Como dar emoção a uma história cujo desfecho conhecemos à partida? Talvez uma boa forma de pensar nisto seja olhar para como não dar emoção.

Ora bem, para não dar emoção a uma já desequilibrada eliminatória, uma boa fórmula é colocá-la a duas mãos. Após todo um torneio a jogo único, eis as meias-finais da Taça de Portugal a duas mãos. E, assim, este formato estranho levou-nos a um Benfica-Tirsense que, previsivelmente, já vinha decidido da primeira partida.

Continuemos a tirar emoção e magia ao momento. Tirsense, primeiro clube da quarta divisão nesta fase da competição. Tirsense, a visitar a Luz pela primeira vez desde 1996. Tirsense, a ter esta ocasião histórica agendada para uma anticlimática quarta-feira à noite.

Se a noite já se assumia como uma burocracia, os responsáveis por tentarem dar-lhe emoção esforçarem-se muito para que assim fosse. Mas não digam isto ao Tirsense.

Não digam isto aos adeptos do Tirsense, aos cerca de mil que encheram autocarros e vieram à capital. Não digam isto a Tiago Gonçalves, o guarda-redes de 21 anos que a cada defesa terá desejado que olhos de divisões superiores estivessem a ver. Não digam isto a Bernardo Mesquita, o criativo que acreditará que esta campanha na Taça o ajudará a entrar no futebol profissional.

Não digam isto, sequer, a João Veloso, algarvio — mas agora as promessas do Seixal são todas algarvias? —, a Hugo Félix, irmão de João, e André Gomes, jovem guarda-redes, que se estrearam no Benfica. Não digam isto a Bajmari, em estreia a titular na Luz e logo com golo.

O serão, único e irrepetível para uns, burocrático para muitos, começou decidido. Todos sabiam que o Benfica disputaria a final da Taça contra o Sporting. Para o carimbar, venceu por 4-0. Além de Bajmari, marcaram os consagrados António Silva, Belotti e Barreiro.

Fotografia para a história
Fotografia para a história Gualter Fatia

O Tirsense, fora dos campeonatos profissionais desde 1996/97, teve aqui o fecho de uma temporada histórica. Com o Campeonato de Portugal a ter terminado a 13 de abril e sem disputar fases de subida nem descida, o clube só voltará a entrar em campo em 2025/26, daqui a longos quatro meses. Alguém falou em tirar emoção?

Não obstante, para muitos futebolistas que sonham com um futuro melhor este jogo foi uma montra. Para vários deles, estarem no quarto escalão e não no futebol profissional não é só uma questão de talento, mas produto de uma decisão menos acertada, fruto daquela lesão no momento mais inoportuno, deveu-se a uma má opção de clube, à conjugação do momento errado na pior ocasião.

Os pés de Daniel Rodrigues, internacional jovem e ex-Sporting, têm lugar no futebol profissional. A classe de Bernardo Mesquita, ex-Boavista, a energia de André Fontes, ex-Paços, e as defesas de Tiago Gonçalves, internacional jovem com passagens por FC Porto e Vitória SC, podem estar, para o ano, em escalões superiores. Para eles, todos sub-23, a noite foi uma montra.

Para os trintões João Pedro, Júnior Franco ou Júlio Alves, ir à Luz terá sido o ponto alto de uma viagem. Para todos, a ocasião foi aproveitada, reforçada por uma equipa que tentou jogar, que criou algum perigo, que complicou a vida ao Benfica até as pernas falharem, a diferença física se impor e o resultado se alargar naturalmente. Mas, antes do cansaço se impor, o encontro estava igualado.

O Benfica quase não criou perigo nos 30' iniciais. Bernardo Mesquita fez um túnel a António Silva para emoldurar, Tiago Gonçalves fez uma grande defesa a Arthur Cabral na melhor chance das águias.

As bolas paradas foram, juntamente com o cansaço, o maior inimigo dos visitantes. Em cima do descanso, e quando o Tirsense estava quase a ir para a segunda parte com um 0-0 que era uma pequena medalha, um lance confuso levou António Silva a fazer o 1-0.

MANUEL DE ALMEIDA

O Benfica veio com mais energia para a segunda parte. Schjelderup e Barreiro ameaçaram, pouco antes de arrancar o carrossel de substituições. João Veloso, Hugo Félix e André Gomes traziam emoções para uma noite que, para alguns, era uma chata burocracia.

À entrada para a parte final, só estava 1-0. Foi nos últimos 20' que as pernas do Tirsense começaram a falhar e o Benfica aproveitou para juntar golos à noite. Primeiro Bajmari, depois Belotti, assistido por um Tiago Gouveia que foi titular pela equipa principal pela primeira vez desde 22 de abril de 2024, a fechar Barreiro.

Indiferente a quem tentou tirar emoção à noite histórica, o Tirsense sai da Luz com um sorriso. Meio plantel passará os próximos meses a olhar para o telefone, esperando aquela chamada, desejando que a Taça 2024/25 tenha sido o impulso que faltava. Para outro meio, uma vida de esforços e sacrifícios, de treinos à noite e longas viagens, de ausências da família a troco de umas centenas de euros, um percurso de puro amor ao futebol teve aqui um prémio. Alguém falou em emoção?