
O professor Samuel Mateus, da Universidade da Madeira, lançou um sério alerta sobre os perigos crescentes da desinformação no contexto da Inteligência Artificial (IA) Generativa, durante a sua intervenção no Colóquio Internacional ‘A luta regional e local contra a desinformação na era da globalização e da pós-verdade’. Ao abordar o tema ‘Comunicação política e inteligência artificial’, sublinhou que entrámos numa nova era da (des)informação, marcada por uma velocidade de disseminação de conteúdos falsos que ultrapassa em muito a capacidade de verificação.
Segundo o académico, a facilidade actual na produção de conteúdos de elevada qualidade, possibilitada pelas tecnologias digitais e, mais recentemente, pela IA Generativa, representa um ponto de viragem: “Antes das tecnologias modernas era mais difícil fazer a reprodução de conteúdos; hoje, uma única pessoa não necessita de tanto tempo, de tantas competências técnicas, para criar e espalhar informação”.
A intencionalidade da desinformação é agora um dos seus traços mais preocupantes. Samuel Mateus frisou que “a informação pouco verdadeira ou inexacta sempre aconteceu”, mas que, actualmente, o verdadeiro problema reside na escala e na sistematicidade da produção de conteúdos enganosos. Esta desinformação é amplificada por sistemas de recomendação e pela multiplicação de canais digitais, num contexto em que os tradicionais mecanismos de verificação estão em claro declínio.
Entre os factores agravantes, destacou-se a persistência cognitiva do falso — a tendência humana para manter a crença numa informação mesmo depois de esta ser corrigida. “A emoção supera a evidência”, afirmou, acrescentando que a relativização da verdade se impõe no quotidiano mediático, com exemplos como a controvérsia em torno do VAR no futebol, onde nem sempre a ‘objectividade’ das imagens é suficiente para dissipar a dúvida.
Outro dos fenómenos em análise foi a exploração das chamadas bolhas epistémicas, em que os cidadãos são expostos apenas a pontos de vista semelhantes aos seus, comprometendo a pluralidade e a diversidade informativa. A IA, através do profiling psicográfico e da análise massiva de dados, permite agora uma disseminação direccionada, atingindo medos e vulnerabilidades específicas da população. “O grande risco da IA para a comunicação política é explorar medos específicos”, alertou.
As consequências desta nova realidade são profundas e preocupantes: erosão da confiança pública, descrédito nos líderes e cepticismo face aos media e às instituições. “A democracia baseia-se na confiança — sem confiança, a política não é possível”, resumiu.
Para combater esta realidade, o professor defendeu a necessidade urgente de apostar na literacia mediática, no desenvolvimento de ferramentas de detecção de desinformação, numa regulação adaptada aos novos contextos tecnológicos e numa maior transparência por parte das plataformas digitais. “É fundamental exigir às operadoras que sejam mais claras nas suas políticas e procedimentos, e estudar com rigor as consequências reais destes processos”, concluiu.