
Algures no segundo set, num longo, longo jogo que parecia algo inquinado - não houve assim tantos ao longo da final -, alguém resolveu abrir uma garrafa de champanhe no Centre Court de Wimbledon. Ouviu-se o pop, a rolha veio parar à relva. Jannik Sinner, solícito, apanhou-a. É uma falta de noção de quem está nas bancadas, claro, para mais num torneio com tantos salamaleques, mas poderia, se quisermos ter uma visão poética, ser também uma espécie de metáfora para a final que ali se jogava, entre os dois melhores tenistas do mundo, número 1 e número 2, que ainda há um mês se digladiaram durante mais de cinco horas no derradeiro encontro de Roland-Garros.
Mas a final de Wimbledon, a bem da verdade, não teve tantos momentos-champanhe como a de Roland-Garros. Jannik Sinner fez por isso não acontecer, fez por não haver recuperações épicas do adversário, viciado na adrenalina do jogar no limite. Depois de perder em Paris tendo estado em vantagem por dois sets a zero, Jannik Sinner serviu a vingança na fresca relva do All England Club, vencendo em Wimbledon pela primeira vez, derrotando Alcaraz depois de 20 encontros consecutivos do murciano a vencer em Londres. E, não menos importante, a de forma mentalmente irretocável a esse baque que foi perder Roland-Garros, que deitaria qualquer um abaixo durante meses.
Sinner, claro, não é qualquer um. É uma parede maquinal que, ainda por cima, não se mexe nada mal, apesar daquele ar lânguido e esticado. O número 1 mundial do italiano sai reforçado, a rivalidade com Alcaraz também: teremos de nos preparar para muitas e muitas finais entre estes dois extraterrestes tenísticos tão opostos e por isso tão entusiasmantes. Sinner junta o título em Wimbledon a dois no Open da Austrália e um no US Open. Alcaraz falhou agarrar o seu 6.º major. A diferença entre ambos é apenas de estilos, em tudo o resto parecem destinados a continuaram lado a lado.
O único verdadeiro tropeço de Jannik Sinner na final de Wimbledon terá acontecido na fase final do 1.º set. A luta de sólidos serviços parecia não dar grande abertas a break points, mas eles surgiram cedo. Sinner quebrou primeiro, Alcaraz respondeu pouco depois, voando para quatro jogos consecutivos para fechar o set com um ponto extraordinário, em que foi buscar duas bolas às linhas antes de o ganhar. Um 6-4 de amuse bouche.
A partir daí, Sinner embalou psicologicamente. Quebrou Alcaraz logo a abrir o 2.º set, passou a liderar o jogo de fundo de court, subiu à rede com eficácia. Alcaraz corria atrás do prejuízo, sem nunca verdadeiramente impor o seu ténis prodigioso. O set point para o empate de Sinner seria mais um ponto para emoldurar, uma titânica troca de bolas cruzadas que cairia para o lado do italiano.
A derrocada de Alcaraz, isto se lhe pudermos chamar assim - afinal de contas, o espanhol nunca esteve verdadeiramente fora do encontro até ao derradeiro match point -, teve os primeiros sinais no final do 3.º set. Para o seu treinador, iam desabafos de quem se via sem a energia de outros dias. “Ele está a jogar muito melhor do que eu”, atirava o espanhol. Nem sequer era assim tão verdade. Sinner não esteve irrepreensível no seu jogo. Errou, abriu janelas para Alcaraz recuperar. Mas mentalmente esteve sempre numa planante nuvem. O triunfo no 3.º set, novamente por 6-4, depois de rapinar o serviço ao murciano no 4-4, soou a definitivo.
Mas isto com Alcaraz nunca se sabe. Viu-se em Paris, já se havia visto neste Wimbledon, nomeadamente na 1.ª ronda em que escapou por pouco a uma escandalosa derrota com Fabio Fognini. Daí até à final, o ténis do espanhol foi o que sempre é o ténis do espanhol: brilhante, luminoso, tão magnífico e caprichado como balançante, como se Alcaraz fosse buscar a força para ganhar aos seus próprios erros, erros que tantas vezes força talvez para sentir algo que não apenas a sua prodigalidade. Nunca faz caminhadas limpas. Quando o fizer, talvez não seja o mesmo jogador, de levantar bancadas com a sua audácia, coragem - ele diria huevos.
Não aconteceu este domingo. No 4.º set, Alcaraz pareceu desalentado, adormecido, como que conhecedor antecipado da sua sina. Sinner quebrou-o cedo, ao mesmo tempo que lhe desapareceu o 1.º serviço, tão importante e produtivo durante todo o torneio, talvez a arma que Alcaraz mais melhorou esta temporada. Outras armas estiveram de férias. O amorti surgiu pouco e mal, as subidas à rede foram também raras.
Num vislumbre de reação ainda foi buscar dois break points, que Sinner, impávido, conseguiu limpar. Foi o último reduto de carlitismo, a relva deslizante sorria a Sinner, uma máquina de shot making quase infalível que, não tenhamos dúvidas, continuará a ter no ténis variado e feliz de Carlos Alcaraz a sua kriptonita. O mérito em tornar o ténis de Carlos Alcaraz um pouco menos sorridente também é muito seu e não foi preciso chegar a grandes horas extraordinárias: após quatro sets (4-6, 6-4, 6-4 e 6-4) e 3h04, Sinner festejou. Parcamente, como lhe é habitual. Porque também não houve o dramatismo de Paris.
Olhando para as duas últimas finais de torneios do Grand Slam não dá para não pensar que o mundo é deles. Será deles durante um bom tempo. O ténis teve essa sorte, a um big 3 sucedeu-lhe um big 2, a versões aparentemente 2.0 daqueles que dominaram o ténis nas últimas décadas. Só pode ganhar um de cada vez, até é pena que assim seja. E desta vez foi a vez do italiano menos italiano.