
Estão sempre disponíveis, ouvem sem julgar, respondem com empatia treinada a partir de milhões de dados. Prometem ajudar a lidar com a ansiedade, a tristeza, o stress ou a solidão. São "chatbots" desenhados para simular o papel de um psicólogo. Mas será que ajudam mesmo? Que vantagens e que riscos trazem?
Estas são algumas das questões abordadas no novo episódio do podcast "Que Voz é Esta?", do Expresso, que explora o impacto da inteligência artificial na saúde mental, numa altura em que proliferam robôs conversacionais que prometem “apoio psicológico e emocional permanente”.
Um dos convidados foi Francisco Valente Gonçalves, psicólogo clínico e diretor da Rumo, uma plataforma portuguesa especializada em saúde mental online que, desde 2022, está a desenvolver o Roomie, um "chatbot" com inteligência artificial pensado para dar apoio a pessoas com perturbações como ansiedade e depressão. O programa deverá ser disponibilizado gratuitamente até ao final deste ano.
“O objetivo não é substituir o profissional da psicologia”, sublinha. “Vem complementar o trabalho que já é feito, e bem feito, por profissionais da área da saúde mental. Pode ser uma ferramenta interessante para ser usada, por exemplo, entre consultas, sobretudo porque os psicólogos nem sempre conseguem responder de imediato a e-mails, mensagens ou chamadas dos pacientes", diz o também professor auxiliar na Universidade Europeia, em Lisboa.
O Roomie ainda está em fase de testes, mas Francisco Valente Gonçalves sublinha que os dados recolhidos até ao momento são promissores. “Encontrámos resultados que nos permitem afirmar que existe evidência de que o Roomie consegue dar respostas escritas que mimetizam, sem diferenças estatisticamente significativas, respostas com empatia, e que são úteis e estão alinhadas com as expectativas de quem pergunta.”
Mas há também quem olhe para este tipo de ferramentas com preocupação, como Miguel Ricou, presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. “O grande objetivo da intervenção psicológica é dar à pessoa a capacidade de fazer as suas escolhas e conseguir lidar com as suas dificuldades. Não é ter um agente que anda no bolso e a quem se pergunta, a cada momento, o que devo fazer, o que não devo fazer, o que está certo ou errado. Isso fomenta uma padronização dos comportamentos, em vez de se aceitar que as pessoas são diferentes, algo pelo qual se tem lutado ao longo da história dos direitos humanos", diz Miguel Ricou, que também integra o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Segundo o psicólogo, "quando usamos uma ferramenta de conversação que mimetiza uma relação humana, é natural que as pessoas acabem por se vincular a ela, quase como se estivessem realmente a falar com alguém." Mas a verdade é que não estão, "e mais cedo ou mais tarde podem ficar desiludidas". "Já vimos pessoas a desenvolver relações patológicas com este tipo de modelos de linguagem.”
Este foi o último episódio da segunda temporada do podcast "Que Voz é Esta?". Ouça aqui mais episódios: