O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) da Rússia retirou esta quinta-feira o movimento talibã, que domina o Afeganistão, da sua lista de organizações terroristas, abrindo caminho para o reconhecimento pelo Kremlin das novas autoridades afegãs.

A decisão entra imediatamente em vigor, indicou o STJ russo, após o Gabinete do Procurador-Geral da Rússia ter pedido que os talibãs deixassem de ser um grupo terrorista, estatuto que mantinha desde 2003.

A decisão representa uma vitória diplomática para os talibãs, porque esse estatuto tornava qualquer contacto com o grupo punível ao abrigo da legislação russa.

Apesar da designação, delegações talibãs participaram em diversos fóruns organizados pela Rússia, numa altura em que Moscovo tem procurado afirmar-se como mediador regional.

A decisão do tribunal surge na sequência de um pedido do gabinete do Procurador-Geral e após a adoção, no ano passado, de uma lei que permite a suspensão judicial da designação oficial de uma organização como terrorista.

Em março, o Ministério Público russo solicitou a retirada dos talibãs da lista de organizações designadas como "terroristas" na Rússia e, consequentemente, proibidas.

Os talibãs, atualmente no poder no Afeganistão, tomaram Cabul, a capital, a 15 de agosto de 2021, após o colapso do governo apoiado pelos Estados Unidos, seguido poucos dias depois pela retirada total das tropas norte-americanas.

"Potenciais parceiros económicos e na luta antiterrorista"

Desde então, Moscovo tem procurado normalizar as suas relações com o novo regime afegão, que considera um potencial parceiro económico e na luta contra o terrorismo.

Contudo, a decisão do Supremo Tribunal russo não equivale, nesta fase, a um reconhecimento formal do governo talibã.

Este último não foi oficialmente reconhecido por nenhum país, devido, nomeadamente, à situação desastrosa dos direitos das mulheres no Afeganistão.

No entanto, além da Rússia, o Paquistão, a China, o Irão e a maioria dos países da Ásia Central mantêm relações diplomáticas de facto com o regime afegão.

Moscovo recebeu em diversas ocasiões emissários talibãs no seu território, mesmo antes do seu regresso ao poder.

A aproximação entre o Kremlin e Cabul pareceu acelerar-se após um atentado, em março de 2024, nos arredores de Moscovo: 145 pessoas foram mortas numa sala de concertos por quatro atiradores do grupo Estado Islâmico do Khorasan (EI-K), a filial regional da organização jihadista presente no Afeganistão.

Em julho de 2024, o presidente russo, Vladimir Putin, afirmou considerar os talibãs como "aliados na luta contra o terrorismo". Posteriormente, assinou no final de 2024 uma nova lei que permite às autoridades russas retirar o nome de um grupo da lista de organizações proibidas no país.

Segundo este texto, a proibição de uma organização pode, doravante, ser "temporariamente suspensa" pela justiça em caso de "provas reais" de que o grupo em causa deixou de promover "o terrorismo".

Em outubro de 2024, o chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, apelou ao Ocidente para que levante as sanções impostas ao Afeganistão e assuma a "responsabilidade" pela reconstrução do país, devastado por décadas de guerra.

O secretário do Conselho de Segurança russo, Serguei Shoigu, deslocou-se a Cabul no final de dezembro, numa rara visita de um alto responsável estrangeiro, durante a qual declarou querer reforçar a "cooperação" com o Afeganistão.

Vários dirigentes talibãs combateram Moscovo nos anos 1980, durante a guerra travada durante uma década no país pela antiga URSS.


Com LUSA