À distância da televisão nem se notam as nuances de grisalho, da inclemente passagem do tempo, do qual se queixa. “Um Portugal mais experiente, um treinador com mais cabelos brancos, mas com a mesma ambição, vontade e orgulho”, relaxa-se Francisco Neto, entre risos, dito algo impercetível por Dolores Silva ao seu lado, a capitã que há oito anos também estava nos Países Baixos, na “primeira vez que ouvimos o hino numa fase final sénior”. O selecionador falava da estreia da seleção em grandes torneios, no inaugural de três Europeus em série, convenientemente contra as vizinhas do lado em quem estão prestes a entroncar outra vez.

Este é “um Portugal melhor”, concedeu o treinador já na Suíça, em véspera de reencontro, “também é uma Espanha melhor”. A ordem de ideias não abonatória de o repetido duelo a abrir uma fase final vire o sorriso para o lado de cá da parede. Em 2017, a seleção perdeu por 2-0, desde então “ambas tiveram um crescimento brutal” embora desnivelado como já era a comparação entre as comadres ibéricas. As temíveis espanholas, opressoras da bola e que a escondem de toda a gente numa teia de passes, viraram campeãs do mundo em 2023 e ainda há dois meses, em duas partidas, magoaram as portuguesas com onze golpes, sem misericórdia: 2-4 em Paços de Ferreira sucedido pelo 7-1 em Vigo.

O sumo do que as levará a Berna, esta quinta-feira, é a estreia neste Campeonato da Europa, mas dos pedaços de fruta extraem-se certos sabores. A ideia de que a seleção estagnou recentemente, ou pelo menos periclitou, tem caído com insistência, reforçado pelo encontrão dado pela Inglaterra, por 6-0, também em abril. “No último mês, não há nenhuma conferência de imprensa em que não toquem nesse assunto. Entendo isso, mas o que passamos às jogadoras é para não se esquecerem dos 150 jogos que fizemos antes desses dois”, salientou Francisco Neto, seguro de que as jogadoras “são inteligentes o suficiente” para entenderem “o contexto” e “os porquês” desses resultados.

É lapalissada constatar que no Stade de Suisse, em Berna, será outro jogo. Ai de quem ficar a remoer águas passadas, vincou o treinador: “Não podemos ficar agarrados a coisas do passado.” Nem podem ousar a divagar no futuro. “Se pensarmos nos jogos seguintes, as coisas amanhã não nos vão correr bem.” Só uma versão de Portugal “altamente competitiva e organizada” ficará os pés perante uma Espanha radiografada em síntese pelo selecionador nacional como “uma equipa dominadora que se expõe no número de jogadoras, que envolve no processo ofensivo, que gosta de ter bola e de dominar as equipas no meio-campo adversário”.

Fran Santiago - UEFA

Esta é uma La Roja renovada, com menos resistentes de 2017 do que Portugal, sintoma de outra fertilidade em talento. De há quase uma década persistem poucas, havia a reina Alexia Putellas antes das Bolas de Ouro que hoje está devolvida à forma que a levou a conquistá-las, também Mariona Caldentey ou Irene Paredes, central que não poderá jogar por suspensão. Não esteve Aitana Bonmatí, demasiado imberbe há oito anos, atual melhor jogadora do mundo apanhada por uma meningite que a hospitalizou no fim de semana. “Me da igual”, desabafou a capitã Dolores Silva nas únicas palavras que se deixou dizer em castelhano. “Com todo o respeito, é a melhor do mundo, mas acho que a Espanha tem um conjunto de jogadoras muito fortes que sem a Aitana consegue fazer a diferença.”

A selecionadora espanhola, Montse Tomé, elogiou a vontade da sua mais influente pupila, “até é preciso travá-la um pouco”, revelando a “evolução favorável” da dona da bola de Espanha. Avisou igualmente contra as transições rápidas de Portugal aquando das recuperações de bola, algo que Francisco Neto não aprofundou num claro esforço para esconder as cartas em mão: “Como é lógico, as equipas aproveitam os espaços e jogam o que as outras permitem. Às vezes, queremos olhar para o jogo só com bola, mas o jogo tem quatro momentos e temos de aproveitar tudo. Temos de aproveitar todas as oportunidades e, se tiver de ser através de um contra-ataque, assim o faremos.”

Ainda menos concedeu sobre Kika Nazareth, a luz radiante de criatividade da seleção, farol sem o qual Portugal diminui em ideias a atacar. Sem competir desde março, foi convocada ainda a refazer-se de uma mazela no tornozelo. Chegará a craque a tempo? “Todas as jogadoras querem muito participar. A Francisca veio acabar o processo de recuperação connosco, depois cabe-nos decidir se ela vai a jogo ou não. Confiamos em todas. Já ganhámos com a Francisca, já perdemos com a Francisca, uma equipa nunca poderá ser centrada numa só jogadora. Queremos que todas estejam saudáveis e disponíveis.” A mesma razia de esclarecimentos prestou em relação a Telma Encarnação, também em dúvida para o encontro.

Em oito jogos houve duas vitórias contra as espanholas, embora idos estão esses tempos: uma aconteceu em 1983, a outra viu-se em 1997. Nunca Portugal entrou a ganhar nas três fases finais consecutivas que disputou, nesta quarta Francisco Neto gostaria de pontuar. “Numa fase de grupos tão curta, é muito importante conseguir pontuar. Seria muito bom, mas não é decisivo”, reconheceu, arrastado pela mesma corrente em que mergulhou a resposta feita pelo Francisco Martins, da Tribuna Expresso, lá nas suas barbas na conferência de imprensa. Portugal está fadado ao cenário possível de passar às eliminatórias em 2.º lugar do grupo? “Se pudesse assinar, assinava já e não havia problema nenhum, era sinal que tínhamos concretizado um objetivo.”

Quando foi um jornalista espanhol a questioná-lo se rubricaria por baixo de um empate contra a Espanha já desdenhou a sugestão de autógrafo: “Assino fazer um bom jogo e ser competitivo.” Dolores Silva abraça o começo desafiante que aí vem. “A motivação tem de estar no máximo, é um Europeu, sabemos que vamos defrontar a melhor seleção do mundo. Elas estão cá, nós estamos cá, é para isso que trabalhamos, para jogar contra as melhores”, frisou a média do SC Braga, dona de 172 internacionalizações, regressado ao bom português.

Francisco Neto admitiu que tentou “blindar” a capitão as restantes jogadoras ao barulho vindo das derrotas (e exibições) recentes. “Quando ganhámos não éramos as melhores, quando perdemos pesado também não somos as piores”, constatou, com razão, o selecionador. “São as mesmas jogadoras e a mesma equipa técnica.” Na Suíça, falando antes do derradeiro treino, teve a verdade do seu lado. Quiçá inspirado nos eficientes comboios do país centro-europeu, quis congeminar uma ligação entre Paços de Ferreira e Berna, entre um triz que vendeu e o que seja que virá no amanhã: “Fomos altamente competitivos nesse dia, estivemos bem até ao final do jogo, com o 2-3. Acreditamos na nossa competência e no que conseguimos fazer.”

A estreia neste Europeu ditará se esta ideia envelhece esbranquiçada no cabelo ou se projeta a seleção para longe das últimas impressões de goleadas sofridas.