Logo à primeira frase, Helena Sacadura Cabral disse quase tudo: "Uma coisa é sucesso, outra é fama." Mas Rui Miguel Nabeiro acrescentou um ponto essencial: "Para termos sucesso, não podemos ter medo de errar. É única forma de aprender." Curiosamente, numa conversa em que o tempo passou demasiado depressa para quem os ouvia, a diferença de experiências entre a economista de 90 anos e o CEO da Delta, de 46, esbateu-se na partilha de convicções sobre o que significa, afinal, ter sucesso. E uma certeza ficou bem presente: o sucesso só é pleno quando se sente que se cumpriu uma vocação, que se fez a diferença na vida dos que estão à volta.

"O sucesso consegue-se com muitos trambolhões e dificuldades. É encontrar uma ponte entre aquilo que somos e fazemos e sentirmo-nos felizes por fazer aquilo de que gostamos e para o que nos sentimos vocacionados. Não é ter prémios, é deitar-se e sentir que o dia não foi em vão, que se deixou alguém melhor e por isso sentimo-nos melhor, mesmo que ninguém saiba, porque não precisamos que isso seja conhecido, que seja público." O testemunho da primeira mulher a chegar aos quadros do Banco de Portugal, de onde saiu por lhe vedarem a administração, que ambicionava, pelo simples facto de ser mulher — "se me dissessem que era por ser estúpida, podia acatar, mas não por ser mulher; não sou nada #metoo, sou #mefree, mas adoro ser mulher e não podia aceitar que isso fosse limite"  —, foi deixado na sessão Beyond Profit Talks, da Fundação Santander, ontem, com o maestro Martim Sousa Tavares a comandar os convidados com a sabedoria de quem faz vida da música e sabe reconhecer uma sintonia perfeita. E não foi desperdiçado por quem a acompanhava.

"Eu gosto muito do que faço, porque me sinto nesse estágio de me sentir útil, de chegar ao fim do dia e estar alinhado com aquela que era a vontade do meu avô, porque recebi este legado de ser guardião do sucesso e o mantenho vivo com sentido de propósito, fazendo o meu próprio caminho e ganhando espaço na organização. Não estou a substituir ninguém, não quero replicar aquele que é o meu ídolo, o meu avô, até porque seria absurdo tentar copiá-lo. Mas tenho muita consciência e vontade de manter vivos, na empresa e na família, os seus valores, identidade e propósito", contou Rui Miguel Nabeiro, assumindo também que encontra o sucesso no compromisso e na motivação. "Sucesso é sentirmos que o que fazemos está alinhado com o que nos faz sentir bem, que estamos a acrescentar a nós e aos outros. A Delta, como qualquer empresa, tem de dar importância aos lucros, mas não vive só para isso. A empresa serve para dar bem-estar a quem está à volta, à comunidade, às pessoas que conhecemos porque toda a vida viveram em Campo Maior – e conhecemos as suas necessidade, apoiamo-las. Isso também nos traz bem-estar."

Quer Helena quer Rui Miguel cresceram com os planos que desenharam para eles – "o meu pai pretendia para mim uma vida pacata de senhora que falava francês, sabia passajar, tocar piano (disso desistiu depressa, porque não distingo um dó de um ré) e cuidar da casa", contou a também escritora; "o meu avô tinha claramente um plano, convencendo-me a desistir dos planos de ser piloto de aviação ou jornalista para me juntar a ele em Campo Maior, estudar para o ajudar na empresa". Mas ambos furaram as contas a quem planeou por eles.

Helena, fazendo valer o nome próprio – além do tio aviador, cujo apelido lhe ofuscou os primeiros anos de existência, e do que herdou do então marido (o arquiteto Nuno Portas, pai dos filhos, Miguel e Paulo), de que se desfez no divórcio. E afirmou o seu nome não apenas na carreira de economista e gestora, nem sequer nos livros que continua a escrever, mas numa vida que continua a acrescentar todos os dias como quem estreia a existência e tem tudo por descobrir.

Rui Miguel, frustrando a vontade do Comendador Rui Nabeiro, que já lhe preparara a cadeira de administrador ao insistir e não prescindir de cometer os seus próprios erros ao lado dos demais comerciais, longe da sede e do respaldo familiar cujo amor nunca lhe permitiria tentar o que não iria correr bem. "Quando saímos da faculdade, não sabemos fazer nada; e o pior é que achamos que sabemos tudo. Por isso foi muito bom para crescer e aprender ter vindo para Lisboa, ganhar mundo e cometer os meus erros", partilhou, com a certeza de ter, porém, uma vantagem: "o meu avô passou-me valores de humildade e isso deu-me mais capacidade de aprendizagem, sem medo de deixar de ser imaculado." Com seis filhos, vê-se hoje, como antes o avô, a encaminhá-los para longe dos muros mas consciente de que terão de dar as próprias cabeçadas. "Porque só se aprende com a prática, cada um tem de cometer os seus erros."

Helena concorda em absoluto: "O sucesso é pacificador e dá-nos a tranquilidade de corresponder ao que esperam de nós, mas passa necessariamente por trambolhar e recomeçar, para ganhar a resiliência necessária para chegar mais alto – não por ser um degrau acima mas por ali estar o objetivo que estabelecemos, aquilo para que nos sentimos preparados."

E quanto tempo pode durar o sucesso? Enquanto exista vontade, ele renova-se a cada dia. "Eu tive o sucesso pessoal de vencer os nomes que não eram meus e ser Helena. Tive o sucesso de gostar muito do que fazia apesar de odiar Matemática (aprendi a gostar e especializei-me em Matemática aplicada a Economia). Tive o sucesso de chegar ao Banco de Portugal e de lá sair. De ser administradora de empresas. E a cada passo o meu mundo alargou-se sempre mais, a cada etapa fui cumprindo os meus desejos sucessivamente. Ainda tenho muitas coisas por acabar – e se não chegar eu a conseguir fazê-lo, tenho quem as acabe por mim da maneira que eu quero", vincou a economista. Que lembrou que ser a pioneira em muitas das coisas que fez e experimentou não foi fácil: "Os primeiros nunca sabem como as coisas se fazem. O facto de ser a primeira fez-me muitas rasteiras, mas aprendi com isso. Aprendi por exemplo a nunca perguntar para cima, porque quem está acima dirá o mínimo, para não lhes fazermos sombra; por outro lado, perguntar para baixo traz-nos gratidão para com os que nos ajudam e ganha-se um apoio certo." Mas também aprendeu a maior lição de todas: "Aprendi a gostar de gostar, o que é fundamental para viver plenamente".

"Nós somos um ser único, por isso é difícil separar o sucesso pessoal do profissional – e numa empresa familiar, mais difícil ainda", admitiu Rui Miguel Nabeiro. "Mas é nossa responsabilidade também conseguir separar as águas e não sentir que se está a fugir às responsabilidades profissionais quando se dedica tempo à família", para gozar os sucessos pessoais e familiares, no fundo. O lado melhor desse maior envolvimento é que também se pode colher a alegria dos sucessos de quem está à volta. "Faz parte das minhas prioridades zelar também pelos meus primos, pelo meu pai, pela minha irmã, garantir que estão realizados na empresa. Não é só o bem-estar económico, é sentirem-se preenchidos e realizados." Porque o sucesso só é pleno se partilhado.

Portugal tem de criar uma cultura que premeie o risco e puna a inérciaComo continuar "empregável", mesmo que não se queira um emprego? Nenhuma empresa vive só do tempo da formiga. Um país que quer um futuro tem de ensinar os miúdos a procurar respostas. Gerir para a comunidade: amor e uma cabana... e dinheiro para gastos. Recorde todas as conversas Beyond Profit, by Fundação Santander, aqui no SAPO.