
Só um eunuco de internet, alguém alheado do mundo, se poderia queixar de ser apanhado desprevenido pela notícia. Porque a retribuição de Viktor Gyökeres em campo foi uma fartura cheia de 97 golos em 102 jogos pelo Sporting, espalhados por duas épocas. Porque 68 desses remates surgiram no campeonato, um fora dos melhores da Europa, mas não tão periférico assim para se menosprezar. Porque o sueco, uma vez feita a resistência ao poder de atração dos golos para afunilarem a análise, é um avançado com características pouco comuns por estes dias.
De olho nele esteve o Arsenal, clube dianteiro no interesse, que a troco de 65,7 milhões de euros pagos a pronto, mais uns 10,2 milhões adicionais previstos caso ele cumpra certos objetivos, leva Gyökeres bem para o meio do ambiente mais competitivo do futebol europeu. O sueco vai para Londres, seduzido pelo clube que não é campeão há mais de 20 anos mas próximo tem estado, com Mikel Arteta a treinador, de o voltar a ser nas últimas épocas. Fica o Sporting sem o seu maior e melhor goleador deste século, adquire o Arsenal um avançado, um 9 a sério que não teve durante grande parte da temporada anterior. O nórdico usará a mítica camisola 14, celebrizada por Thierry Henry.
Provavelmente seria desnecessário o circo montado no último mês, mais até, cheio de rumores e recados postos a circular em público. Num dia Gyökeres posava meio-despido, a musculatura de fora, para a edição sueca da revista “Vogue”, no outro ecoavam as brumas de uma promessa feita por Frederico Varandas para o ‘deixar’ sair por €80 milhões, um valor inferior aos €100 milhões da choruda cláusula. Uma manhã dizia olá ao sol com manchetes a ameaçarem que o sueco estava chateado, a ameaçar vir a público contar a sua versão das quezílias, e à tarde vazavam as supostas trocas de mensagens entre Gyökeres e Varandas.
Chegou ao ponto de o presidente do Sporting criticar quem cuida da carreira do avançado - “só não sai se tiver o pior agente do mundo” - e afirmar que era “sensível aos sonhos do jogador”, intervenção surgida quando já pelo ar pairavam rumores de que o dito sonhador poderia não se apresentar à hora e dia marcados da pré-época dos leões.
A trama chegou a tal. Viktor Gyökeres fez a caldeira escalar a temperatura da divergência ao cometer o pior dos atos para um futebolista assalariado de um clube e Varandas, pela segunda vez, interveio. “Estamos tranquilos”, asseverou, tal como na sua primeira vez que falou em público sobre o caso. “Tudo se resolve com o fecho de mercado, uma multa pesada e um pedido de desculpas ao grupo”, acrescentou. Não se livrou o jogador de um processo disciplinar que, na verdade, agora pouco ou nada interessa.
A calma do líder dos leões para fora, emanando uma atitude intransigente no negócio, encarrilou a postura do Sporting: ou o clube recebia o que a avaliação presidencial de Gyökeres considerava justo, ou o sueco ia a lado nenhum. E Varandas levou a sua avante, em particular a sua antipatia por Hasan Çetinkaya, o agente do avançado a quem o clube não vai pagar qualquer euro de intermediação da transferência. Alguém o fará, com certeza, mas não os leões, e por esse ponto também se entende o maior dinheiro que o Sporting receberá, a pronto, pela venda do seu abono de golos nas duas últimas temporadas.
Foram tantos que apenas lhe faltou galgar um degrau na hierarquia dos goleadores da história do clube. O sueco brutamontes que tapava a cara entrelaçando as mãos a cada golo sai como o segundo melhor marcador estrangeiro do Sporting, atrás apenas dos 126 êxitos de Héctor Yazalde, mas por diante de Bast Dost (93), especialista das finalizações a um toque. Com nuances temporais que ajudam a colocar em perspetiva o impacto de Gyökeres: o argentino esteve quatro épocas no Sporting, o neerlandês contou três. O homem da máscara de dedos apenas durou duas nos leões.
As 10 vendas mais caras do futebol português
Os 65,7 milhões na conta do clube, descontando os que mais poderão vir mediante o cumprimento de certos objetivos, são soma bastante para um jogador de 27 anos, no auge, porém não distante de se aproximar da velhice na curta estima do futebol. Supera o que o Al-Nassr pagou por Otávio, então com 28 anos, para o levar do FC Porto, sendo eles os únicos com mais de 25 na idade a constarem no top 10 das mais lucrativas vendas feitas no futebol português. A lista é liderada pelos estratosféricos €127 milhões pagos pelo Atlético Madrid ao Benfica por João Félix, seguidos dos €121 milhões que Enzo Fernández fez o Chelsea desembolsar para os encarnados.
Pelo dinheiro pago, a catrefada de golos marcados e o matulão de avançado que é, poucos desconhecerão hoje Viktor Gyökeres. O avançado esfomeado vai agora correr, fugir de defesas, galopar no espaço e chocar contra os corpos da Premier League, o mais mediático e visto campeonato do planeta. Nem a entrada à última hora do Manchester United na corrida o demoveu do único objetivo de jogar no Arsenal. O sueco teve, finalmente, o que queria.