Como dizer adeus? Como fechar uma história que te colocou, durante 20 anos, entre a realeza do desporto mundial, competindo não só contra adversários, mas também contra a história, assegurando um assento permanente na eternidade? Como assumir que acabou, que a razão que norteou toda a tua vida desapareceu?
Rafa Nadal decidiu, em 2023, que a despedida seria nos courts desse mundo fora, dando uma imagem nadaliana, competitiva, lutando por cada bola. Por isso, decidiu passar o ano passado a regenerar o corpo, estando de fora da competição durante 12 meses, recuperando-se com o objetivo de “voltar a desfrutar” no circuito. Uma última temporada entre os melhores, um último cheirinho a competição, a grandeza, a glória. Dizer adeus à sua maneira, correndo e batalhando.
Mas 2024 não está a ser como o balear de 38 anos imaginou. Arrancou logo com uma lesão muscular que o fez falhar o Open da Austrália, dando o tom para uma campanha de ausências: ausência de Indian Wells, ausência de Wimbledon, ausência do US Open.
Em agosto, já depois dos Jogos Olímpicos, o espanhol disse que estaria “certamente” na Laver Cup, a competição por equipas em que a Europa enfrenta o resto do mundo. No entanto, Rafa não estará no torneio que se realizará em Berlim, de 20 a 22 de setembro.
“É uma competição por equipas e, para apoiar realmente a Europa, preciso de estar no meu melhor. Neste momento, há outros jogadores que podem ajudar a equipa a obter a vitória”, justificou, renunciando a uma competição que disputou em Praga, em 2017, em Genebra, em 2019, e em Londres, em 2022, na altura acompanhando Roger Federer na despedida da lenda suíça.
Com um corpo massacrado por décadas de atividade física intensa, as cirurgias a que já foi sujeito — apendicite, tornozelo, joelho, anca — juntaram-se ao síndrome Müller-Weiss, o qual lhe degenera, desde os seus vinte e poucos anos, o pé, forçando-o a, basicamente, não se lembrar do que é jogar sem dores.
Nesta temporada que devia ser de conforto, de aplauso prolongado de despedida, Nadal é o primeiro a assumir que não está a encontrar felicidade. Só conseguiu encadear uma sequência de torneios relevante em abril-maio, quando disputou Barcelona (perdeu na segunda ronda contra Alex de Minaur), Madrid (caiu nos oitavos de final frente a Jiri Lehecka), Roma (batido na segunda eliminatória por Hurkacz) e Roland-Garros, quando não conseguiu superar Zverev.
Durante essa fase, antes de participar no major parisiense que ganhou 14 vezes, o rei da terra batida confessou: “O meu corpo não tem sido capaz de jogar semanas consecutivas, de treinar e desfrutar desses treinos. Chega um momento em que não tem sentido continuar. Se não podes fazer as coisas adequadamente dia a dia, se não podes desfrutar por causa da dor e das lesões, então é praticamente impossível ter êxito ou continuar a lutar pelas coisas que te motivam”.
Nesta busca pela motivação, Nadal parece lutar pelo direito de se retirar em paz com o ténis, deixando os courts como a eles chegou, como um poço de força disposto a lutar por cada bola. Mas o corpo não está a deixar. Desde 2022, só disputou quatro encontros seguidos em Bastad, este ano, onde viria a perder a final frente a Nuno Borges.
Como dizer adeus? Nadal tem, pelo menos, um pedido: “Se me perguntarem todos os dias a mesma coisa [sobre a retirada], é muito difícil voltar ao meu melhor, porque estou sempre a pensar sobre se me vou retirar ou não”, comentou Rafa durante os Jogos Olímpicos.
No começo de setembro, o tenista foi o convidado de honra do começo da 19.ª temporada do “El Hormiguero”, um dos mais importantes programas de televisão em Espanha. Lá, disse que não quer “viver diariamente a pensar na retirada”, mas lá confessou que se viu “muito apertado de forças” depois de Paris 2024, quando foi derrotado por Novak Djokovic.
“Dei-me todo este tempo de margem, dei-me a opção de tentar desfrutar novamente de jogar ténis, após ano e meio fora dos courts. Agora acabaram-se os objetivos na temporada. Não consegui estar ao nível que me agradaria, esperava estar fisicamente melhor do que estive”, disse no programa do humorista Pablo Motos.
Ao sair dos Jogos, Nadal voltou a comentar aquilo sobre o qual não quer que lhe perguntem, confessando que, “a frio”, ia “pensar qual seria a próxima etapa” da sua vida, fosse “com uma raquete na mão ou não”.
“Tenho sofrido muito com lesões. Se sentir que não sou suficientemente competitivo, vou parar. Tomarei uma decisão com base no que estiver a sentir”, atirou. A próxima competição que o balear tem marcada no calendário é o Six Kings Slam, na Arábia Saudita, um milionário torneio que contará com Nadal, Alcaraz, Djokovic, Sinner, Medvedev e Rune.
Como dizer adeus? A lenda dos 22 Grand Slams deu-se o tempo e a oportunidade para se despedir da maneira que idealizou, mas a saída de cena está a ser um doloroso pára-arranca para Rafa, por muito que, a cada torneio que vá, o recebam como um imperador de visita à cidade. Só aquela cabeça competitiva e obstinada sabe qual será o próximo passo.