo a qual a Europa precisa de investir na sua autonomia agora que Trump foi reeleito.
A Europa precisa de investir na sua autonomia estratégica, sim, mas não porque Trump foi reeleito. Esta ideia de que há uma necessidade premente de investir em segurança, defesa, economia e tecnologia, impulsionada por um certo grau de incerteza vindo do outro lado do Atlântico, chega a ser embaraçosa – especialmente considerando que remonta a 2015, ano em que Trump anunciou a sua primeira candidatura à presidência norte-americana. Pouco foi feito durante o seu primeiro mandato, idem durante o mandato de Biden (houve até quem defendesse que a dita autonomia estratégica era uma ilusão e que seria melhor abandoná-la) e, francamente, considerando a fragilidade das atuais lideranças europeias e a conjuntura que se adivinha, receio que pouco se faça no novo mandato de Trump. Dito isto, quanto mais cedo reconhecermos as nossas diferenças, mais rapidamente seremos capazes de aprofundar a cooperação nas áreas de interesse comum.
No futuro, as relações transatlânticas continuarão recomendáveis e o sol continuará a brilhar. Não obstante, e independentemente de Trump e dos seus impulsos autoritários e protecionistas, há que querer compreender melhor a América. Sem abdicarmos da nossa identidade, há que procurar ser pragmático – não mais do que em concordância com o pragmatismo americano. Há que deixar de fantasiar e não sacudir a água do capote quanto ao que já devia ter sido feito e quanto ao que há a fazer. À boa maneira americana, há que saber criar e agarrar as oportunidades vindouras.