Vivinho da silva apareceu o Sporting. Atacava com intenção por zonas exteriores, onde laterais faziam companhia aos extremos para carregarem sobre os alas e invadirem lugares de cruzamento. A equipa pressionava alto, possuída por uma genica que fazia os jogadores mordiscarem os calcanhares dos adversários, fosse na saída de bola ou logo no segundo após a perderem. O action man loiro, Conrad Harder, não parava quieto, era uma chatice quando os médios alemães tentavam dar vazão a passes. João Simões jogava bastante, solto com o seu pé esquerdo sobre o centro-esquerda, tranquilo a demorar o justo em cada toque, a ter a delonga necessária.

O rapazote assumiu as listas na camisola como se fossem as de um farol, erguido para iluminar uma equipa fundida por lesões, carente de várias luzes. Com elas apagadas, os 17 anos radiaram o seu holofote. Calmo a cuidar cada bola, sem a querer usar rápido, o epítome do peito-feito do adolescente aconteceu quando acorreu à entrada da área, ávido por finalizar uma boa jogada do Sporting. A parte de fora da bota de Geovanny Quenda rasgara um passe para lançar Harder, o dinamarquês cruzou atrasada e rasteira uma bola a fazer olhinhos a um remate de primeira, mas não. Na oportunidade mais flagrante antes do intervalo, João Simões escolheu a receção.

O pontapé saído do toque seguinte, sem histerias, não se sintonizou com a pulsação do jovem médio - a bola frouxa foi ter mansa com as mãos de Gregor Kobel, guarda-redes que já barrara uma tentativa de Trincão, improvisara uma meia-manchete, à voleibol, para tirar da baliza um míssil bruto de Harder e vira outro remate chocar com a trave, batido por Maxi Araújo quase com a biqueira da chuteira. Estouradas todas de longe, bem fora da área e em jogadas de trás para a frente, foram faíscas de um Sporting que só na calma do seu mais novo teve um remate realmente com o alvo mesmo à mercê, ali tão perto.

A primeira parte teve esse esquisito barulho das luzes, quase ambivalente nas sensações. Eram dos leões os remates do tipo que dão choques de adrenalina nos adeptos, mas humildes em ameaça concreta; as acelerações no jogo com ataques rápidos vinham do Sporting; a execução aplicada de um plano para atravancar o adversário também, porque nunca deixaram os laterais sem coberturas contra Gittens ou Adeyemi, os velozes extremos do Borussia Dortmund, fontes maiores de ameaça individual de uma equipa moribunda esta época (11.º lugar da Bundesliga). Até João Simões tinha vagar, sem bola, para vigiar de perto Julian Brandt, o deambulante que organizava as jogadas nos alemães.

O Sporting condicionava as intenções ofensivas do Dortmund, forçava a lentidão dos processos dos alemães, Diomande chegava para Guirassy. Os leões tapavam as principais armas do adversário. A equipa aparentava controlar a situação, ter o ascendente, estar por cima do jogo e demais blá, blá, blá de clichês futebolísticos. Mas parecia haver parra sem sumo de perigo.

E vinha aí a segunda parte.

O Sporting ainda esboçou um alento para pressionar em cima o adversário, com as linhas subidas, os jogadores a estarem lá perto da saída de bola. Durou muito pouco a intenção, se era isso, ou a energia, caso fosse essa a agrura. Ou o que não existiu foi a capacidade para o aguentar, algo será. O facto é que os leões mirraram na partida a olhos vistos após o intervalo, encolhidos perante o acrescer da agressividade que o Borussia Dortmund trouxe do balneário, mais rápido na troca de bola, incisivo a recuperá-la na metade contrária. Como no Dragão e em Guimarães, só que aí em vantagem no resultado, a equipa de Rui Borges minguou.

Com os jogadores empurrados para trás e as linhas da equipa recuadas, às vezes encavalitadas na própria área, o gigante Guirassy surgiu de rompante no jogo. Avançado de aparência enganadora, matulão a sugerir o desengonçado, mata bolas em receções limpas, serve apoio, faz jogar e ainda pairou no ar, lá a gravitar nas alturas, na atmosfera por cima de Fresneda e St. Juste, ambos a vê-lo com os pitons na relva.

O portento de avançado cabeceou a bola para esta sobrevoar lentamente o guarda-redes e aninhar-se em câmara lenta na baliza. Foi o castigo (60’) para a reincidência de um comportamento coletivo no Sporting, a primeira chicotada na equipa amestrada pela reciclagem que não tem sabido fazer dos intervalos. E uma punição demasiado severa aplicada a João Simões, o contraste mais acérrimo com o que fora antes do descanso - foi dele o passe falhado, ao tentar lançar logo contra-atacar, que originou o cruzamento.

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Antes Rui Silva já sustivera o Sporting no jogo. Saiu a cruzamentos, viu-se lesto a cair à relva e afastar com atenção um remate de Adeyemi, agarrou-se a bolas e apelou à calma. Muito mais apertada em qualquer receção, a ser pressionada nos primeiros passes, a equipa precisava de mais do que o tempo fornecido pelo seu protetor das redes. Encolhido e desnorteado, sem meios para aguentar a bola nos seus pés, o Sporting apresentou-se amorfo a ver o Dortmund desenhar uma jogada no seu quintal até Guirassy, na direita, no conforto da passividade de vários jogadores do Sporting a marcarem-no com o olhar, ser o grandalhão com lupa no pé que tira cruzamentos medidos ao centímetro. Este fez o favor de encontrar a chegada de Pascal Gross à área, vindo de bem longe, não longínquo o suficiente para Trincão o acompanhar sem atrasos.

O médio germânico enfiou com o joelho o segundo punhal (68’) que os visitantes cravaram num Sporting onde os problemas e eram flagrantes, visíveis até no breu, mas de explicação difícil.

Do minuto 46 ao 90, mais os descontos, os leões estiveram cambaleantes e foram uma cópia agoniada do que já foram esta temporada. Incapazes de resistir a cercos ao serem pressionados em cima, os jogadores não souberam aguentar a bola nos seus pés, nem de criar jogadas continuadas até à outra área. A segunda parte do Sporting vestiu-se de forma sofrível, mais outra assim, com a equipa a arrastar-se na desinspiração, presa pelo subrendimento de tantas peças que teimam em manter a escuridão em Alvalade.

O declínio de Trincão é evidente, seja físico ou de ideias, e a produção do canhoto escasseia enquanto o seu tempo em campo abunda. Foi dele a insistência em tentar um cruzamento sem altitude, após um canto cortado pelo Dortmund e com os leões desequilibrados, que deu a bola para os alemães descolaram num zepelim de contra-atacante cujo desfecho teve Adeyemi a marcar (82’). Nada pôde fazer Hidemasa Morita, a correr com os bofes de fora de lés a lés no campo, tentando socorrer esse prejuízo em mais outra aparição para ser um fantasma de si mesmo, à semelhança de Viktor Gyökeres. De nenhum deles retirou a equipa algum proveito, nem de Daniel Bragança.

Os três entraram entre o primeiro e o segundo golos sofridos, todos na segunda parte, não tanto o terceiro, mas sim os dois primeiros a serem sintomas de que algo não está bem no Sporting na aferição per capita e na coletiva. Preso de intensidade, o japonês não tem a rotação do costume. Amordaçado de movimentos, o sueco não morde como dantes, não assusta só pela simples presença em campo. Ferido como está, não é capaz de ferir.

Embora não se saiba exatamente do que padecem os jogadores porque o silêncio do clube, quase tão barulhento quanto a ausência de vozes em Alvalade nos últimos minutos, prefere que seja a paúra provocada pelas notórias insuficiências de Morita e Gyökeres a comunicar o que haja para dizer acerca dos seus estados físicos. Não surtiram impacto numa equipa órfã de inspiração, por vezes vazia de crença, escanzelada até da atitude gabada por Rui Borges em muitas conferências de imprensa. Desde o regresso do balneário, o melhor que magicou veio de Ousmande Diomande, que na ressaca de um corte matou a bola numa receção fingidora de remate, enganou um adversário e rematou com o pé esquerdo. A bola atingiu a bancada, sobrevoando a baliza como qualquer golpe de asa parece escapar ao alcance dos leões por estes dias.

O Sporting acabou mortiço, a despedir-se sorumbático e envolto nas mesmas dúvidas, acentuadas agora por depender da perseguição a uma desvantagem de três golos para sobreviver na Champions - há pouco mais de dois meses, estava no top-10 da fase liga da competição, diziam que a voar. É futebolês preguiçoso resumir que um jogo teve duas partes distintas embora se coadune a este Sporting, a qualquer um que ultimamente faça esta enigmática equipa, certo que afetada por mazelas e estados dúbios de forma, mas descaracterizada do que eram as suas potências.

E incerta também, de dentro para fora, porque o capitão designado para a esta noite (Matheus Reis) rejeitou que tenham sido as “questões físicas” a justificar esta bipolaridade do Sporting e, pouco depois, o treinador (Rui Borges) recorreu ao “défice físico” para explicar a segunda parte. As duas faces parecem estar a afetar tudo.