A poesia do norte-americano W.S. Merwin, duas vezes prémio Pulitzer, poeta laureado dos Estados Unidos, tradutor de autores portugueses, estreia-se no mercado livreiro nacional com a antologia "Lamento por uma pedra", já disponível nas livrarias.

Com "versões, recolha e introdução" do poeta e tradutor Jorge Sousa Braga, "Lamento por uma pedra e outros poemas", em edição bilingue da Assírio & Alvim, testemunha mais de 60 anos de produção literária de W.S. Merwin (1927-2019).

A obra parte de 17 dos mais celebrados livros do escritor, incluindo obras iniciais como "The Dancing Bears" (1954) e "Green with Beasts" (1956), o derradeiro "Garden Time" (2016), e os distinguidos "Travels" (1994) e "The River Sound" (1999), sem esquecer os prémios Pulitzer "The Carrier of Ladders" (1970) e "The Shadow of Sirius" (2009).

"Um dos mais importantes poetas de língua inglesa do nosso tempo" e um "dos mais inovadores das últimas décadas", lê-se na apresentação da antologia, que recorda "o exímio tradutor, ecologista e antibelicista , apaixonado da cultura oriental e um cultor de uma poesia nova e descomplexada.

O escritor traduziu clássicos como Eurípides, Dante e Sá de Miranda, autores como García Lorca, Neruda, Borges, Brodsky, Mandelstam, João Cabral de Mello Neto. Escreveu sobre Fernando Pessoa. Foi o viajante que viveu em Portugal, França, Londres e Chiapas, no México; foi o escritor que conviveu com Robert Lowell, T.S. Eliot, Sylvia Plath, Ted Hughes. Merwin foi o cidadão que se opôs à Guerra do Vietname, defendeu movimentos de libertação em África. Era o homem que gostava de jardins e fez renascer florestas.

Viveu em Portugal e opôs-se ao salazarismo

Em fevereiro de 1962, um ano após o início da guerra em Angola, opôs-se à "cínica e brutal" violência da ditadura de Salazar e do poder colonial português sobre os povos africanos, nas páginas da revista The Nation, a propósito da tradução de poemas de Agostinho Neto, então detido em Luanda.

William Stanley Merwin nasceu em Nova Iorque, em 30 de setembro de 1927, e cresceu nos estados de Nova Jérsia e da Pensilvânia. Filho de um pastor presbiteriano, foram os hinos religiosos a permitir-lhe os primeiros poemas, ainda na infância. Em 1944, entrou para a Universidade de Princeton, onde teve o crítico R.P. Blackmur e o poeta John Berryman por tutores e, por amigos, o poeta Galway Kinnell e o pianista Charles Rosen.

Wallace Stevens, Ezra Pound, John Milton, Percy Shelley eram os seus heróis na literatura, recorda Sousa Braga na "pequena nota biobibliográfica" de abertura da antologia. Adepto da não violência, Merwin acabou internado numa unidade psiquiátrica, quando se arrependeu do alistamento, no final da II Guerra Mundial. Libertado, dado como inapto para o serviço militar, regressou a Princeton e concluiu o curso em 1947. Na cerimónia de graduação, leu um poema aos alunos ausentes, mortos no conflito.

Nesse ano, visitou Ezra Pound, também internado num hospital psiquiátrico depois do julgamento por traição. O autor de "Cantos" deu-lhe o conselho de uma vida sobre a poesia: que traduzisse os trovadores - "Lê as sementes, não os ramos". Assim fez. Entrou pela tradição da Occitânia, passou "A Canção de Rolando" para inglês, traduziu os jograis portugueses Pero Moego, João de Guilhade, Nuno Fernandes Torneol.

No final da década de 1940, o trabalho como percetor levou-o à família real portuguesa. Fixou-se na quinta de Serpins, no concelho da Lousã, em 1949, experiência que relatou no livro de memórias "Summer Doorways" (2006), descrevendo visitas a Coimbra.

"Quase não havia carros, apenas alguns camiões delapidados. Repetidamente, enquanto caminhava pelas ruas secundárias de paralelepípedos ecoantes, ocorreu-me com um ímpeto que estava na Europa, na Europa - um facto tão palpável como os burros e os amoladores de facas, tão certo como a minha desastrosa mudez na língua, mas tão difícil de acreditar como se tivesse descoberto que estava a fugir."

A Europa era o seu território literário. Em 1950, fixou-se em Maiorca, como precetor do filho do escritor Robert Graves, autor de "Eu, Cláudio". A estreia editorial aconteceu em 1952 com "A Mask for Janus", obra escolhida por W.H. Auden para a série Yale Series of Younger Poets.

Nos anos seguintes, viveu em Londres e no sul de França. Em 1956, regressou aos Estados Unidos com uma bolsa da Poets' Theater de Cambridge, Massachusetts. Aqui decidiu-se exclusivamente pela poesia. Publicou então "Green with Beasts" e "The Drunk in the Furnace" (1960), obras que prenunciam uma viragem estilística e temática. Nessa fase, o New York Times destacou "a crueza, a humanidade e a urgência" da sua escrita.

Na década de 1960, com "The Moving Target" (1963) e "The Lice" (1967), emergem as formas abertas, a irregularidade métrica. Merwin afirma o característico encadeamento de versos e a suspensão sintática que lhe permitiram dispensar pontuação. O apuro é atingido em "The Carrier of Ladders", que lhe valeu o primeiro prémio Pulitzer de Poesia, cujo valor doou a movimentos contra a guerra do Vietname.

Em 1976, mudou-se para o Hawai, onde viveu até à morte, em 2019, e onde empreendeu a recuperação da floresta tropical, através da sua fundação, Merwin Conservancy. Nas obras posteriores, como "The Compass Flower" (1977), "Opening the Hand" (1983) e "The Rain and the Trees" (1988), os seus poemas acentuam a relação com o mundo natural.

Com 30 livros de poesia, numa bibliografia de mais de 50 títulos, entre narrativa, teatro, memória, o percurso de W.S. Merwin foi repetidamente reconhecido: "Migration" (2005) deu-lhe o Prémio Nacional do Livro, "Travels" (1993), o prémio Lenore Marshall, "Selected Translations" (2013), que engrossou ao longo da vida desde 1968, valeu-lhe o prémio Harold Morton. Merwin era "o poeta que plantava palmeiras", escreve Jorge Sousa Braga, no sentido real e figurado, na abertura de "Lamento por uma pedra". E cita o escritor: "No último dia do mundo/ gostaria de plantar uma árvore/ não para que dê frutos/ quero a árvore que fica de pé na terra pela primeira vez."