
Há jogos em que, do princípio ao fim, o estádio parece mais uma celebração do que um palco de nervos, em que as bancadas são mais uma festa do que uma junção de almas a roerem as unhas. Há encontros em que se juntam atacantes de qualidade e a magia sucede.
Kerem, Zeki, Vangelis. Um turco, um suíço com raízes turcas, um grego. Pelo Mediterrâneo oriental se escreveu parte do 6-0 com que o Benfica se deleitou contra o AFS, tornando-se a primeira equipa da I Liga 2024/25 a atingir 80 golos. Um golo e uma assistência de Pavlidis, um golo de Amdouni, um golo e uma assistência de Aktürkoğlu.
Às vezes as coisas são simples, como parece uma decisão simples marcar um jogo para um domingo de fim de abril para um horário com sol, durante a tarde. E como é simples que, no confronto entre a pior defesa do campeonato e uma equipa que não fica em branco a jogar em casa há 50 jornadas, o resultado traduza a superioridade de uns e as fragilidades de outros.
O sol castigava o relvado e quase dava a sensação de confundir a equipa visitante. Bem vistas as coisas, quando nem há consenso sobre a forma certa de nomear este clube — uns dias AFS, noutros AVS, em certas circunstâncias conjunto da Vila das Aves, sempre uma entidade estranha — é natural que a própria equipa se apresente desnorteada, como um homem à procura da própria alma. Coisas que não são simples.
Os visitantes até tiveram a primeira chance de perigo, logo na bola de saída, quanto António Silva e Trubin se atrapalharam e Mercado e Zé Luís não conseguiram aproveitar. Mas rapidamente as águias se lançaram rumo à baliza de Ochoa, que fintava a crença generalizada ao apresentar-se num jogo de clubes além dos Mundiais que são a casa do mexicano.
Logo aos 8', o Benfica fez o 1-0, num dos muitos lances de bola parada que causaram problemas ao AFS. O canto saiu curto, Dahl cruzou para o segundo poste, António Silva cabeceou para uma primeira defesa, mas Tomás Araújo abriu o marcador.
Sem Florentino nem Di María, Lage regressou a uma fórmula conhecida. Dahl dava largura à esquerda e Aktürkoğlu e Amdouni flutuavam nas costas de Pavlidis, num posicionamento fluido, híbrido, com liberdade e dinâmica. Os movimentos nas costas da defesa foram demasiado confusos para o baralhado AFS, que só somou um ponto nas derradeiras sete rondas. Às vezes Kerem abria na esquerda, por vezes juntava-se no meio; havia circunstâncias em que Zeki atacava o espaço, outras em que descia mais. No centro de tudo, aproveitando tudo, aproveitando e criando, estava Pavlidis, o universal ponta de lança.
Aos 23', após novo canto bem trabalhado, Dahl, cheio de energia, assistiu Pavlidis para o 2-0. Passados três minutos, o sueco voltou a vestir a pele de assistente, dando para Amdouni. O suíço, atacante de classe, recebeu a bola com precisão, trabalhou na cara de Kiki Afonso e ampliou a vantagem local.
O desafio estava tão decidido numa fase tão madrugadora que, a dada altura do primeiro tempo, os jogadores tiveram de se entreter com uma série de picardias e discórdias que não eram próprias de uma suave tarde de marcador desnivelado, uma colisão entre quem luta pelo título e quem, com escassos 24 pontos em 31 encontros, encontra-se em posição de play-off.
Perto do descanso, nova fuga nas costas da defesa do AFS/AVS/equipa da Vila das Aves levou ao 4-0. Pavlidis, explorando a indefinição da linha recuada de quem é indefinido até no nome, ganhou espaço, evidenciando que, além de atacante com olhos para a baliza, tem visão para os companheiros. A 10.ª assistência do grego encontrou Aktürkoğlu.
A segunda parte representou minutos de desfrute para o Benfica. De comunhão com os adeptos, de ganhar energia emocional para o sprint final. Estoril fora, Sporting em casa, Braga para fechar.
A equipa de Rui Ferreira melhorou após o descanso, sobretudo com a entrada de Lucas Piazón. Zé Luís esteve perto de reduzir, mas o AFS saiu da Luz com uma muito pesada goleada.
Tentando que o Benfica não tirasse o pé do acelerador, Bruno Lage foi dando uso ao seu recheado banco. Belotti entrou aos 67' e, quatro minutos depois, fez o 5-0, aproveitando um passe de Aktürkoğlu.
À medida que o sol se ia embora, os jogadores do AFS olhavam para o marcador e pediam que os minutos passassem mais rapidamente. Ainda houve tempo para Otamendi, aos 82', apontar o 6-0 definitivo. O Benfica manteve a pressa e Aursnes até reclamou com o árbitro, insatisfeito por só terem havido dois minutos de compensação. As águias não queriam sair da festa, até porque cada golo pode ser decisivo neste sprint decisivo. A tarde mais desequilibrada da temporada na Luz ficou-se pelos 6-0.