Talvez “mentalidade assassina” não tenha a classe e até a subtileza de um “killer instinct” em inglês, mas a mensagem de Bruno Lage nas horas que antecederam o playoff com o Monaco ficou clara: o Benfica deveria ter a capacidade para, metaforicamente, matar no principado. Matar a eliminatória, leia-se. E houve mais do que condições para tal acontecer.
A incapacidade dos monegascos seguirem o ritmo da equipa portuguesa foi notória a partir do momento em que se viram a jogar com menos um, depois de Al Musrati ter sido bizarramente expulso por pedir um amarelo a um adversário. Mas faltou ao Benfica qualidade técnica e cabeça fria para tomar boas decisões. Se a vitória foi magra, os encarnados bem que se podem queixar de si próprios.
E as queixas de si próprios podem ter várias camadas. A 1.ª parte do Benfica é francamente pobre, com uma incapacidade gritante de não ter bola e muito desconfortável nos poucos momentos em que a teve. Multiplicaram-se os passes errados, a inabilidade de dar um fio à meada que é o jogo. Florentino resgatava a equipa com as (muitas) interceções que evitaram que o Monaco criasse verdadeiro perigo. Ainda dentro dos primeiros 10 minutos, uma bela jogada coletiva da equipa do principado fez Trubin voar para uma defesa tão vistosa quanto eficaz. O final da 1.ª parte trouxe alguns fogachos de Benfica, sempre na ótica do talento individual: aos 44’, Carreras respondeu com um remate frouxo a um slalom brilhante de Pavlidis e posterior presença de mente do grego em fazer o passe menos óbvio para o sítio onde apareceu o lateral espanhol, que não correspondeu. Minutos depois, António Silva, de calcanhar, quase enviava, algo fortuitamente, a bola para a baliza de Majecki.
Para primeira amostra, era pouco, o jogo em era pouco, quase até pouco digno de Champions.
No local da terra com talvez mais carros de luxo por metro quadrado, Pavlidis parecia ser o único a querer jogar a condizer. O golo marcado logo a abrir a 2.ª parte foi um momento de requinte. A começar pelo passe de Tomás Araújo na profundidade, na correria do grego e no subtil pique cheio de efeito já quase sem ângulo, que levou languidamente a bola para dentro da baliza do Monaco. Minutos depois, a expulsão de Al Musrati criava condições para o Benfica crescer.
E o Benfica cresceu. Em volume. Em posse de bola, em remates. Mas falta qualidade à corrente de jogo da equipa de Bruno Lage. Com o Monaco a conceder espaço até mais não, para mais numa terra em que o metro quadrado é caríssimo, o Benfica voltou a ser uma equipa desastrada, pouco ligada, desastrada na hora da última decisão que foi, quase sempre, má. As dificuldades técnicas de Aktürkoglu prejudicam a voltagem da equipa - foram inúmeras as bolas perdidas por más receções -, Schjelderup esteve apagado e Pavlidis, sozinho aos 61’ rematou à figura de Majecki, desaproveitando o impossível. Com imenso espaço para pulular nas laterais, houve muito jogo por ali. Mas quase sempre mal pensado e concretizado.
As entradas de Amdouni, Belotti e Di María trouxeram mais pressão ao Monaco, mas se o argentino saiu logo de seguida, ressentindo-se da lesão, o italiano pouco foi servido e Amdouni acumulou erros de julgamento. Aos 84’ rematou fraco depois de uma das poucas jogadas de ligação do Benfica e dois minutos depois geriu mal a força de um passe atrasado, que saiu destravado para a lateral.
Fica a impressão que faltou fineza ao Benfica. Aquela fineza das equipas que já jogam de olhos fechados, que têm todos os automatismos oleados, que conhecem perfeitamente as dinâmicas e as movimentações dos companheiros. Se o Benfica de Bruno Lage fosse essa equipa, o Monaco podia ter saído desta 1.ª mão com uma goleada às costas.
Mas, como muito nesta equipa parece ser feito à base do esforço e de momentos de inspiração individual, fica tudo em aberto até à próxima semana. Ter o tal “killer instinct” também passa por essa subtileza dos metódicos assassinos a soldo, que não deixam provas ou rasto. E o Benfica farta-se de dar oportunidades para a presa ripostar.