
Setenta e três anos depois, Lisboa volta a ter uma representação de peso na Primeira Liga. Pela primeira vez desde a temporada 1951/1952, o distrito da capital portuguesa terá seis clubes a competir no principal escalão do futebol nacional. A subida do Alverca à Liga Portugal Betclic concretiza este feito histórico, que não acontecia desde o início da década de 50.
O futebol lisboeta está em clara ascensão, refletindo uma dinâmica de crescimento que contrasta com o declínio de outras regiões. Com o regresso do Alverca ao convívio entre os grandes, juntam-se agora seis emblemas da Grande Lisboa entre os 18 participantes da Primeira Liga: Sporting, Benfica, Estoril, Casa Pia, Estrela da Amadora e, agora, o Alverca.
Este cenário não se via desde 1951/52, quando a capital também apresentou seis equipas na elite: Atlético, Estoril, Belenenses, Oriental, Sporting e Benfica. Destes, apenas os dois gigantes da Segunda Circular, Sporting e Benfica, se mantiveram com presenças constantes em todas as edições da prova até à atualidade, perfazendo 91 participações consecutivas desde a criação da Liga em 1934/1935.
A subida do Alverca representa não só um feito desportivo para o clube ribatejano, como também um marco histórico no panorama futebolístico nacional. Reforça o peso competitivo da região de Lisboa, que volta a destacar-se como o principal centro de produção e afirmação de clubes no contexto da Primeira Liga.
Desde a génese da competição, foram ao todo 11 os emblemas do distrito de Lisboa que marcaram presença no escalão máximo. Para além dos já referidos Sporting (91) e Benfica (91), destacam-se ainda Belenenses (77 participações), Estoril (30), Estrela da Amadora (18), Oriental (7), Alverca (5), Casa Pia (4), Carcavelinhos (5), B-SAD (4) e ainda os já extintos Unidos de Lisboa (3) e União Lisboa (1).
Apesar desta tradição, nem sempre a presença lisboeta foi tão expressiva como agora. Houve mesmo alturas em que apenas os grandes de Lisboa marcavam presença no campeonato. Entre 2010/11 e 2011/12, por exemplo, só Sporting e Benfica representavam a capital na Primeira Liga. O Estoril e o Belenenses militavam então na Segunda Liga, enquanto o Atlético subia da Terceira para a Segunda Divisão. O Oriental mantinha-se no terceiro escalão, o Casa Pia descia para a Quarta Divisão e o Alverca encontrava-se nas competições distritais. O Estrela da Amadora, nesse período, estava inativo e a B-SAD ainda não tinha sido criada. Era um retrato bem diferente da vitalidade que se observa em 2025.
O ressurgimento recente de clubes históricos, como o Casa Pia ou o Estrela da Amadora, assim como a recuperação desportiva do Alverca, ilustram um movimento de renascimento de emblemas com forte tradição. Este fenómeno tem sido acompanhado por investimentos em infraestruturas, academias de formação e modelos de gestão mais sustentáveis — fatores que ajudam a explicar este novo ciclo de afirmação da capital.
A sul do Tejo, o deserto
Se Lisboa vive um momento de efervescência futebolística, o mesmo não se pode dizer do sul do país. A descida do Farense, esta época, junta-se à já consumada queda do Portimonense no ano anterior e deixa o Algarve — e toda a região a sul do Tejo — sem qualquer representante na Primeira Liga. A última vez que tal sucedera foi em 2003/2004, época em que o Vitória de Setúbal caiu de divisão, deixando a região deserta de clubes no principal campeonato nacional.
É uma situação que contrasta com décadas anteriores, nas quais o sul teve presença relevante na elite do futebol português. Basta recuar aos finais dos anos 90 para encontrar um cenário bem distinto. Em 1997/98, 1998/99 e 1999/2000, por exemplo, estavam simultaneamente na Primeira Liga Campomaiorense, Farense e Vitória de Setúbal, uma presença regular e competitiva da margem sul e do Algarve.
Também nos anos 70, a região conheceu períodos de forte expressão. Em 1973/74, temporada que terminou após o 25 de abril, havia seis equipas abaixo do Tejo na I Divisão: Farense, Oriental, CUF, Olhanense, Barreirense e Montijo. Era um tempo em que clubes de menor dimensão conseguiam afirmar-se no escalão principal, muitos deles com forte ligação às indústrias locais ou ao associativismo regional.
Cinco anos mais tarde, em 1978/79, esse número já tinha diminuído para dois: Vitória de Setúbal e Barreirense. Mesmo assim, o início da década de 80 trouxe um ligeiro renascimento, com participações consecutivas de clubes como Portimonense, Amora, Elvas e o próprio Farense, que alternaram entre subidas e descidas, mantendo viva a chama da presença meridional na elite.
Houve ainda uma fase de presença sólida entre 1980/81 e 1984/85, com o Vitória de Setúbal e o Portimonense como presenças regulares, a que se juntaram, em diferentes épocas, clubes como o Farense, o Elvas e o Amora. Em 1987/88, fruto do alargamento da Primeira Liga para 18 clubes, o sul chegou a estar representado por quatro equipas: Vitória de Setúbal, Farense, Portimonense e Elvas.
Esse dinamismo, no entanto, tem vindo a esbater-se nas últimas duas décadas. Com a descida do Vitória de Setúbal em 2004 e os problemas financeiros e administrativos que afetaram vários clubes da região, a capacidade competitiva da zona sul foi-se perdendo. A exceção foi o Farense, que regressou esporadicamente ao convívio com os grandes, mas sem conseguir estabilidade.
Agora, 21 anos depois daquela primeira descida do Vitória, repete-se o cenário de ausência absoluta. Na temporada 2025/26, não haverá qualquer clube do sul do Tejo na Primeira Liga: nem Vitória de Setúbal, nem Portimonense, nem Farense, nem Olhanense, nem sequer um novo projeto emergente a sinalizar mudança. A região está, uma vez mais, arredada da montra principal do futebol português. Farense e Portimonense, ambos na Liga 2, tentarão voltar a subir.
O peso da capital
A discrepância regional evidencia uma realidade que não é apenas desportiva, mas também estrutural. Lisboa, com os seus recursos, densidade populacional, investimento privado e capacidade de atrair talento, tem vindo a reforçar o seu domínio sobre o futebol português. O regresso a uma presença tão expressiva na Primeira Liga confirma esse ascendente.
A temporada 2025/26 ficará, assim, como mais um marco na história do futebol nacional. Por um lado, celebra-se o regresso de seis clubes da capital à elite, sinal de um ecossistema competitivo e vibrante. Por outro, assinala-se a ausência preocupante de equipas do Sul, lembrando que a diversidade geográfica do futebol português continua a enfrentar desafios significativos.