
*por Vítor Hugo Monteiro
Afirmar que o sonho comanda a vida pode parecer só mais um cliché, mas significa muito mais do que uma simples frase feita. O futebol, esta modalidade que apaixona milhões de adeptos, já nos ofereceu vários exemplos positivos. Apesar de movediço e incerto, o terreno já demonstrou ser fértil e parece, de tempos em tempos, gostar de premiar-nos com uma ótima narrativa.
O alvo desta reportagem deu um salto que deixaria Nelson Évora, atleta de Triplo Salto que conquistou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim, orgulhoso. Esta metáfora só resulta devido ao feito concretizado por Sidoine Fogning, jogador que voou do SC Coimbrões para o Boavista. Da Divisão de Elite - Pro-nacional (quinto escalão português) para o convívio dos grandes: Liga Portugal Betclic.
Como se pode subentender pelo relatado anteriormente, o defesa camaronês deu um pulo de quatro (!) divisões, quase como um aluno sobredotado. Para que se perceba ainda melhor, o atleta passou do estatuto amador para profissional em, somente, uma época de futebol português, mas já lá vamos.
Foi preciso saber rugir
Dia 11 de fevereiro, ano: 2025. A data em que os primeiros avengers, com a missão de salvar os axadrezados de um desastre anunciado, foram inscritos no site da Liga Portugal. A primeira vez que a turma do Bessa inscrevia reforços desde o verão de 2022/2023. Sidoine Fogning, nome de menor destaque, surge junto a figuras surpreendentes. Eis que aparecem Marco Van Ginkel, Layvin Kurzawa e, por exemplo, Tomas Vaclík.

Que ninguém se engane, a história do camaronês com o Boavista não começou por aqui... longe disso! Já com o Conselho de Administração, encabeçado pelo histórico Fary Faye, em funções, o emblema nortenho teria o grande objetivo de conseguir inscrever jogadores já no verão. Aliás, Bruninho e Ibrahim Alhassan chegam a ser contratados, sendo, mais tarde, dispensados, pela impossibilidade de inscrição, devido aos tão infames e pesados transfer bans da FIFA.
Certo é que Sidoine já por lá andava, mesmo não tendo sido anunciado, em puro contraste com os dois casos referidos acima. Pela mão de Cristiano Bacci, que também era uma novidade por aquelas bandas, o defesa central treinava com o plantel principal, tendo até disputado jogos amigáveis, sempre à espera que se abrisse uma janela para a sua inscrição. Tal não aconteceu e o jogador acabou por ver o seu sonho adiado, de forma indefinida.
Adiado, nunca cancelado. O ex-SC Coimbrões, por uma razão ou por outra, manteve-se a treinar junto da equipa, mesmo sabendo que ia estar fora de competições oficiais durante cerca de seis meses. Talvez o tal sonho tenha falado mais alto. Certo é que a perseverança deu certo.
Vestir pele gaiense
Para falar de um dia tão importante quanto a estreia na I Liga, há que perceber qual é, ao certo, o background que permite esta subida a pique. O atleta chega a Coimbrões na época transata, vindo do seu país natal. O lugar no onze inicial foi conquistado logo no princípio da temporada, tendo sido escolha logo na primeira partida. Sinal, talvez, de uma adaptação célere.

Campeão da Pro Nacional 2023/2024, o conjunto de Vila Nova de Gaia faz uma prova quase imaculada. Sem conseguir ultrapassar um Leça FC (apesar de ter vencido em ambas as rondas) que dispõe de um projeto interessantíssimo, os donos do Parque Silva Matos acabam a primeira fase em segundo lugar. Na fase crucial, que realmente decidia a subida ao Campeonato de Portugal, a alma gaiense acaba por superiorizar e o título de campeão é conquistado.
Além deste campeonato, a Taça da AF Porto também vai parar ao museu do SC Coimbrões. Época de sonho. Pelo meio desta história, está Sidoine, que acabado de chegar dos Camarões, realiza 40 dos 43 jogos realizados nessa época. Notável.
Dando uso ao seu 1.95m, o central destaca-se pela sua velocidade e impressionante capacidade física, que tem o poder de amedrontar qualquer avançado mais atrevido. A par de Matheus Fornazari, melhor marcador da equipa, Sidoine é o claro destaque da equipa que conquistou os distritais portuenses.
Os sonhos concretizam-se
Toda a caminhada acabaria por ser recompensada. A apresentação estava feita. Faltava entrar em campo e provar ao difícil 'Tribunal do Bessa', sedento por vitórias, que os três anos de contrato rubricados tinham justificação. Só pelo tempo de espera, o atleta já parecia ter merecido esse prémio. Mas, ao efetuar a primeira partida na I Liga, rapidamente se percebe ser bem mais do que uma oferta.

Aos 23 anos, o novo 'camisola 13', realiza a sua estreia pelo Boavista, numa partida que prometia ser decisiva diante do Estrela da Amadora. As panteras, ainda sem grande parte dos reforços em ação, saem derrotadas nesse desafio. Sidoine, numa defesa a cinco, sendo ele esquerdino por natureza, apresenta uma serenidade e maturidade acima do que se poderia antever.
Bem posicionado, intenso e sem complicar. Dificilmente algum atacante passou por ele. Foram notadas algumas debilidades na saída de bola, mas para um atleta que dá um salto de tal dimensão, não seria expectável que estivesse perfeitamente afinado.
Já realizou, entretanto, cinco jogos pelos axadrezados, tendo feito, também, aparições na posição de defesa esquerdo. O comprometimento e adaptabilidade mantêm-se intactas. Já mereceu, até, rasgados elogios de Lito Vidigal, atual treinador do Boavista.
Com as panteras negras num panorama extremamente difícil, Sidoine parece ser uma das armas que vai lutar até ao fim pela manutenção do Boavista. O lugar na equipa, não sendo garantido, tem sido bem aproveitado e promete continuar a oferecer demonstrações de qualidade.
Déjà Vu
Não há galicismo que melhor represente esta situação. Porquê? Não é a primeira vez que um atleta salta de forma direta da Distrital para o Boavista. A última vez havia sido em 2018/2019, com Ibra Koneh a deixar o Lusitânia de Lourosa para o Boavista.

Curiosamente, este extremo, na altura de 24 anos, também é de nacionalidade camaronesa, tal como o grande protagonismo desta reportagem. Os 23 golos pelos leões ajudaram a que a ida para o Boavista, que vivia uma fase totalmente diferente, fosse orgânica.
O atleta acaba por só vestir a malha axadrezada em seis ocasiões, muito devido a suspeições de problemas cardíacos que impediam a prática do futebol. Jogou, ainda, em outras formações portuguesas, onde até voltou aos golos, desta vez ao serviço do Florgrade FC, em 2022/2023.