Há uma altura do ano em que os dias ficam mais longos, o sol já não se esconde tão cedo e a luz torna-se mais dourada. O ténis deixa de correr e passa a deslizar. Os courts despem-se do brilho sintético dos hard courts e vestem-se de terra, como quem regressa às origens. É a primavera, a minha época preferida do ténis.

Este desporto de tal precisão e pressa, abranda. Torna-se mais tático e mais cerebral. Menos impacto, mais construção. Menos explosão, mais paciência. No fundo, a meu ver, é a altura em que as grandes figuras do ténis são testadas de verdade, porque na traiçoeira terra batida não basta talento, é necessária muita humildade. Cada ponto constrói-se através de muito suor e resiliência.

O desporto está inteiramente ligado às emoções, e como espetador, o piso de terra batida é o que mais emociona. Não perdoa atalhos, obriga a construir. Ensina os tenistas iniciantes a cair, a sujarem-se e a voltar a levantarem-se com mais sabedoria do que orgulho.

Depois de semanas a correr ao ritmo dos torneios de Indian Wells e de Miami, o circuito masculino muda para a Europa e os jogadores reaprendem a jogar. Começa em Monte-Carlo, desce a Barcelona, sobe a Madrid, passa por Roma, e culmina em Roland Garros, o mais famoso terreno de terra batida. Já no ténis feminino, inicia em Estugarda, desce até Madrid, passa por Roma e sobe a Estrasburgo.

A terra não altera só a velocidade do jogo, mas também os padrões de movimento e de construção de ponto. A bola salta mais alto e perde velocidade após o ressalto, o que obriga os profissionais a recuar na linha de fundo e a ajustar o tempo de contacto. O topspin ganha maior eficácia, sendo especialmente útil para abrir o campo e empurrar o adversário para trás.

Jogadores que usam muito slice, por outro lado, vêem esse recurso perder eficácia devido ao ressalto mais previsível e lento. Contudo, há alguns utilizadores recorrentes de slices, como é o caso do grego Stefanos Tsitsipas, que usa regularmente o slice com a sua esquerda, especialmente em trocas defensivas ou para preparar subidas até à rede, e graças ao seu topspin de direita e à sua excelente movimentação consegue adaptar-se muito bem à terra batida. Como prova disso mesmo, Tsitsipas foi finalista de Roland Garros em 2021, três vezes finalista do ATP Barcelona e três vezes vencedor do ATP Monte Carlo.

O posicionamento também muda, a movimentação exige um deslize controlado sobre a terra batida, especialmente nos apoios laterais. Jogadores com boa capacidade de equilíbrio e força nos membros inferiores adaptam-se melhor. Aqueles que se apoiam mais em movimentos explosivos e menos na leitura tática sentem mais dificuldades.

Se há nome que se confunde com o pó de tijolo, é o de Rafael Nadal. Não é apenas o rei de Roland Garros, como muitos pensam, mas também é o símbolo máximo de como se pode dominar a terra com alma e corpo. Na minha ótica, cada deslize, cada pancada cruzada, cada recuperação impossível, moldaram a forma como se joga na terra batida.

Para além de Rafael Nadal, na primavera do ténis, existem outros nomes que autenticamente renascem, como é o caso de Carlos Alcaraz e de Dominic Thiem. O espanhol, um dos maiores representantes da nova geração, tem mostrado um conforto enorme na terra desde muito cedo. Tem uma mobilidade no piso fora do normal e não hesita em misturar pancadas pesadas com amorties e subidas à rede. Já Dominic Thiem, finalista em Roland Garros em 2018 e 2019, chegou a ser considerado o sucessor natural de Nadal na terra. Com uma esquerda sublime, Thiem, teve o seu auge nesta superfície, embora a lesão no punho em 2021 o tenha travado na sua ascensão.

No circuito feminino, Iga Świątek, surgiu como o principal especialista em terra batida. Vencedora de Roland Garros em 2020 e 2022, a polaca alia movimentação fluída a um jogo pesado, com variações inteligentes e grande capacidade de execução tática. A sua direita tem impacto direto na terra, e a frieza nos momentos chave têm feito a diferença.

No final de contas, a primavera do ténis não se mede apenas em títulos ou estatísticas. Mede-se na forma como o jogo abranda para voltar a pensar. Como os corpos se tornam extensões da superfície. Como os erros fazem parte da dança e não do fracasso.

O pó de tijolo, como o tempo, não apaga nada, guarda tudo. Cada pegada, cada queda, cada grito. E é por isso que tenho um fascínio por esta fase do ano, porque nela o ténis volta a ser imperfeito. Volta a ser humano.

Artigo redigido por Daniel Pereira