
Antes deste jogo milionário, mais um, por estes dias já são tantos, o mister Mourinho encolheu os ombros, falou em tom enxuto, coçou a fronte e falou de Bruno, um “treinador feliz”. Gabou as “mil opções” e os “tantos jogadores de qualidade” que tem para, depois, queixar-se de fulanos e sicranos por eventualmente o culparem de mais um ato mourinhesco na sua saga de mind games que, cumpridas para lá de duas décadas suas na ribalta da atenção, fica turvo precisar se há premeditações ou sublimidades no que diz ou, simplesmente, se ele é mesmo assim.
Assim, também, como o seu Fenerbahçe o refletiu no tapete da Luz, vindo da gris exibição de Istambul onde o zelo por não perder pareceu suplantar a vontade de ganhar das equipas, a do mister Mourinho e a do Bruno, ambos homens de Setúbal, eles a tratarem-se nestes modos, um no tu cá, tu lá com o conterrâneo, o outro mais sério e reverente no trato, preferências que as equipas transladaram cedo para o campo. Ao terceiro minuto, o relaxo de Amrabat a atrasar um passe foi intercetado pelo maquinal Aursnes, rápido a lançar Pavlidis na área para o grego servir Leandro Barreiro.
Entre a falta de subtileza no pé do luxemburguês, à boca da baliza, e a destreza de Livaković, guardião croata cheio de proezas feitas em noites de seleções, o golo do Benfica não apareceu aí. Nem pouco depois, quando chegou a vez de Dedić fatiar a moleza no meio-campo do Fernerbahçe, por Pavlidis a correr e o remate do avançado ser desviado para canto. Ou no canto que escancarou o desnorte dos turcos, atabalhoados a manterem as marcações individuais e a deixarem António Silva cabecear a bola que Vangelis tocaria para golo. A Luz ensurdeceu de tanto barulho nos festejos.
O ruído mais agudo ficou na reação ao braço esticado do árbitro a anular o golo por fora de jogo de Barreiro, que não tocou na bola. Salvo pela decisão, os jogadores do Fenerbahçe despertaram, os berros de José Mourinho ter-lhes-ão entrado nos alarmes e mesmo que o seu jogo com bola não tenha melhorado além de quatro, cinco passes seguidos, vincaram o seu despertar nos duelos. O jogo ganhou faltas, paragens, rabos a pularem nos bancos de suplentes - não ajudou outro golo anulado, de novo com Barreiro como réu - e o futebol, como em Istambul, a tentar aguentar uma lágrima ou outra face ao desplante de o tratarem assim.
Mas era o Benfica a equipa que mais pretendia jogar. Mais cómodo em chamar a responsabilidade, a querer a bola e fazer conviver Barrenechea e Ríos com a forte pressão que os já acesos turcos punham nas suas receções, tentavam ligar as jogadas no meio do caos posto no relvado pelo Fenerbahçe. Faltavam os últimos 30 metros às jogadas, era falível o risco de Kerem Aktürkoğlu em sempre tentar encontrar Pavlidis, com um passe tenso e na diagonal para a entrada da área. Ao turco estimado por Lage para noites de Champions e supostamente querido por Mourinho cai melhor ser um destinatário do que um intermediário.
Provou-o, uma outra vez, aos 36’, no desfecho de uma bola batida longa por António Silva que o Fenerbahçe não resolveu à primeira, segunda ou terceira, sucessivamente a ter jogadores seus a atrapalharem-se nos cortes até Barreiro dar o passe a que Aktürkoğlu, a um só toque, respondeu com uma finalização imparável. Sem ter o corpo orientado para o remate que lhe saiu, forte e em arco na direção do poste mais próximo, mesmo assim o turco pôs a bola no teto das redes da baliza, um mágico de eficácia a concluir jogadas.
Será um extremo lá nos quadro táticos e grafismos de equipa, Aktürkoğlu tem essa posição, mas antónimo é do molde no qual se convencionou ter os extremos no futebol. O turco não é de fintas, corridas com a bola, truques vistosos e toques geniais que agitam a jogada e geram proveitos para outrem. Mais do que para as inventar, é um tipo para as fechar, por o laçarote no embrulho, finalizar o ataque como um certo luxemburguês com apelido de lugar na outra margem do Tejo não fez, pouco depois, crédulo que em vez de rematar, na área, tinha que dar um passe ao lado como um cacilheiro que existe só para ligar dois pontos.
Os €18,6 milhões galardoados a quem entra na fase liga da Champions estavam mais perto, restavam 45 minutos, havia vantagem magra e o Benfica ainda se comportou como se a diferença tivesse mais camadas de gordura. A equipa regressou do intervalo a defender com um bloco mais recuado, sem pruridos em conceder a iniciativa aos turcos, em especial aos seus três centrais. Entre Söyüncü, Škriniar e o canhoto Oosterwolde, nenhum era especialista a dar passes para lá do óbvio, então os encarnados deixaram-nos estar com a bola.
Seriam 15 minutos assim, com reverência a mais porque malandra nas intenções. Nunca o Fenerbahçe serviu o avançado de área que é Youssef En-Nesryi, redundado se o jogo não se adaptar às suas qualidades, tão pouco retirou proveito de ter Anderson Talisca a orbitar entre ser avançado ou médio. O brasileiro era um consórcio de toques falhados, passes errados e faltas pedidas. Nem a entrada de İsmail Yüksek, um médio bom de bola, com variedade de passe no cardápio, fez o jogo da equipa de Mourinho sair do rudimentar. Apenas aos 72’, um pouco do nada, houve um raro cruzamento colocado na área encontrou o marroquino En-Nesyri, que até de costas, usando o cocuruto, desviou para a esquina dos ferros da baliza.
Foi o único distúrbio à tranquilidade de Trubin e já o Benfica, decidido a praticar um jogo mais direto a sair de trás face à pressão alta adversária, torneara a existência a maneira de o Fenerbahçe existir na segunda parte. Menos interventivo, e inventivo, do que em jogos anteriores, Richard Ríos mostrava os benefícios de maior parcimónia nas ações: ia à frente apertar, corria para trás a ajudar, era um elástico humano a recolher segundas bolas ou a tapar caminhos. Com bola, experimentou as vantagens de jogar com simplicidade.
Como simples se viu o canto-fotocópia do Benfica, de novo com António Silva a ficar com um cerco de ninguém em seu redor no coração da área para cabecear, cheio de estilo. Livaković igualou-o na estética da defesa, o croata o melhor de um parco Fenerbahçe, pobre em dinâmicas ofensivas, sem o mínimo rasgo de alguém que concedesse algum descanso a Mourinho, frenético a cirandar diante do banco com a sua camisola de malha.
Quando, aos 82’, o destrambelhado Talisca, mais tatuado e bochechudo por comparação aos seus dias de Benfica, viu o segundo cartão amarelo, o português que treina os turcos vestiu um olhar impávido, descrente no que via acontecer. Com menos um jogador, faltava aos encarnados gerir o tempo, conspirar a posse de bola e atentar ao homem que sempre estaria livre. Colocar os adversários a correr, jogar com a superioridade de corpos e o desespero alheio. Faltou calma para o sustentar, só Richard Ríos, na sua renovada perceção de querer ser menos tcharã, jogava com a presença de espírito para tentar que a equipa o fizesse.
Calhou a melhor prestação do colombiano ser a sua mais prática, outra forma de dizer simples, desde que cruzou o Atlântico, pista para seguir na sua adaptação ao futebol deste lado do charco. Coincidiu também com o apuramento do Benfica para a Liga dos Campeões e Mourinho teria a sua razão: mais do que opções-mil, o Benfica joga mais do que o seu Fenerbahçe. E agora tem um trampolim de oxigénio para a equipa coesa e estável atrás, sem golos sofridos esta época, em sete jogos, trabalhar os momentos ofensivos com outro fulgor, de preferência com maior rasgo.
Darão jeito os milhões da Champions para trazer quem trate mais por tu, mais descontraidamente, o perfume que à equipa de Bruno Lage ainda falta aqui e ali na conceção dos ataques.